Trabalhar de casa sozinho com frequência pode levar a uma rotina não saudável
Ao contrário da imagem que transmitimos ao mundo – de um povo alegre, descontraído, que sabe se divertir – o Brasil é, atualmente, o país com o maior número de habitantes ansiosos em todo o mundo, segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS). Por aqui, 18,6 milhões de pessoas sofrem dessa condição psicológica que afeta tanto a vida pessoal quanto profissional. E, até o final deste ano, a depressão será a maior causa de incapacitação no mundo, de acordo com a mesma entidade.
Sabemos que o isolamento social é uma das características das vítimas de transtornos mentais, mas, no cenário atual, em que somos obrigados ao confinamento para evitar a disseminação do novo coronavírus, será que há probabilidade dessa equação se inverter e acabarmos deprimidos por causa da solidão?
Para o psiquiatra Eduardo Tancredi, CMO da eCare Life, grupo especializado em cuidados com a saúde mental, este é um contexto novo para todo mundo, quando milhares de informações – de todos os tipos – chegam numa velocidade difícil de digerir. “Estamos divididos entre a razão e a emoção”, explica. “Parte das pessoas está completamente cética. Elas selecionam as informações que lhes convêm e passam a acreditar que não serão contaminadas e que tudo não passa de um grande exagero. A outra parte faz a mesma coisa com os dados que recebe, mas entra em pânico, acha que estamos vivendo o apocalipse, e passa até a ter uma posição egoísta, que provoca, por exemplo, a corrida aos supermercados para fazer estoque de produtos, em vez de entender que o momento exige uma reação coletiva.” É o tal efeito manada. “É uma busca da segurança.”
Dr. Eduardo Tancredi
Dr. Eduardo Tancredi, CMO da eCare Life
Para Tatiana Pimenta, CEO e cofundadora da Vittude, startup que atende mais de 20 mil usuários com sua plataforma de terapia online, a situação atual pode ser um gatilho para crises de ansiedade e pânico para alguns, mas não para todos. “Para muitas pessoas, pode ser uma oportunidade de realizar o trabalho de forma mais produtiva. Aqueles que levam quase duas horas para ir de casa ao trabalho estão conseguindo, com o home office, dormir um pouco mais, sentiram-se menos estressados por não enfrentarem o trânsito caótico de uma cidade grande e ainda tiveram tempo para realizar algumas atividades simples, como um banho mais demorado e agradável. É importante lembrar que a possibilidade de trabalhar remotamente permite um equilíbrio maior entre as atividades pessoais e profissionais”, diz.
O Dr. Eduardo Tancredi explica que as pessoas usam alguns mecanismos para se defender de situações de estresse, como a sensação de controle e previsibilidade e o suporte social – duas coisas que perdemos neste momento. E, em situações de exposição crônica ao estresse, temos maior chance de desenvolver doenças como a depressão e a ansiedade. “O estresse psicológico por muito tempo gera alteração na nossa regulagem hormonal e desequilíbrio imunológico, levando aos transtornos mentais.”
Este não é, no entanto, um cenário inédito. Durante a epidemia de SARS (síndrome respiratória aguda grade), em 2002, um estudo mediu o nível de estresse durante o surto e até um ano após sua conclusão dentro de um hospital, em pacientes internados e profissionais da saúde. O levantamento mostrou que o nível de estresse dos pacientes em isolamento permaneceu persistentemente elevado e maior do que quando comparado com a população local. Estes pacientes apresentaram níveis preocupantes de estresse psicológico mesmo após um ano do surto, com cerca de 58,9% deles com quadros que sugeriam doença mental, principalmente transtorno de estresse pós-traumático (25%) e depressão (15,6%).
Tatiana já notou algumas mudanças na rotina da Vittude, como um movimento de alteração das agendas de atendimento presencial para online por parte dos pacientes. O consumo de conteúdo no blog da empresa aumentou consideravelmente. Os termos mais buscados têm sido “ansiedade” e “crise de ansiedade”, “Rivotril”, “sertralina” e “fluoxetina”. “Isso também sinaliza um risco de potencial crescimento da automedicação”, alerta Tatiana. Além disso, nos últimos dias, houve um crescimento de 50% no agendamento de consultas online, especialmente de brasileiros que moram no exterior. “Temos que ter em mente que, em alguns países da Europa, por exemplo, a situação está bem mais delicada que no Brasil e temos pessoas morando lá que necessitam da ajuda de psicólogos que falam português”, diz.
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Tatiana Pimenta, CEO e cofundadora da Vittude
Desde ontem, quando começou “oficialmente” o isolamento, o Dr. Eduardo Tancredi também tem notado uma demanda maior para atendimento online. “Muitos dizem que estão em isolamento por recomendação médica. Isso faz parte da onda de pânico. É provável que grande parte realmente seja de risco, mas deve haver muito exagero”, diz.
Veja, a seguir, a dica de especialistas para manter a calma e não surtar durante o isolamento: