Empreendedores de Israel tentam gerir startups enquanto lutam no front

17 de outubro de 2023
Jack Guez/AFP/Getty Images

Fundadores de startups e profissionais de empresas de tecnologia estão entre os 300 mil reservistas chamados para a linha da frente da guerra entre Israel e Hamas

Yael Meretyk Hanan, cofundadora e CEO da startup Pelles.ai, acordou numa manhã de sábado em Tel Aviv com seu marido recebendo um telefonema do seu oficial da reserva nas Forças de Defesa de Israel, avisando-o para se preparar porque estava prestes a ser chamado para servir. Ela imediatamente mandou uma mensagem para o seu sócio, Ido Glanz, CTO da empresa que fundaram há 10 meses e que usa IA para gerar melhores projetos mecânicos, elétricos e hidráulicos a partir de plantas arquitetônicas.

Glanz respondeu que já estava a caminho para se apresentar ao serviço militar. “Não havia outra opção, nem mesmo hesitação. Você simplesmente pega suas coisas e vai”, disse Glanz por telefone do quartel da sua unidade. “Sinceramente, não tomei banho desde aquela manhã.”

Na manhã seguinte, ela se reuniu com os outros dois fundadores da Pelles.ai para analisar como eles manteriam seu negócio em funcionamento sem seu líder técnico. Aos investidores e parceiros nos EUA que entraram em contato, a empreendedora compartilhou esta mensagem: “Estamos extremamente tristes e com o coração partido, mas seguros.”

Situações semelhantes ocorreram em todo o ecossistema de tecnologia no país, e também nos EUA, onde ficam as sedes e escritórios de inúmeras startups fundadas em Israel. Com a mobilização, uma das maiores da história do país, 300 mil reservistas foram chamados para a linha da frente da guerra.

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Impacto da guerra nas startups

A mobilização em grande escala teve um impacto desproporcional no cenário global de startups de Israel, levando em conta o sistema obrigatório de serviços e reservas do exército e o fato de que o pessoal da alta tecnologia representa 14% da força de trabalho do país.

O financiamento de capital de risco para empresas israelenses cresceu 56% no último trimestre, para US$ 1,4 bilhão, de acordo com o rastreador de dados de startups Crunchbase. Em comparação, as startups europeias receberam US$ 16,4 bilhões, um aumento de 28%. Na última quinta-feira (12), centenas de empresas de venture capital assinaram uma declaração pública em apoio a Israel e aos empreendedores de tecnologia.

Uma amostragem de escritórios de startups no país feita por vários investidores locais descobriu que, em média, cerca de 15% dos funcionários foram convocados para a guerra. Nas grandes empresas de tecnologia, com mais funcionários em funções semelhantes e em diferentes países, essas convocações não pesaram tanto para as empresas, disseram CEOs e investidores locais. Mas em startups menores, mesmo uma só ausência pode ter um grande impacto – e até significar o fim do negócio.

Empreendedores no front

A startup Stealth, que estava na fase de testes alfa do seu software baseado em IA para ajudar criativos a gerenciar ativos digitais, está sem dinheiro e com desenvolvimento suspenso. A CEO Fay Goldstein está servindo ao exército, enquanto o tempo da sua cofundadora é destinado a cuidar de crianças, já que as escolas israelenses estão fechadas, e de familiares, numa comunidade que viu vizinhos serem feitos reféns por terroristas do Hamas.

A startup não atingirá as metas de usuários definidas para outubro, nem prosseguirá para o teste beta no final do mês, conforme planejado. Mas depois de passar o dia anterior num kibutz onde pessoas foram massacradas pelo Hamas, Goldstein disse que se viu questionando a importância do problema que a sua empresa procura resolver frente a tamanha tragédia – não que ela esteja planejando desistir do empreendedorismo.

“É estranho como levamos as coisas tão a sério nas nossas vidas em um mundo que simplesmente não estava preocupado com a vida ou a morte”, disse ela. “E agora estamos cercados por decisões de vida ou morte e isso está me fazendo colocar as coisas em perspectiva.”

Ausência de funcionários

Para as startups unicórnios – aquelas com valor de mercado acima de US$ 1 bilhão – de Israel e as empresas públicas de tecnologia, os últimos dias de trabalho têm sido incomuns, mas não o suficiente para desacelerar muito os negócios.

Muitas empresas tiraram folga no dia seguinte aos primeiros ataques do Hamas, um domingo em que Israel inicia a sua semana de trabalho. Mas no dia seguinte, começaram a gerenciar a ausência de funcionários que foram pessoalmente afetados ou chamados para o serviço militar.

Uma redução temporária da força de trabalho é mais fácil de contornar, dizem os CEOs, em casos de empresas locais que cresceram o suficiente para ter escritórios fora de Israel, em Londres e Nova York, por exemplo. Na Armis, uma startup de segurança de IoT (internet das coisas) avaliada em US$ 3,4 bilhões, o CEO Yevgeny Dibrov observou que cerca de 15% dos funcionários locais convocados representavam 3% da sua força de trabalho global.

Na Pentera, outra startup de cibersegurança avaliada em US$ 1 bilhão, o CEO Amitai Ratzon disse que a administração alertou o escritório de Israel para serem honestos sobre quando precisassem de ajuda. Alguns de seus cerca de 30 funcionários na ativa continuam a atender ligações de clientes por insistência própria, segundo ele. No entanto, funcionários europeus e norte-americanos substituíram Ratzon e outros líderes em conferências em Dubai e Mônaco nos últimos dias.

Enquanto isso, mais de 1.000 pessoas se inscreveram como voluntárias para trabalhar em startups israelenses que estão sem funcionários importantes, de acordo com Zoe Burian, radicada em Nova York, que trabalhou anteriormente na empresa de tecnologia SimilarWeb em Tel Aviv e criou com o marido Michael Burian, funcionário de uma startup de saúde digital, uma página de inscrição para os interessados se inscreverem.

Mas tanto Ratzon quanto Dibrov enfatizaram aos clientes que seus serviços não seriam afetados pelos acontecimentos atuais. “Não queremos a piedade de ninguém”, disse Ratzon. “Queremos a simpatia das pessoas, empatia e compreensão, mas não queremos descontos no que diz respeito às necessidades do cliente.”

De volta a Israel

Israelenses que trabalham com tecnologia em empresas sediadas nos EUA também estão voltando para casa como parte dessa mobilização, e outros estão dando apoio e suprimentos para os que estão indo para a linha da frente. Tzvi, cofundador de uma startup da Web3 com sede em Nova York, que pediu para ser identificado apenas pelo seu primeiro nome hebraico por razões de segurança, foi convocado pouco depois de dois de seus engenheiros de dados baseados em Israel. Ele permaneceu nos EUA por alguns dias para coordenar remessas de óculos de visão noturna, coletes à prova de balas e capacetes, enquanto seu cofundador gerenciava a startup.

“Temos uma rede de voluntários locais e ex-soldados israelenses, muitos deles fundadores de empresas de tecnologia, que estão alavancando suas redes”, disse Tzvi. “Basicamente, temos nos encontrado com reservistas nos aeroportos para entregar mochilas cheias de equipamentos para distribuir às suas unidades quando chegarem ao solo.”

L.K. (que pediu para usar apenas suas iniciais por segurança) trabalha em Nova York em uma grande empresa de tecnologia depois de mais de uma década como piloto e comandante da Força Aérea Israelense. Ele foi para Israel sem data de retorno e com o apoio do seu empregador.

Pausa nas operações

Alguns CEOs continuam a fechar contratos e falar sobre métricas de negócios mesmo nesse momento, disseram investidores. Na Entrée Capital, o sócio Avi Eyal afirmou que quatro startups israelenses em seu portfólio continuaram a levantar rodadas de financiamento, apesar das interrupções. “Os israelenses são extremamente resilientes. Eles têm a capacidade de realizar múltiplas tarefas e superar sentimentos pessoais para continuar com o trabalho.”

Mas outros não tiveram escolha senão interromper as operações. Na Covered, uma startup de saúde que desenvolve tecnologia para ajudar as pessoas a recorrer a reivindicações médicas negadas indevidamente, o CEO Corey Feldman é um dos apenas dois funcionários. Depois de participar de 18 reuniões com investidores na semana anterior à convocação do exército, Feldman precisou fazer uma pausa no trabalho para levantar investimento.

Danielle Eisenberg e Noy Leyb, fundadoras do BachPlace, que tinha como objetivo oferecer uma ferramenta inteligente de reserva para viagens em grupo, inicialmente com foco em despedidas de solteira, suspenderam seu produto logo após o lançamento do site. Eisenberg está organizando esforços de socorro de Nova York, enquanto Leyb voou para Israel para servir ao exército. “Essa startup é a minha vida. Mas às vezes há coisas que são simplesmente mais importantes”, disse Leyb.

Com reportagem adicional de Tom Brewster e Rashi Shrivastava

(traduzido por Fernanda de Almeida)