Puma ou caranguejo

21 de dezembro de 2017
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A renda per capita do Brasil – que era, em 1980, igual a 38% da renda dos Estados Unidos e reduziu-se a 26% (iStock)

Do mais veloz ao que sai do lugar aos arrastos, procuro entender o Brasil.

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Sem um projeto nacional, passamos, em poucos anos (de 2014 a 2016) de um crescimento de 7,4% ao ano a uma depressão, com perda de 8,6 % do PIB em 11 trimestres.

E, mais importante ainda, avançou a pobreza e, por consequência, segundo o FMI, nossa renda per capita – que era, em 1980, igual a 38% da renda dos Estados Unidos e reduziu-se a 26%.

Nossos vizinhos nas Américas fizeram percurso diverso – salvo Argentina e Venezuela, que seguiram também o modelo bolivariano, recuando de 50% e 62% para 35% e 24%, respectivamente, em 2016. O México também caiu de 44% para 33% da renda per capita, embora membro do Nafta (e não bolivariano). Por outro lado, em um claro exemplo do abandono da cartilha populista, o Chile passou de 27% a 42%.

As previsões mais otimistas de crescimento são de 4,7% no próximo ano

Devo esclarecer que quem publicou esses dados antes de mim foi Fernando Dantas, em brilhante artigo no “Estadão” – acrescentando que Brasil, Argentina e Venezuela foram as notas destoantes do continente, não acompanhando o restante da América Latina e do Caribe, cujas rendas per capita passaram de 16% para 29%.

São números contundentes para uma economia que, segundo a Price Waterhouse, gera US$ 3 trilhões ao ano e que não resolveu seu problema de ainda ter 40 milhões de brasileiros abaixo da linha da pobreza.

Será incapacidade dos empresários, do povo trabalhador, da religião, do clima, do cenário mundial ou da nossa própria incapacidade institucional de estabelecer um modelo econômico e político que nos livre da montanha-russa da qual, desde Cabral, não conseguimos escapar?

Uma análise mais profunda do projeto nacional revela uma disfunção crônica no nosso modelo político, dizimado, em nome da democracia participativa, em minúsculos partidos sem representação popular, e descaracterizado, no caso dos partidos maiores e mais influentes, pela falta de um rumo claro de ação pautado na realidade brasileira.

Somos todos de esquerda, sem sabermos se faz parte de seu jogo associar-se e financiar-se com empresas cujo exercício permanente é a propina? Ou pendemos à direita, que também não é limpa e, além disso, mostra-se incapaz de produzir um mapa claro para o progresso nacional?

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Desse árido debate, do qual a sociedade está farta, não se vislumbra a esperança de, tão cedo, encontrarmos nosso caminho.

Outro ponto que nos causa imensurável trauma e prejuízo: 150 mil mortos ou desaparecidos, somados a 50 mil jovens incapacitados ou fuzilados por ano, nos colocam em pé de igualdade com as mais cruentas e recentes guerras, como a do Afeganistão. Não somos o país da cordialidade. Sob o verniz do sorriso fácil, muitas vezes se esconde o revólver ou a faca afiada – no trânsito, nas ruas e agora, lamentavelmente, nas escolas. Não falta apenas a cultura do respeito ao próximo, do respeito à vida. Falta, na política, o exemplo de Gandhi, da pureza individual no exercício das funções públicas. Causa e consequência se fundem nessa grande tragédia.

E esse clima de terra sem lei gerou campo fértil para que o suborno, a caixinha e o jeitinho se transformassem em modus operandi – pelo qual hoje empresas e homens de negócios do Brasil, Holanda, Finlândia e outros países se viram capturados pelas malhas da Lava Jato.

A cultura do jeitinho remunerado é a mesma que nos levou à inconsistência política e administrativa, que nos fez ver outros pumas correrem e baterem recordes enquanto ficamos admirando nossos enganosos passos de caranguejo, fingindo que avançamos quando mal e mal andamos de lado.

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Há um alento, no entanto. Chegamos, com as 76,6 mil vagas geradas em outubro, a um saldo de 217 mil postos de emprego criados no ano. As previsões mais otimistas de crescimento são de 1,8% em 2017 e 4,7% no próximo ano. Tais números mostram que, se deixarmos a economia do Brasil “desinfectada” e bem orientada, podemos também voltar a correr como um felino.

Vamos pedir juízo a Brasília, não só aprovando a reforma da Previdência, como também, no próximo ano, deslindando o labirinto tributário nacional com uma reforma profunda e libertadora.

*Mario Garnero é chairman do Grupo Garnero e presidente do Fórum das Américas

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