Quando homens tiram licença-paternidade, aprofundam sua relação com os filhos, voltam mais engajados para o trabalho e beneficiam a saúde mental e as carreiras das mulheres. É o que dizem alguns dos profissionais que usaram o benefício da licença-parental, que vem sendo oferecida por mais empresas nos últimos anos.
Hoje, a lei brasileira permite que os pais tirem cinco dias de licença remunerada, e as mães, 120, depois de terem ou adotarem um filho.
Mas nos últimos anos, empresas têm aderido à licença parental estendida, impulsionada pelo programa Empresa Cidadã, que em 2016 possibilitou às companhias cadastradas estender o benefício para 20 dias para os pais e 180 dias para as mães em troca de incentivos fiscais. “Vínculo não se constrói em 5 nem em 20 dias”, afirma Camila Antunes, educadora parental e sócia-fundadora da Filhos no Currículo, consultoria empresarial voltada à parentalidade.
Segundo pesquisa da consultoria Mercer Marsh Benefícios do primeiro semestre deste ano, 56% das empresas no Brasil oferecem licença-paternidade estendida. O levantamento foi feito com 850 grandes e médias companhias, a maioria delas (60%) com faturamento acima de R$ 100 milhões, e que, juntas, empregam 3,5 milhões de pessoas.
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Empresas como Grupo Boticário e Nubank igualaram as licenças remuneradas para homens e mulheres. Na primeira, o benefício é de 120 dias e obrigatório, e as mães ainda podem estender por mais 60 dias. Já o Nubank oferece um benefício global de 120 dias, ou quatro meses, para todos os funcionários. No Brasil, a empresa já garantia 180 dias de licença-maternidade, o que não mudou.
Especialistas afirmam que a igualdade das licenças fomenta a coparentalidade – a parceria entre os pais na criação do filho – e ajuda a eliminar vieses de gênero. “Se hoje as empresas não contratam mulheres por medo de uma gravidez, sem esse obstáculo, conseguem acelerar a representatividade feminina em todas as posições”, diz Michelle Terni, CEO e cofundadora da Filhos no Currículo.
Em abril deste ano, a Câmara dos Deputados criou um grupo para elaborar uma proposta para a licença-paternidade no país. Enquanto isso, o STF julga se há omissão do Congresso em regulamentar o tema, que está em suspenso desde a criação da Constituição de 1988.
O apoio das empresas à licença-paternidade é vantajoso para todos: melhora a vida dos funcionários em casa, a satisfação no trabalho e o bem-estar geral, mostra uma pesquisa da consultoria McKinsey.
Homens querem licença parental
Um estudo de julho deste ano feito pela Filhos no Currículo em parceria com a HR Tech Infojobs mostra que os pais buscam esse tipo de benefício. Segundo a pesquisa, as licenças estendidas aparecem entre as medidas mais desejadas pelos profissionais com filhos, depois de modelos de trabalho flexíveis, auxílio creche ou babá e programas de bem-estar. Sem o benefício, 4 em cada 10 homens já consideraram deixar o trabalho para cuidar dos seus filhos.
Mas ainda há um abismo entre pensar em deixar o trabalho e de fato fazer isso, já que o homem continua sendo definido pelo êxito profissional, enquanto das mulheres é cobrado principalmente o sucesso familiar. “Conciliar filhos e carreira ainda é um dilema feminino, mas essa cogitação dos pais aponta para uma tendência por uma paternidade protagonista”, diz a CEO da Filhos no Currículo.
O efeito da licença-paternidade é especialmente positivo para as mulheres, já que quando apenas elas têm acesso ao benefício, acabam por assumir maiores responsabilidades de cuidado durante os primeiros meses. Mas a licença parental resultou em maior bem-estar e satisfação com a vida e o trabalho para os homens. “Nenhum dinheiro paga tudo aquilo que hoje eu tenho em memória, que são as primeiras evoluções da minha filha”, diz Alan Caser, squad leader do Grupo Boticário, que este ano teve sua primeira filha, Rafaela. “Durante os quatro meses de licença, desliguei toda a parte profissional, das mensagens ao LinkedIn, e, quando voltei, precisei me adaptar e ir no meu tempo”, conta ele, que se sentiu um funcionário novo ao retornar ao trabalho.
Desde a implementação do benefício na empresa, em julho de 2021, até julho deste ano, 1.150 colaboradores usufruíram da licença parental, sendo quase 40% pais.
Na Cielo, há programa de apoio aos pais e mães durante o período de pré-natal e pós-parto, além da licença paternidade estendida e licença adotiva.
Praticamente 100% dos entrevistados na pesquisa da McKinsey consideraram a experiência de tirar a licença-paternidade positiva e fariam novamente. E 90% disseram que melhorou o relacionamento com sua parceira.
A licença também foi benéfica para a carreira. Muitos falaram que estavam voltando ao trabalho se sentindo mais motivados e propensos a permanecer mais tempo na empresa atual. Apesar disso, é esperado que muitos tenham receio de que a ausência do trabalho possa representar uma regressão na posição profissional e dentro da empresa.
Veja depoimentos de pais que tiraram licença estendida:
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“Sabia que seria um momento novo e desafiador tanto para mim quanto para a minha esposa por ser a primeira filha. Sempre foi um sonho nosso e a gente sabia que seria muito importante eu ter a possibilidade de acompanhar as primeiras novidades referentes à evolução dela. O primeiro sorriso, a primeira viradinha de barriga pra baixo, o primeiro banho. Não tive receio de tirar a licença porque a cultura da empresa em relação a isso é muito consolidada, já ouvi isso até do fundador, vice-presidente e CEO, e ver as pessoas saindo antes de mim também me deixou tranquilo. Nos primeiros dois meses, tivemos desafios de saúde quando descobrimos que nossa bebê tem alergia à proteína do leite, foi um momento muito delicado psicologicamente e foi importante poder acompanhar nas consultas e estar disponível a qualquer momento.”
Alan Caser, squad leader do Grupo Boticário
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“Um dos maiores desafios para nós, como pais de primeira viagem, foi a amamentação. E ter mais tempo em casa permitiu que eu pudesse apoiar minha esposa neste desafio. Nós não temos uma rede de apoio próxima e, por isso, somos só nós dois. Ou seja, a licença convencional de cinco dias não teria sido suficiente. Outro desafio para todos os pais de primeira viagem é o momento do banho: o bebê é muito frágil, então é muito mais fácil ter quatro mãos para este momento.”
Bruno Calles, especialista em estratégia e performance na Cielo
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“É muito importante ter essa licença estendida porque pude dividir as responsabilidades com a minha esposa nas tarefas de cuidar da nossa filha, assim como acompanhar de perto o desenvolvimento dela nos primeiros meses.”
Felipe Rocha, gerente de Mercado na Rhodia
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“É minha segunda filha. Na primeira gestação, foi muito difícil. Eu viajava muito e agora estou curtindo tanto que me sinto culpado até de não ter vivido isso com a primeira, porque tirei só um mês. Foi sensacional curtir esse momento com elas. Minha esposa fez cesárea, então pude ajudar no resguardo e na recuperação da cirurgia. Fiquei imaginando como foi pra ela na outra gestação. É cruel deixar essa responsabilidade só para uma pessoa, só para a mãe. No começo, tive insegurança sim, ao avisar o chefe, pensar na ausência, apesar de ter ajudado a construir a ideia de termos a licença na empresa. Mas foi natural e tranquilo. Meus chefes me apoiaram em curtir a licença. Saí em janeiro, voltei em julho, e tive uma recepção muito calorosa na volta. Essa deveria ser uma lei e uma mudança de pensamento: dividir a responsabilidade entre pai e mãe de maneira igual.”
Pedro Gentil, analista de RH na empresa de meios de pagamentos Zoop
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“Essa é a segunda vez que tiro a licença parental oferecida pela empresa. A primeira foi no ano passado e foi muito importante, já que minha esposa estava grávida de gêmeos. Acabamos perdendo um dos bebês, e com a licença oferecida, pude dar maior apoio emocional e operacional para minha esposa. Este ano estou usufruindo novamente do benefício. Minha filha está com 15 dias e posso acompanhar todos os momentos e criar um vínculo maior com ela. Pude levá-la à primeira consulta com a pediatra, acompanhar as primeiras vacinas, algo que não seria possível se eu tivesse apenas a licença dada por lei.”
Murilo da Silva, analista de infraestrutura de rede da empresa de tecnologia NTT
“Sabia que seria um momento novo e desafiador tanto para mim quanto para a minha esposa por ser a primeira filha. Sempre foi um sonho nosso e a gente sabia que seria muito importante eu ter a possibilidade de acompanhar as primeiras novidades referentes à evolução dela. O primeiro sorriso, a primeira viradinha de barriga pra baixo, o primeiro banho. Não tive receio de tirar a licença porque a cultura da empresa em relação a isso é muito consolidada, já ouvi isso até do fundador, vice-presidente e CEO, e ver as pessoas saindo antes de mim também me deixou tranquilo. Nos primeiros dois meses, tivemos desafios de saúde quando descobrimos que nossa bebê tem alergia à proteína do leite, foi um momento muito delicado psicologicamente e foi importante poder acompanhar nas consultas e estar disponível a qualquer momento.”
Alan Caser, squad leader do Grupo Boticário
Benefícios para as mães
A experiência com a licença-paternidade em outros países também revela benefícios para as mães. Quando a Espanha reservou apenas 13 dias de licença remunerada para os pais, as mulheres tiveram uma probabilidade significativamente maior de retornar ao trabalho depois do parto. Uma lei sueca que permite que os pais tirem até 30 dias de licença levou a uma redução de 26% nas prescrições contra a ansiedade para mães e uma redução de 14% nas hospitalizações ou visitas a um especialista. Hoje, os EUA são a única nação da OCDE que não oferece licença parental remunerada.
Mas os benefícios vão além da saúde física e mental. Estudos indicam que a licença-paternidade ajuda os casais a longo prazo, com o compartilhamento das responsabilidades domésticas e a redução do desgaste para as mães que trabalham. Com maior envolvimento paterno, elas podem retornar a suas funções mais cedo, compensando um pouco a chamada “penalidade da maternidade”. Um exemplo dessa situação é que, no Brasil, dois anos depois de tirar licença-maternidade, quase metade das mulheres está fora do mercado de trabalho, segundo um estudo da FGV.
Empresas também saem ganhando
A licença-paternidade é apenas um dos temas que devem ser trabalhados pelas empresas para a construção de um ambiente de bem-estar parental, que, segundo Camila Antunes, sócia-fundadora da Filhos no Currículo, também envolve:
- benefícios inclusivos, como a própria licença parental estendida, e auxílio creche, por exemplo;
- formação de lideranças em gestão de parentalidade;
- criação de uma cultura empresarial de acolhimento aos profissionais com filhos;
- criação de fóruns e espaços para discussão e trocas específicas sobre os desafios parentais;
- construção de uma rede com mentores dentro das próprias equipes para servir de referência e apoio aos profissionais que são pais.
Funcionários mais felizes são mais produtivos, mas a licença parental pode fazer parte de um movimento estratégico da empresa. “A mudança exige planejamento orquestrado por uma equipe multidisciplinar, engajamento da alta liderança e revisão de políticas acessórias que serão indiretamente impactadas pela mudança”, diz Vinicius Bretz, especialista em implementação de licenças parentais e consultor da Filhos no Currículo.
Bretz foi responsável por implementar essa mudança em uma das maiores multinacionais do setor de bebidas, com resultados diretos para o negócio, como a diminuição na taxa de turnover – a rotatividade dos funcionários –, aumento do engajamento interno, das promoções e da visibilidade da marca empregadora, melhorando os índices de atração de talentos. Segundo o especialista, barreiras financeiras e culturais são os principais entraves para as empresas enfrentarem o tema, que pode aumentar o valor de negócio para consumidores e acionistas e é um diferencial na batalha cada vez mais acirrada por talentos.
Licença parental na agenda da equidade de gênero
De acordo com o relatório mais recente da ONU Mulheres, no atual ritmo de progresso, levará 286 anos para alcançar a igualdade de gênero no mundo. E segundo o Fórum Econômico Mundial, levará mais 132 anos para fechar a lacuna global de gênero.
A desigualdade de gênero custa trilhões de dólares para os países anualmente, e a licença parental é um dos temas que cruza esse caminho. As disparidades globais no emprego, remuneração e liderança não são simplesmente resultado de discriminação histórica, viés cultural ou escolhas individuais – elas são impulsionadas diretamente por leis e políticas – ou a falta delas – que reforçam estereótipos de gênero.
A licença-paternidade remunerada tem o potencial de contribuir significativamente para diminuir as disparidades salariais entre homens e mulheres. Grupo Boticário, Nubank e Volvo acabam de lançar um guia de boas práticas sobre licença parental, em parceria com as organizações 4Daddy, Filhos no Currículo, Instituto Promundo, Maternidade nas Empresas e Escola de Super Pais por Marcos Piangers. “O objetivo é inspirar outras empresas a incluírem a licença, o que contribui, inclusive, para o avanço da equidade de gênero no corporativo”, diz Fabiana de Freitas, vice-presidente de jurídico, compliance, ESG, assuntos institucionais e comunicação do Boticário.