Em um cenário onde tecnologias como inteligência artificial (IA) se tornam cada vez mais integradas – e invisíveis – na sociedade, empresas brasileiras precisam endereçar o problema da falta de diversidade nas equipes que orquestram os algoritmos usados por estes sistemas.
Este é o discurso da consultora Ana Bavon, que trabalha com grandes empresas de setores como serviços financeiros e agronegócio no desenvolvimento e aperfeiçoamento de estratégias de diversidade, e tem estado cada vez mais preocupada com “a mão humana por trás da máquina”.
“Temos encontrado diversas soluções tecnológicas com relação à utilização desses dados, que são frequentemente descritos como o novo petróleo – mas com que tipo de inteligência estamos utilizando isso, de que forma?”, pergunta.
O assunto da diversidade em IA já é definido por pesquisadores em economias ditas desenvolvidas como um “desastre”: um estudo sobre o tema publicado pelo centro de pesquisas da New York University sublinha a gravidade da situação e diz que “o uso de sistemas de IA para classificação, detecção e previsão de raça e gênero precisa ser urgentemente reavaliado”.
Um dos pontos do relatório da NYU, também presente na fala de Ana, é que a maioria dos especialistas em IA no mundo acadêmico e em big techs como Facebook e Google são homens e brancos. Isso faz com que cada vez mais poder e capital relacionados à sistemas que manipulam dados sejam concentrados em uma fatia específica da população.
“Os sistemas de IA e machine learning ‘aprendem’ de várias formas, mas sempre a partir de dados que foram introduzidos por um humano, que transfere para a máquina seus próprios vieses conscientes e inconscientes”, aponta a especialista. “Se uma solução de IA que atende a seus públicos de forma enviesada e excludente começa a trabalhar o oposto agora, teremos uma sociedade mais inclusiva e horizontal de forma mais intencional e consciente em alguns anos”, aponta. “Mas se esperarmos mais um pouco para resolver este problema, perderemos a possibilidade de alterar nosso próprio futuro.”
MUDANDO PARADIGMAS
O problema da falta de diversidade na evolução de tecnologias emergentes já está posto há algum tempo, mas Ana diz que é raro encontrar áreas de desenvolvimento de sistemas de IA no Brasil que estejam abertas para discutir formas de criar algoritmos inclusivos: “Nunca houve procura [por projetos de inclusão e diversidade] por áreas de tecnologia, pensando nessa educação do programador, do cientista de dados.”
Uma análise de equipes das empresas líderes de mercado no desenvolvimento de sistemas de IA demonstra a escala do problema existente: segundo um estudo do AI Now Institute, somente 2,5% do quadro de funcionários da Google é composto por negros, enquanto Facebook e Microsoft estão em 4% cada. Outro relatório, do Fórum Econômico Mundial, sugere que mulheres representam só 22% do contingente global de profissionais de AI.
Quando empresas procuram Ana com o objetivo de melhorar sua comunicação com públicos como mulheres, pessoas negras e a comunidade LGBTQIA+, a especialista começa analisando se a organização tem equipes diversas o suficiente para poder pensar em atender à diversidade de pessoas que irão consumir seus produtos e serviços.
“Busco avaliar se aquela empresa tem uma diversidade que corresponda à sociedade que temos e se esse grupo tem poder de voz no ambiente da decisão. São duas frentes de trabalho: entender se existe diversidade e se essa diversidade está conseguindo se falar e ser ouvida”, conta.
Segundo ela, as áreas que trabalham com tecnologia e inovação são carentes de orientações sobre como imprimir diversidade em seus projetos. Ela propõe a adoção de programas educacionais para esta audiência em particular em empresas, além da inclusão da diversidade e inclusão como disciplina nos currículos universitários de cursos relacionados à engenharia de software e análise de dados.
“O tema diversidade precisa estar no ambiente educacional, pois estamos falando de vieses que não podem ser resolvidos a não ser que isso seja ensinado. Não é possível tratar um sintoma sem tratar a causa”, aponta Ana, acrescentando que o próprio sistema educacional precisa ser revisitado, já que cria e reforça muitos destes vieses com um corpo acadêmico predominantemente masculino e branco.
“Temos uma grande dificuldade de compreender que perpetuamos lógicas enviesadas em nossas realidades pessoais. Ainda não conseguimos nos compreender como parte do problema”, ressalta.
OPORTUNIDADES NO CENTRO DA QUESTÃO
Como convencer tomadores de decisão que acreditam que diversidade no desenvolvimento de AI deve ser tratado de forma prioritária? Segundo Ana, é preciso mostrar especificamente onde estão as oportunidades de geração (ou não) de lucro.
“A diversidade de gênero aumenta a capacidade de lucro da empresa em 33% quando comparada com uma empresa concorrente do mesmo setor e em 21% quando essa diversidade é racial”, aponta a especialista, citando dados da consultoria McKinsey.
“A partir daí, vemos maior engajamento, diminuição de turnover, novas patentes sendo geradas, porque a inovação é muito maior. [Estimular a diversidade] não é só a coisa certa a fazer, mas também a decisão mais financeiramente saudável que um gestor pode tomar.”
Segundo Ana, tais abordagens ainda não se materializam nos ambientes de desenvolvimento de alta tecnologia e em organizações de forma geral por conta de crenças cimentadas no ambiente corporativo.
“A sensação é de que mulheres e grupos sub-representados não estão onde poderiam estar porque não mereceram, quando a lógica social é excludente: as pessoas não têm as mesmas oportunidades e não partem dos mesmos lugares. Por isso, precisamos criar oportunidades”, ressalta.
A especialista acredita que uma abordagem mais focada em garantir a diversidade pode também ajudar empresas a lidarem com um drama atual, da falta de acesso a pessoal para preencher novos empregos criados por tecnologia emergente e de garantir competitividade.
“Em um mundo VUCA (volátil, incerto, complexo e ambíguo, na sigla em inglês) precisamos pensar em habilidades ao invés de descrições de vagas, bem como combater os agentes estruturais e institucionais que fazem com que estas pessoas ‘diferentes’ sejam excluídas, garantindo que elas estejam nos cargos decisórios e tenham o poder da caneta”, diz.
“Se todos os recursos e diversidade que temos no Brasil forem transformados em produtos e serviços e exportarmos essas soluções, ninguém segura este país. Mas precisamos nos apropriar deste problema como nosso, e não do outro.”
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Blockchain: falta estratégia para deslanchar
A maioria das iniciativas de blockchain no mundo é bancada por áreas de TI ou inovação, o que implica que o foco é a experimentação tecnológica e não o aspecto estratégico, segundo um estudo conduzido pela Accenture em parceria com o Fórum Econômico Mundial.
A pesquisa “Construindo Valor com Blockchain” falou com 550 líderes globais e examinou 79 projetos de blockchain. Segundo o estudo, 64% dos projetos são um assunto liderado pelos departamentos técnicos e poucas organizações citaram o desenvolvimento de novos produtos ou serviços como objetivo.
Segundo o relatório, o objetivo dos projetos de blockchain para a maioria das organizações é melhorar a oferta existente antes de investir em novas iniciativas. As principais áreas de interesse citadas foram a rastreabilidade total das informações sobre o blockchain, a capacidade de verificar se os dados não foram adulterados e a maneira como a tecnologia é distribuída.
No Brasil, os cases de adoção da tecnologia vão surgindo: em 2019, implementações incluíram o investimento do Carrefour em blockchain para rastreamento de produtos e o lançamento da Paraná Hub Blockchain, rede criada para desburocratizar a gestão pública. Mais recentemente, em dezembro de 2019, a Piemonte realizou a emissão da primeira dívida via blockchain do Brasil, também chamado de debêntures.
Também no ano passado, em dezembro, a IBM e a Growth Tech anunciaram o primeiro registro de união estável no Brasil por meio da tecnologia – as empresas já haviam anunciado o primeiro registro de nascimento com blockchain, em outubro. Ontem (6) a Big Blue também anunciou uma parceria com diversos atores da cadeia produtora para o lançamento de um app baseado em blockchain que permite o rastreio da origem de produtos de café.
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IoT é prioridade para 2020 no Brasil
A computação em nuvem virou palavra de ordem entre empresas brasileiras já há algum tempo, mas a Internet das Coisas (IoT, na sigla em inglês) também se tornou prioridade de executivos que buscam alavancar o crescimento de seus negócios neste ano. Segundo uma pesquisa realizada pela empresa de tecnologia CI&T e Opinion Box com 500 tomadores de decisão brasileiros, 56,8% acreditam que cloud será o principal propulsor de crescimento, enquanto IoT foi citada por 49,2%.
Além destas duas tecnologias, a aplicação de inteligência artificial (47,5%) e assistentes virtuais (41,1%) também foram mencionadas como inovações que serão cruciais para o crescimento das companhias. Tecnologias em que os participantes consultados investirão com certeza serão a nuvem, citada por 46,1% dos executivos, seguida de inteligência artificial, mencionada por 45,6%.
Um outro estudo, da Deloitte, mostra que 94% das maiores empresas do Brasil pretendem investir mais em tecnologias emergentes como robótica e IoT, em relação ao que fizeram no ano passado. Outro ponto da pesquisa Agenda 2020, no entanto, foi a preocupação com o preparo da força de trabalho para lidar com estas novidades: 93% pretendem investir em treinamento e educação dos funcionários, e 91% acreditam que o governo precisa aumentar o investimento em educação para garantir competitividade na era digital.
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Nubank faz primeira compra para aumentar capital humano
O banco digital paulistano Nubank anunciou a aquisição da equipe de projetos da consultoria de software Plataformatec para suprir suas necessidades de mão de obra qualificada para funções de tecnologia. O modelo da aquisição é o acqui-hire, uma tendência no mundo de tecnologia internacional baseada na prática de comprar uma empresa especificamente por conta das pessoas que ali trabalham.
O movimento vem na esteira do relacionamento existente entre as duas empresas: funcionários da Plataformatec já tinham passado meses alocados no Nubank, onde ajudaram a melhorar processos e aumentar a produtividade em determinadas áreas, com métodos de priorização de entregas e de etapas claras de fluxos de trabalho. Como resultado do acordo, cerca de 50 funcionários da consultoria se juntarão à equipe de tecnologia do Nubank. O valor da aquisição não foi divulgado.
A estrutura de acordos acqui-hire tende a ser relativamente simples: quando o comprador quer só a equipe, é possível assinar um contrato onde o vendedor concorda, com base em um pagamento, liberar o comprador para contratar os funcionários, com alguma provisão relativa à propriedade intelectual.
O Nubank já havia sinalizado sua intenção de fazer aquisições, mas para aumentar sua prateleira de serviços. O fundador da empresa, David Vélez, revelou à FORBES no ano passado que tem se movimentado ativamente para identificar empresas que ofereçam produtos que sejam aderentes à oferta do banco digital.
Se a tendência dos marketplaces e ecossistemas de serviços financeiros se confirmar, a união de startups bilionárias com outros unicórnios e empresas chegando nesse patamar poderá acontecer com certa frequência em 2020. Isso se confirmará à medida em que a população de empresas descritas como as tais criaturas aladas de um chifre aumentar, e estas empresas buscarem o santo graal da inclusão financeira não só no Brasil, mas na América Latina.
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Eduardo e Elaine Saverin investem na Antler
O cofundador brasileiro do Facebook, Eduardo Saverin (foto), está entre os novos investidores da empresa de venture capital Antler, que captou US$ 50 milhões para seus fundos em Amsterdã, Londres, Nova York, Estocolmo, Oslo, Sydney, Nairobi e Singapura. Além de Saverin e sua esposa Elaine Saverin, outros novos apoiadores dos fundos incluem o investidor e filantropo Christen Sveeas e a japonesa Credit Saison. A Antler, que se descreve como “geradora global de startups”, foca em rodadas pré-capital semente e em startups mais maduras e investe entre US$ 100.000 e US$ 200.000 através de seus veículos locais.
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Stanford recruta prodígios de escolas paulistanas para programa pré-universitário
Inteligência artificial, design thinking, matemática e lógica estão entre os temas de cursos que serão oferecidos em uma parceria entre a Stanford University e a paulistana ESPM para estudantes do Fundamental II e Ensino Médio.
A primeira edição do programa da Stanford Pre-Collegiate Studies no Brasil vai selecionar alunos de 14 escolas de São Paulo em parceria com a Eduexplora, agência selecionadora de Stanford. Os cursos serão ministrados de 13 a 24/01, por instrutores de Stanford, no campus São Paulo da ESPM.
Os alunos selecionados também terão a oportunidade de participar do programa pré-universitário de Stanford nos Estados Unidos, que acontece durante os meses de julho e agosto deste ano. O programa da universidade norte-americana no Brasil buscou “alunos de alto desempenho” com inglês fluente e só contemplou escolas da rede particular de ensino.
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Angelica Mari é jornalista especializada em inovação há 18 anos, com uma década de experiência em redações no Reino Unido e Estados Unidos. Colabora em inglês e português para publicações incluindo a FORBES (Estados Unidos e Brasil), BBC, The Guardian e outros.
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