CEO puro-sangue

1 de março de 2023

Tive uma conversa tão interessante com um cliente que resolvi dedicar esta coluna ao produto de tal encontro. Falávamos de uma possível sucessão da cadeira de presidente da empresa – hoje de controle familiar e administrada pelo dono – para um CEO executivo de mercado.

Ao se referir ao executivo de mercado, o controlador usou o termo: “CEO puro-sangue”. Inicialmente, entendi que um CEO puro-sangue, ou puro de origem, seria um membro da família. Depois de um tempo, vimos que precisávamos alinhar os termos, e a conversa fluiu muito bem.

Grande produto dessa conversa foi a reflexão de que existem pontos muitos fortes no executivo familiar, e que isso tem que ser reconhecido.

No ambiente das empresas familiares, o CEO e acionista controlador/dono/fundador constrói sua modelagem de atuação como líder de uma forma muito particular e recorrente.

Digo que existem alguns ingredientes muito fortes desse papel e que devem ser claramente reconhecidos por serem fundamentais para a compressão desse “Family chief executive officer”.

Destacarei pontos muito significativos aos negócios.

O primeiro ponto é a autonomia. O nível de liberdade na tomada de decisão de um presidente de empresa familiar costuma ser muito maior do que o de um CEO executivo de mercado. Existe a brincadeira recorrente de dizer: “nunca tive um chefe”.

Leia também: O que é profissionalizar uma empresa familiar?

Possuir autonomia tem grandes vantagens, porém, significa que as consequências de suas decisões virão com muito mais impacto direto na vida desse profissional e em seu patrimônio, quase sempre atrelado ao seu negócio.

O segundo ponto, e não menos importante, é a cultura. A liderança de um dono construirá, a cada decisão, a cada posicionamento, a cada mensagem, um parâmetro a ser seguido. Os valores praticados serão replicados pelos demais líderes como forma de buscar aprovação e adequação à cultura vigente.

Costumo brincar que tudo que é feito pelo dono cria “jurisprudência”, termo jurídico que significa o conjunto das decisões, aplicações e interpretações das leis que vão sendo reiteradas nos tribunais.

Isso é tão sério que mesmo comportamentos dos donos serão repetidos. Na minha passagem pelo Grupo Pão de Açúcar, na época da gestão direta de Abilio Diniz, tive a oportunidade de fazer um estudo que demonstrava que 80% dos funcionários tinham uma busca por maior qualidade de vida e aproximação aos esportes praticados pelo líder, reconhecido pela vida em equilíbrio.

Vou sublinhar mais um ponto bem significativo: a visão de longo prazo. A visão de curto, médio e longo prazo são muito mais bem desenhadas em empresas de “dono”. Existe uma intenção de legado, de perenização das organizações.

A mensuração de resultados não é apenas o ROI: existem outros indicadores na gestão, e os investimentos em recursos de longo prazo são considerados dentro de uma perspectiva bem mais sólida.

Agora, após essas três características apontadas, frente a muitas outras boas referências que trago de gestão familiar, você diria que o termo CEO puro-sangue se aplica a quem: a um CEO familiar ou a um CEO executivo de mercado? Vale a reflexão.

Flávia Camanho é Conselheira, mentora e coach. Especialista em desenvolvimento humano e governança familiar, fundadora do Flux Institute e professora convidada do IBGC para programas de governança e Next G.

Os artigos assinados são de responsabilidade exclusiva dos autores e não refletem, necessariamente, a opinião de Forbes Brasil e de seus editores.

Coluna publicada na edição 104, de dezembro de 2022.