Crise humanitária do Iêmen é a pior do mundo

10 de abril de 2018

Menina toma água de poço nos arredores de Sanaa, no Iêmen. O conflito violento no país serviu como uma incubadora para a cólera letal.

No início de abril, o Secretário-Geral das Nações Unidas, António Guterres, informou que a crise humanitária no Iêmen havia se tornado a pior do mundo. Aproximadamente três quartos da população – o equivalente a 22 milhões de pessoas – precisava, com urgência, de assistência e proteção humanitária. Desse total, 11,3 milhões são crianças. No país, quase toda a população infantil é afetada pela crise.

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No High-Level Pledging Event convocado pela ONU e pelos governos da Suécia e da Suíça, no ano passado, em Genebra, para discutir o tema, Guterres descreveu as necessidades do povo iemenita. De acordo com o Plano de Resposta Humanitária de 2018 para o Iêmen, são necessários cerca de US$ 3 bilhões para ajudar mais de 13 milhões de pessoas afetadas pela crise no país.

O secretário-geral identificou que cerca de 18 milhões de pessoas no Iêmen sofrem de insegurança alimentar – falta de acesso aos alimentos -, com o número tendo aumentado em 1 milhão desde a conferência de 2017. Nestes dados estão incluídas 8,4 milhões de pessoas que “não sabem como obterão sua próxima refeição”. De acordo com um recente artigo da “CNN”, “ambos os lados estão usando o alimento como arma de guerra”, uma referência ao apoio, em meio à guerra civil que assola o país, das forças oficiais do governo de Abd-Rabbu Mansour Hadi suportadas por uma coalizão sunita liderada pela Arábia Saudita de um lado, e, do outro, a milícia rebelde huti, de xiitas, apoiada pelo Irã.

A comida não é o único problema do país. No Iêmen, milhões de pessoas sequer têm acesso à água potável, o que resultou, só no ano passado, em mais de um milhão de casos de diarréia e cólera. De acordo com informações de dezembro de 2017 do Comitê Internacional da Cruz Vermelha, os casos de cólera foram registrados a partir da primavera do mesmo ano. Este é considerado o pior surto da doença em duas décadas – as crianças com menos de cinco anos representam 25% dos casos notificados. A Organização Mundial da Saúde confirmou mais de 2.200 mortes relacionadas à patologia nas estatísticas de dezembro de 2017. O risco de outra epidemia de cólera continua alto.

Em todas as esferas da vida no Iêmen, até doenças tratáveis ​​se tornam uma “sentença de morte”. Segundo Guterres, uma criança com menos de cinco anos morre de causas evitáveis ​​a cada dez minutos. Durante o tempo de leitura deste artigo, uma criança iemenita morrerá de uma doença que não seria fatal em outros países. Os pequenos são as principais vítimas do conflito. De acordo com a UNICEF, mais de 5.000 crianças foram mortas ou feridas (em média cinco por dia) desde o início da crise, em março de 2015, e mais de 1,8 milhão delas estão gravemente desnutridas – 400.000 estão lutando pela vida. Como confirmado por Guterres, “quase metade de todas as crianças com idade entre seis meses e cinco anos sofre de desnutrição e está cronicamente desnutrida, o que causa atrasos no desenvolvimento e reduz a capacidade de aprendizado durante toda a vida”.

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O uso de crianças-soldados é generalizado. Muitas são obrigadas pela situação a trabalhar para sustentar suas famílias. Meninas jovens são submetidas ao casamento forçado. A avaliação mais recente sugere que mais de dois terços das jovens menores de 18 anos são casadas, com uma grande porcentagem delas menores de 15 anos. Mais de dois milhões de crianças não frequentam a escola. Como Edward Santiago, da Save the Children, concluiu no início de 2016, “uma geração inteira de crianças – o futuro do Iêmen – está abandonada ao destino”. Dois anos depois dessa declaração, a situação da parcela infantil do país só se deteriorou, a tal ponto que o futuro agora é sombrio.

Embora a conferência tenha focado na crescente crise humanitária do Iêmen, não podemos esquecer que o conflito continua em andamento e, enquanto não acabar, não haverá solução sustentável para a crise humanitária.

A guerra começou com os Houthis, um grupo minoritário xiita que assumiu o governo e a capital apoiado pelos Estados Unidos. Rapidamente o confronto se instaurou e passou a envolver diferentes grupos – terreno fértil para facções terroristas como a al-Qaeda e o Daesh florescerem na região. Submetidos a “ataques descomedidos, bombardeios, franco-atiradores, artefatos explosivos não detonados, fogo cruzado, sequestros, estupros e detenções arbitrárias”, o civis continuam a ser vítimas indiscriminadas do conflito em curso. Mulheres e meninas enfrentam violência sexual e de gênero e, de acordo com Guterres, cresceu em 30% a população feminina que busca assistência disponível para vítimas destes tipos de agressão.

Embora o conflito não tenha sido discutido no High-Level Pledging Event, foi defendida o “fim urgente das hostilidades e uma solução política para o Iêmen”. Dois dos doadores mais generosos, a Arábia Saudita e os Emirados Árabes Unidos, prometeram US$ 1 bilhão juntos. Este é um grande apoio vindo da região. No entanto, não podemos esquecer que ambos os países continuam a desempenhar papéis no conflito. Guterres sugeriu que as ações militar e humanitária fossem mantidas separadamente. Será? Talvez não à luz da evidência de que, há apenas alguns dias, um ataque aéreo liderado pela Arábia Saudita matou vários civis, incluindo crianças. Também não devemos esquecer de que, no final de 2017, a Arábia Saudita não cumpriu sua promessa de reabrir corredores de ajuda humanitária. Seriam as doações realmente caridade?

*Ewelina U. Ochab é defensora dos direitos humanos e autora do livro “Never Again: Legal Responses to a Broken Promise in the Middle East”, ainda sem tradução para o português.