Ao invés de ir me acostumando, eu fui me revoltando. Aquela cena, assim como muitas outras, me levaram a uma série de perguntas: porque a menina não estava na escola? Porque eu estava no carro com meus irmãos e ela na rua com os dela? Porque ela estava vendendo chiclete? Onde estava a mãe dela? Será que ela estava com frio, fome, ou cansada? Muitas perguntas eram retóricas, outras nem tanto.
Durante os 4 anos seguintes até os 16 anos, eu vi minha lista de perguntas crescer, e a criação de uma lista de hipóteses para explicar aquela e tantas outras situações que eu fui me dando conta. Eu também tinha uma terceira lista, a de críticas da nossa sociedade. Com razão, eu estava no auge da adolescência rebelde. Naquele momento turbulento de criação de identidade, tive que escolher o “meu futuro”. Eu fiz vestibular com 16 anos, e é nesse momento que escolhemos o que “ser quando crescer”. É o primeiro momento de formação de skills.
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Foram mais 2 anos de teoria e pesquisa com quase nada de prática. Mesmo assim, consegui trabalhar e dedicar alguns anos entre a clínica particular em um dos bairros nobres do Rio, São Conrado, e a Clínica Social da Favela da Rocinha, atendendo crianças e famílias. A distancia entre o consultório e a clinica social era feita a pé, tamanha proximidade e discrepância social.
Após me tornar mãe aos 25 anos, o choque de realidade de não conseguir pagar as contas do final do mês foi mais alto do que qualquer paixão e propósito e eu entendi que precisava procurar uma outra carreira, um outro emprego. Para me recolocar, eu precisava me requalificar. Minhas habilidades e competências eram pouco valorizadas pelo mercado de trabalho. Lá fui eu fazer um MBA noturno e conseguir mostrar meu potencial. Terceiro momento de formação: Reskilling.
Eu aceitei um trabalho no Governo do Rio de Janeiro em Projetos Estratégicos, imbuída do espírito de fazer diferença pra menina que ainda estava vendendo chiclete na rua e pra nossa sociedade em larga escala. Eu queria unir minha revolta com a realidade de péssima qualidade de vida da maioria das pessoas no nosso país com o meu trabalho e descobrir, finalmente, uma forma de mudar a realidade que tanto incomoda.
Apesar dos esforços, após 4 anos com algumas frustrações na bagagem, eu pensei bastante no que eu queria para minha vida. Em quem eu era naquele momento – porque a Iona de 12 anos era diferente daquela de 16 ou 25, e com certeza muito diferente daquela que passava dos 30 anos. Eu fui em busca do que tem de melhor para transformar a vida das pessoas até que eu encontrei a Universidade de Stanford, onde ideias malucas são bem vindas, onde não tem sonho grande demais para ser levado a sério, onde todas as pessoas são bem-vindas, aliás, quanto mais diversidade melhor. Lá, eu vivi a experiência de quanto mais diferente mais rico são os grupos, as turmas, as classes, os projetos. Eu aprendi que através da tecnologia a gente consegue desenhar soluções que não existem ainda. E que uma vez testadas, nasce um produto. E que esse produto pode e deve ser escalável para alcançar as pessoas que mais precisam e que não tem acesso a estar ali. Eu conheci pessoas que se recusam, assim como eu, a se acomodar e a ficar na bolha uma vez tendo a oportunidade, muitas vezes sofrida, de entrar e ser aceito na tal bolha. Eu me senti em casa. Há 9 anos que eu me transformo, cada dia um pouco, na Iona que hoje é CEO da Education Journey, uma startup focada em transformar a vida de muita gente, quem sabe atingindo o 1 bilhão de pessoas que o Fórum Econômico Mundial alertou que precisarão de algum tipo de upskilling ee reskilling até 2025. Eu aprendi a me adaptar, a aprender, a desaprender e a reaprender.
Eu não estou sozinha, nem do lado de pessoas que querem trabalhar com algo a mais do que pagar as contas no final do mês, com o famoso senso de propósito, de impacto, de estar construindo algo para além de si mesmo, nem do lado de pessoas que precisam se reinventar durante a carreira, por qualquer motivo que seja. O fato é, eu arrisco dizer, que todo mundo precisa se aprimorar e aprender o que está sendo feito melhor e mais eficiente.
Não tem certo ou errado, melhor ou pior. Existe se conhecer, ter garra, ter coragem, ter persistência. E existe o resto da sua vida pra continuar aprendendo e construindo. O meu propósito é ajudar que cada um monte a sua caixa de ferramentas. Qual a sua caixa de ferramenta? O que tem dentro dela? Você gosta do que tem dentro? Sabe como aproveitar suas oportunidades, suas habilidades, e suas paixões? Você tem mais em comum com upskilling e reskilling do que imagina.
Iona Szkurnik é fundadora e CEO da Education Journey, tem mestrado em Educação e Tecnologia pela Universidade de Stanford, é cofundadora da Brazil at Silicon Valley, fellow da Fundação Lemann e ganhadora do prêmio Start-Ed de Empreendedorismo em Educação e Tecnologia da fundação
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