Imagem religiosa das mais conhecidas e copiadas de todos os tempos, A Última Ceia, pintada por Leonardo da Vinci entre 1494 e 1497 na parede do refeitório de um convento milanês, deixa claro que a arte alimenta nosso espírito e nossos valores culturais – e também adora comida. Estudiosos mostram que ela, a arte, é o principal meio para conhecermos a história dos sabores e da alimentação humana.
A obra de Da Vinci, por exemplo, além de pão e vinho, exibe na mesa pratos com enguias, muito populares na época. Dos primeiros desenhos do gênero natureza-morta na Grécia e no Egito antigos até as icônicas imagens das latas da sopa Campbell’s de Andy Warhol, o banquete elaborado por tintas e propostas artísticas é fartíssimo.
Na tradição histórica da pintura, os três temas que mais se destacam são a paisagem, o retrato e a natureza-morta. Sempre com algo comestível ou para beber retratados, a receita natureza-morta tem a vantagem de permitir maior liberdade criadora. São frutas, legumes e pães ao lado de utensílios de cozinha, flores, porcelanas, livros e tudo que faz parte do cotidiano em uma visão indireta da natureza. As da Roma Antiga têm nítida a diferença de classes, como as com tigelas de vidro servidas nos palacetes. Na Idade Média, o formato foi condenado pelos teólogos católicos. O tema volta aos cavaletes no Renascimento e tem seu auge com os pintores holandeses do século 17, como
Pieter Claesz, conhecido como o grande mentor da natureza-morta.
Mas no século anterior, foi na corte dos Habsburgos da antiga Boêmia (hoje República Tcheca ou Tchéquia) que o italiano Giuseppe Arcimboldo desenvolveu a impactante série As Quatro Estações, ilustrando com frutas, verduras e flores as fisionomias humanas. Bizarro e caricatural, o resultado é também um jogo ótico, com a textura dos alimentos assemelhando-se ao tecido muscular. Com isso, Arcimboldo mostra a incerteza sobre aquilo que vemos (ele seria percussor do surrealismo). No quadro O Cozinheiro, a visão grotesca da realidade é do serviçal (na verdade, um chef), e não de um aristocrata, como os retratistas trabalhavam. Em um grande prato metálico com leitão e galeto, e uma rodela de limão, forma-se a cabeça de um homem que nos olha fixamente.
Reformulando a arte a partir da abolição da precisão do real, o impressionismo, na virada do século 20, tem um cardápio farto. As obras do mestre francês Cézanne são avaliadas tanto como tradicionais, pela identificação fácil de frutas e verduras, como modernas, pelo teor decorativo sem acionar os sentidos. O quadro Natureza-Morta com Cesta de Frutas é tido como seu maior exemplo de representação estilizada da comida na arte e uma exibição habilidosa de um exercício de ilusionismo, o “tromp-l’oeil”. Outras relíquias são do holandês Van Gogh, que agregou uma técnica estilística particular em suas pinturas. Basket with Potatoes é um estudo de efeitos usando uma paleta de cores limitada e criando sombras que dão solidez e peso real aos legumes.
A partir do século passado, a comida serve outras linguagens, como a fotografia e o design. A famosa série de 32 quadros de sopa Campbell’s do papa do pop, Andy Warhol, de 1962, com a lata de cada sabor comercializado, simboliza a massificação do mundo contemporâneo – e inspirou muitos artistas. Um dos exemplos atuais mais respeitados é de 1995, do americano Ralph Goings. O quadro A-1 Sauce reúne condimentos iluminados pela luz solar de uma janela alta.
E a arte? Também inspira a comida? Sim, por que não? O carpaccio (que meu pai, Giancarllo, tem a fama de ter apresentado aos brasileiros) foi criado no concorrido Harry’s Bar, em Veneza, em 1950, pelo dono Giuseppe Cipriani a pedido da condessa Amália Mocenigo – ela queria um prato rico em ferro para curá-la de uma grave anemia. Cipriani temperou as finas fatias de carne crua e batizou a criação com o sobrenome do pintor italiano renascentista Vittore Carpaccio, que estava em exposição na cidade, em homenagem ao vermelho forte predominante de sua pintura.
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