Passado o impacto inicial da decisão do Supremo Tribunal Federal, de considerar inconstitucional a prisão após a condenação em segunda instância, fico com a impressão de que o aspecto principal da votação não prevaleceu na conclusão dos magistrados. Os argumentos técnicos esquadrinharam leis, jurisprudências e a Constituição, mas não deram o devido peso à sociedade. Membros da Corte já disseram que é obrigação do Supremo atuar de forma contramajoritária, se preciso for, para resguardar os princípios abrigados pelo texto constitucional. Para os juízes, portanto, a voz das ruas nem sempre tem razão.
Trata-se de uma posição difícil de sustentar. Se as leis são feitas para proteger a sociedade, qual deveria ser a reação do STF quando isso não ocorre? Nesse caso, os juízes preferiram se ater ao pé da letra, em vez de privilegiar o objetivo maior, que é o de dar guarida aos legítimos anseios da população.
O que estava no centro do julgamento era um artigo do Código de Processo Penal, que diz: “Ninguém poderá ser preso senão em flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada da autoridade judiciária competente, em decorrência de sentença condenatória transitada em julgado ou, no curso da investigação ou do processo, em virtude de prisão temporária ou preventiva”. A expressão-chave é “transitada em julgado”, que significa que o condenado não pode ser preso até que seu caso seja decidido em instância superior, após esgotadas todas as possibilidades de defesa.
Ora, num país em que a Justiça é notória por tardar, tal ressalva equivale, na prática, a um salvo-conduto para delinquir. Com manobras protelatórias arquitetadas por advogados regiamente remunerados, será novamente possível, como acontecia antes do entendimento anterior do próprio Supremo, evitar indefinidamente a cadeia.
Adentramos um terreno pantanoso quando observamos passivamente a desvinculação entre o que a sociedade quer e o que a Justiça oferece. Em um tempo de informação disponível online, as pessoas olham os exemplos do exterior (Estados Unidos e Europa) – na grande maioria dos países desenvolvidos, a Justiça é célere para desestimular o crime. Aqui, não. No Brasil, infelizmente, voltou a prevalecer a tese de que se deve levar às últimas consequências a presunção de inocência. Esse garantismo exacerbado, no entanto, é um atestado de impunidade.
O sistema judiciário deveria prestigiar todas as suas instâncias. Na segunda instância, a decisão deriva não mais da análise de um único magistrado, mas de um órgão colegiado. Muitas vezes, a condenação é consensual, como aconteceu no caso do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. E, mesmo assim, o condenado vai recorrer em liberdade. Até quando?
Há no ar um certo sentimento de frustração, que compartilho, com a decisão do Supremo. A sociedade quer se sentir protegida de marginais de toda sorte, e o julgamento deste mês é um retrocesso. Espero que o Congresso faça o que o Supremo não fez. Há importantes iniciativas para reverter a decisão do STF, uma vez que o conceito de trânsito em julgado, por não ser cláusula pétrea da Constituição, pode ser derrubado em projetos de emenda constitucional que correm na Câmara e no Senado. Fazem bem esses parlamentares: ouvir a voz das ruas não é, como querem alguns, populismo jurídico.
No fim de semana após a decisão do STF, as pessoas voltaram às ruas. “Supremo é o povo”, lia-se em um cartaz. É um aviso a que se deve dar atenção. As instituições não podem justificar, com filigranas jurídicas ou interesses escusos, a criação de um abismo intransponível entre elas e o povo. O Supremo frustrou a nação. Aguardemos, com esperança, o posicionamento do Congresso Nacional.
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