“Ele tira o meu pior”
E foi assim que a nossa sessão de mentoria começou. Não teve “boa tarde” e, muito menos, “tudo bem?”. A ira dela era tão descomunal, que passou pela minha cabeça investir aqueles 60 minutos num ritual de exorcismo.
“A realidade é que não há equilíbrio entre trabalho e vida, há apenas vida e o trabalho é parte dela”, evocou a Dra. Ella Washington, psicóloga organizacional da Universidade Georgetown.
Na hipótese da teoria da Dra. Washington estar correta, por que nos afetamos tanto com as pessoas do trabalho e como deixamos que elas impactem tão negativamente a nossa vida?
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“Ele não confia em mim e está o tempo todo me sabotando. Seus feedbacks chegam como um tornado, desmantelando tudo o que foi construído com dedicação, tempo e paixão. Ele não tem piedade. Não sobra nada.”
Sem fôlego, e com muita gesticulação, ela mais parecia estar acenando para um daqueles helicópteros de resgate da Força Aérea Americana do que descrevendo a sua rotina como executiva.
Possivelmente, a pergunta óbvia seria: “Por que você não pede demissão?”
Mas este seria o caminho fácil e preguiçoso. Além disso, estaria contrariando a minha responsabilidade, como mentora, de encorajar o seu desenvolvimento profissional e pessoal.
A Vanessa Cassarotti, minha melhor amiga desde a infância, decidiu fazer uma pós-graduação em Psicologia aos quase 50 anos. A maturidade é, realmente, uma bênção. Foi ela quem me apresentou a Fenomenologia, uma linha dentro da Psicologia que entende que a pessoa é um ser em constante transformação. As pessoas são afetadas pela relação que estabelecem com a cultura, com o tempo, com seu passado e com seu projeto de futuro. A Fenomenologia não tem como intuito interpretar a pessoa por algo que esteja além do modo como ela vai se revelando.
Considerei apropriado testar na prática a teoria que a Van me introduziu. Ter a habilidade de perceber as dores de outras pessoas não significa ter a tarefa de resolvê-las. Nunca tive a pretensão de me colocar no lugar da minha mentorada, pois cada indivíduo tem uma forma única de sentir. Mas, ao longo da minha carreira, vivi dilemas parecidos e fui capturada pela raiva, medo, angústia e frustração. Esses sentimentos negativos só passaram à medida em que eu entendi que não era possível mudar o outro (acredite, não é possível).
Identificar de onde vinham aqueles sentimentos tão opressivos, e por que eles estavam se manifestando, era o nosso objetivo. Fizemos um trabalho de observação para planejarmos uma rota de fuga de um possível burnout.
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Quando você não pode controlar o que está acontecendo, desafie-se a controlar a maneira como responde ao que está acontecendo. Aí está o poder.
Ela já havia investido seis anos de sua vida na empresa, e estava com esse chefe novo há menos de um ano. Tentou de tudo: ajustou a sua forma de agir de acordo com o perfil dele, teve conversas sinceras e corajosas, pediu ajuda para o RH e até consultou os astros. Nada funcionou. A frustração só crescia. Mas ela não queria desistir daquela posição que tanto lutou para conquistar.
Eu gosto muito de acreditar no poder da frase da ativista Christine Caine para transformar o modo de enxergarmos um contexto.
“Quando você está em um lugar escuro, às vezes pode pensar que foi enterrado. Talvez você tenha sido plantado. Floresça.”
Enquanto evoluir não for sua prioridade, sua mente vai estar treinada para manter rotinas e repetir problemas. Só vai mudar o CNPJ.
Naquele dia, a minha modesta contribuição foi ajudá-la a fazer o “download” da situação: respirar (4 x 4) e tratar de colocar no papel suas conquistas, não só daquela empresa, mas uma lista de tudo o que ela já havia realizado na vida e tinha orgulho. Isso é empoderamento.
Num outro papel, escrever os nomes de sua rede de apoio: mãe, marido, psicóloga, amigos, até a manicure. Isso é pertencimento.
Lembre-se, você nunca está só.
Não se engane em achar que eu poderia trazer uma resposta para 79% das pessoas que afirmam ser infelizes no trabalho (fonte: Gallup/junho 2022).
A minha proposta é tão acessível como colocar uma lente de positividade. Isso não significa que você tem que estar bem o tempo todo e, sim, que nos dias difíceis você pode recordar o que é realmente importante para sua vida.
Quando você age, a vida reage.
As mudanças mais significativas são aquelas que acontecem dentro da gente, em silêncio, no próprio tempo, como um abrigo natural da alma. E, quando percebemos, já aconteceram. Não somos mais os mesmos.
O pensamento “conhece-te a ti mesmo” faz todo sentido, pois quando cuidamos de nós mesmos, modificamos nossa relação com o mundo.
P.S.: A minha querida mentorada, que mora e trabalha no USA, conseguiu, depois de dois meses, entrar num processo para uma nova posição dentro da mesma empresa. Quem está contratando é um antigo gestor (note que não uso a palavra chefe aqui) e ela está muito entusiasmada com a possibilidade de voltar a se apaixonar pelo trabalho. Às vezes, saber o que a gente não quer pode ser mais eficiente do que saber o que queremos.
Deixa o universo trabalhar um pouquinho por você. Confia e entrega.
Luciana Rodrigues é executiva C-level do setor de comunicação, mentora e conselheira.
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