O raciocínio falido dos banqueiros centrais

3 de junho de 2019
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O dinheiro é um direito não sobre algo específico, como um casaco, mas sobre qualquer coisa à venda no mercado

A flagrante falência intelectual da maioria dos formuladores de políticas econômicas atuais foi exibida de forma incisiva quando o presidente do Banco Central Europeu, Mario Draghi, anunciou recente e inesperadamente que o BCE faria uma nova rodada de empréstimos baratos aos bancos em setembro para ajudar a estimular as economias cambaleantes do continente.

Apesar de décadas de dados decepcionantes que demonstram que os bancos centrais não podem determinar o ritmo da atividade econômica da maneira que um termostato determina a temperatura de um recinto, os líderes políticos e econômicos ainda insistem em perseguir essa fantasia. O custo da prosperidade perdida é imenso. Se os bancos centrais e seus líderes políticos perseguissem a meta de ter moedas estáveis – e se o dólar dos EUA permanecesse vinculado ao ouro –, o bem-estar material do mundo provavelmente seria o dobro do que é hoje.

Os banqueiros centrais e muitos economistas não entendem esta verdade básica: dinheiro não é riqueza. Por si só, imprimir um monte de notas não gera riqueza. Significa apenas que você pode usar esses pedaços de papel para comprar um produto que outra pessoa criou. O vendedor aceita os pedaços de papel porque também pode usá-los para comprar um produto ou serviço criado por alguém.

O dinheiro é um direito não sobre algo específico, como um casaco, mas sobre qualquer coisa à venda no mercado. Ele permite trocar o seu trabalho ou os seus bens por outras coisas que você possa querer ou de que possa precisar. De fato, o dinheiro é um recibo do valor dos bens e serviços que produzimos e que podemos querer vender.

É por isso que a falsificação é ilegal. Se você imprime uma nota de US$ 100 e a usa para comprar uma coisa, está roubando essa coisa, porque aquele Benjamin Franklin falso não foi resultado de um bem que foi feito de fato. Quando os governos imprimem dinheiro em excesso, o resultado é a inflação, um imposto dissimulado.

É por isso que a maior parte do que é aceito hoje em dia como sabedoria em política monetária é muito mais prejudicial do que a flatulência das vacas que tanto preocupa um número crescente de políticos alarmistas. Os bancos centrais e os governos não criam recursos. Eles tiram recursos do resto de nós para suas próprias finalidades. É absurdo achar que uma nova rodada de estímulos bancários pelo BCE levará a Europa ao crescimento sustentável.

O que desencadeou o grande boom após a 2ª Guerra Mundial na Europa, particularmente na Alemanha e no Japão, foram dinheiro estável e impostos sensatos. Em contraste, a Grã-Bretanha ficou para trás, capengando com uma libra cronicamente desvalorizada e alíquotas de impostos altíssimas, até aparecer Margaret Thatcher. Nos anos 1970, o Fed tentou, várias vezes, estimular a economia dos EUA com uma política de “dinheiro fácil”. Resultado: inflação e estagnação que duraram uma geração.

No início dos anos 2000, estimulado pelo Departamento do Tesouro, o Fed desvalorizou o dólar, o que levou ao
desastre de 2008-2009. Após o pânico no fim de 2008, o Federal Reserve iniciou a flexibilização quantitativa, quintuplicando seu portfólio com títulos do Tesouro e pacotes de hipotecas. Resultado: a pior recuperação econômica de uma forte recessão em toda a história norte-americana.

É aí que mora o problema. Na prática, com a flexibilização quantitativa, o Fed confiscou quase US$ 4 trilhões em
títulos do setor privado. A combinação desse confisco com regulamentos que tornaram extremamente caro para os bancos emprestar a pequenas e novas empresas distorceu os mercados de crédito e asfixiou a economia. Que estímulo, hein?! Por isso, alguns mitos devem ser enfrentados.

Uma economia não “superaquece”. Não é responsabilidade do Fed tentar conter a economia quando ela está crescendo rapidamente. A única ocasião em que a prosperidade deve ser alvo de suspeita é quando ela é criada de forma artificial pelo barateamento da moeda. Deixe os mercados em paz. Eles corrigem quaisquer excessos.

Os controles de preços sobre o custo de tomar dinheiro emprestado não funcionam. Até os conservadores parecem acreditar na falácia de que os bancos centrais deveriam tentar determinar o custo dos empréstimos. A maioria dos economistas sabe que os controles de aluguel distorcem o mercado. Os juros são o “aluguel” que se paga para tomar dinheiro emprestado. O jogo só acaba quando termina. O lema vale também para a vida, e o novo livro de Rich Karlgaard é a prova definitiva disso. Ao lê-lo, você ficará ao mesmo tempo aliviado e inspirado. Ele traz três grandes lições.

• Estamos indo longe demais na mentalidade de que “você deve buscar o sucesso na juventude, senão nunca alcançará grandes coisas”. A cultura atual glorifica os jovens prodígios e é hostil ou alheia à verdade básica de que muitos de nós só alcançamos um ritmo de carreira produtivo anos depois de sairmos da faculdade. Muitas vezes, é preciso muita tentativa e erro para descobrir nosso caminho e desenvolver nossos talentos reais. Rich, formado por Stanford, chegou a trabalhar como segurança noturno antes de seu talento desabrochar!

Mas o espírito da nossa época é tal, que as pessoas acabam se sentindo incapazes se não atingem logo um sucesso ostensivo, o que, perversamente, torna difícil romperem com as expectativas convencionais e tentarem encontrar o caminho certo para elas mesmas. Ou então – o que é igualmente prejudicial –, as pessoas seguem carreiras para as quais não têm verdadeira aptidão, tentando alcançar o sucesso sendo workaholics e depois ficando insatisfeitas quando atingem seus objetivos. Rich cita o caso de uma mulher brilhante que ascendeu a sócia de um escritório de advocacia prestigiado e de alta pressão. Chocada com a profunda infelicidade que a acometeu, ela tomou a corajosa decisão de largar o emprego e iniciar uma nova carreira.

Uma manifestação dessa mania do “vença jovem ou fracasse” é a pressão que os pais sentem para colocar seus filhos
nas faculdades “certas”. Para isso, surgiu um enorme mercado de consultores. Ai do adolescente que não for orientado sobre como se sair melhor nos exames! As atividades de férias devem ser escolhidas a dedo para impressionar os funcionários de admissão quanto à consciência social dos seus filhos. Praticar um esporte só porque você gosta? Deus me livre! Ele deve ser o esporte que vai ajudá-lo a conquistar essa cobiçada aceitação – e, para tanto, você deve praticar continuamente 10 mil horas por ano! Os escândalos recentes de manipulação de resultados dos testes de admissão em faculdades e suborno de treinadores são um sintoma vergonhoso desse frenesi. Rich cita um professor de Stanford que lamenta a fragilidade dos ingressantes na graduação. Este livro ajudará a criar um grito coletivo de “hora do intervalo!”. A boa nova: o que realmente importa para uma vida gratificante é o que você faz depois de sair da faculdade.

• Devemos “celebrar toda a gama de habilidades humanas e de tempos diferentes até o sucesso e a realização individual”. Devemos admitir a necessidade de “um relógio mais gentil para o desenvolvimento humano”. Isso nos leva ao cerne da obra-prima de Rich. Garimpando um tesouro de estudos informativos, bem como um número de histórias individuais interessantes e instrutivas, ele nos orienta sobre as maneiras pelas quais podemos nos tornar “talentos maduros”, apesar dos obstáculos e preconceitos (“é difícil quebrar normas culturais”), sem mencionar “um traço humano quase universal, nossa tendência à submissão”.

Um aspecto reconfortante é que ele cita uma montanha de provas de que desenvolvemos muitos atributos essenciais à medida que envelhecemos, como sabedoria, discernimento, curiosidade, compaixão, criatividade, capacidade de lidar com a ambiguidade e “tranquilidade mental, compostura e uniformidade de temperamento, especialmente em situações difíceis”. Até a insegurança consigo mesmo pode ser positiva. Não é por acaso que, apesar dos mitos em contrário, a maioria dos empreendedores é de meia-idade ou mais velha.

Em um capítulo que dá o que pensar, no entanto, somos advertidos de que pode haver momentos em que uma atividade que fazemos com paixão não dará certo e que, apesar do lema “nunca desista” presente em nossa cultura, devemos abandoná-la e seguir em frente. No fim das contas, estaremos melhor. Afinal, não somos dotados de energia ilimitada: “Não podemos simplesmente aplicar determinação como uma geleia espalhada em tudo que fazemos em nossa vida – vamos nos esgotar”.

Mas a tônica do livro é otimista: “Desabrochar não tem um prazo. Nossa história futura é escrita a lápis, não gravada em pedra… À medida que perdemos algumas capacidades, ganhamos outras que superam em muito o que é perdido”. Quando os empregadores reconhecerem que carreiras produtivas não seguem uma trajetória rígida, eles desenvolverão maneiras de estimular e explorar um veio de talentos não reconhecidos e subutilizados.

• Estamos desperdiçando imensos talentos devido à maneira de tratar os mais velhos. Compreensivelmente, as empresas querem ter as portas abertas para pessoas mais jovens e dinâmicas e, ao mesmo tempo, querem que os gerentes e executivos mais velhos que estão diminuindo o ritmo e já “passaram do auge” abram caminho para quem pode exercer melhor as funções deles. Assim, os empregadores tentam encontrar maneiras de “encostar” os mais velhos. No entanto, embora essas pessoas não estejam dispostas a viajar um zilhão de quilômetros por ano nem a fazer muitas horas extras por semana, elas têm experiência e sabedoria enormes que podem ser incrivelmente úteis para os jovens. Será que não deveríamos trabalhar para desenvolver um ambiente jurídico e cultural no qual, se uma pessoa quiser, ela terá um corte no salário, mas permanecerá disponível como mentora e consultora? A vantagem delas, em termos de credibilidade, é que não estão competindo por promoções ou marcando território – essa parte de suas carreiras já passo –, mas ainda podem desempenhar papéis muito úteis.

É algo para pensar.

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