Com documentário no Cannes Lions e autobiografia a caminho, bailarina Ingrid Silva diz: “Minha ideia é revolucionar a dança de dentro para fora”

21 de junho de 2021
Divulgação

Ingrid Silva, carioca de Benfica, mora em Nova York há 13 anos, onde é primeira bailarina da companhia The Dance Theatre of Harlem

“A dança é tudo que eu sou”, diz Ingrid Silva na fala que acompanha sua apresentação solo “The Movement of Motherhood” – disponível em vídeo no seu canal no YouTube. Foi a primeira apresentação presencial que a bailarina carioca fez para uma plateia, em maio passado, durante a primavera pós-pandemia vivida no momento por Nova York. Ingrid vive na cidade há 13 anos, atuando como primeira bailarina da companhia The Dance Theatre of Harlem.

“Foi um momento incrível e muito poderoso”, resume Ingrid, que engravidou e se tornou mãe de uma menina, Laura, enquanto a cidade enfrentava lockdown, confinamento, distanciamento social e a devastação causada pela Covid-19.

Ingrid tem outra apresentação poderosa. Hoje (21), acontece a estreia de “The Bloc Presents Making Space: A visual Poetry Journey”, documentário de 20 minutos sobre sua a vida, na edição online do festival de criatividade Cannes Lions 2021. Amanhã (22), ela participa de uma mesa no evento falando sobre o doc, o EmpowHer NY – a plataforma de empoderamento feminino da qual é fundadora – maternidade e a presença do corpo negro no balé clássico.

Ingrid é uma das principais convidadas do festival ao lado de, entre outros, a atriz Gal Gadot – a Mulher Maravilha do cinema – o historiador Yuval Noah Harari – autor do best-seller “Sapiens” – e a drag queen Latrice Royale – revelação do reality show “Ru Paul’s Drag Race”.

Nascida no bairro de Benfica, no Rio de Janeiro, Ingrid Silva encontrou o balé através do projeto social Dançando Para Não Dançar e nunca mais parou. Estudou na escola de dança de Maria Olenewa, na escola de Débora Colker e estagiou no Grupo Corpo.

Mas foi com um vídeo que enviou para o The Dance Theatre of Harlem que sua sorte mudou. Selecionada entre 200 concorrentes para uma audição na companhia, aos 18 anos ela partiu para Nova York com cara, coragem, garra e talento. O resto, como se diz, é história.

E nessa história, ela escreveu definitivamente seu nome na dança ao chamar a atenção das marcas fabricantes de roupas e acessórios de balé para a ausência no mercado de sapatilhas e meias-calça nos tons de pele dos bailarinos negros. Uma verdadeira mudança de paradigma. Tanto que as pioneiras sapatilhas negras de Ingrid hoje são peças do Museu Smithsonian de História Afro-Americana.

Articulada, energética e engajada nas causas que lhe falam ao coração, Ingrid está cheia de projetos além da dança. Durante nossa conversa, diretamente de Nova York e contando com a presença deliciosamente fofa da pequena Laura – a bailarina falou da carreira, da maternidade, da permanente luta contra o preconceito – todos eles – e da autobiografia que acaba de escrever. “Durante a pandemia eu tive uma filha e escrevi um livro. Estou quase plantando uma árvore”, declarou bem humorada.

Mondo Cannes

“O documentário da minha história que vamos apresentar no Cannes Lions foi produzido pela agência The Bloc, a mesma com quem trabalhei nos vídeos ‘The Call’ – sobre o preconceito racial no atendimento médico americano – e ‘Skin Deep’ – sobre as pequenas agressões que os negros sofrem durante toda a vida. Eu gostei muito do resultado e acredito que as pessoas vão realmente se emocionar. Sobretudo, espero que a minha história possa inspirar muita gente.”

Vida de bailarina

“Durante a crise da pandemia em Nova York, eu realmente me dediquei a escrever as minhas memórias, com muita concentração e foco. Abri meu coração de verdade, contando episódios que muita gente não conhece, porque gosto de narrar a minha história de maneira nua e crua. O título é ‘Ingrid Silva, a Sapatilha Que Mudou Meu Mundo’ e vai ser lançado no Brasil no segundo semestre, pela Editora Globo. Trabalhei com o editor Guilherme Samora, que editou a biografia da Rita Lee e acabou de editar o livro do Gil do Vigor. Mas quero deixar claro que tudo que está lá fui eu mesma que escrevi. Aliás, depois que acabei o livro percebi o quanto estou me conhecendo melhor e como desenvolvi o gosto pela escrita. Vai ter também uma edição em inglês e eu quero que esse livro vá para o mundo.”

Blacks in ballet

“No Brasil a presença do corpo negro no balé clássico é escassa. Na verdade, nós exportamos talentos, como foi o meu caso que tive de sair do país para ter uma oportunidade. Pensando nisso fundei com os bailarinos Ruan Galdino e Fábio Mariano a Blacks in Ballet, uma palataforma de visbilidade global para bailarinos negros. Funciona também como uma biblioteca para divulgar as histórias desses bailarinos no mundo. Ouço muito: ‘Ah, mas você é bailarina! Não sabia que existiam bailarinos negros’. Está na hora de mudar isso.”

Elas têm a força!

“O EmpowHer NY nasceu em 2017 para mostrar às mulheres que elas podem ser o que quiserem, além de mães. É um espaço para um diálogo aberto, sem julgamentos, para que as mulheres se sintam confortáveis. Basicamente é uma plataforma digital educacional de incentivo e empoderamento, para fazer com que cada mulher descubra o melhor do seu potencial.”

Mãe do ano

“Engravidei no final de fevereiro do ano passado, quando começou a pandemia e foi um momento desafiador. A companhia – The Dance Theatre of Harlem – nos enviou todo o material para continuarmos a fazer aulas em casa, com professores online. Minha sala virou um estúdio de dança. Quando a Laura nasceu tive que me reposicionar totalmente. Amamentar um bebê, escrever um livro e fazer aulas de dança foi uma loucurinha.”

Idade da razão

“Com 33 anos estou no auge da minha carreira, bem feliz, trabalhando corpo e mente. Penso em dançar por ainda mais sete ou oito anos. Depois quero me dedicar muito à maternidade e a outros projetos, porque tenho vários. Mas a dança nunca vai sair de mim.”

Raízes do Brasil

“Eu me sinto todos os dias no Brasil. Não tem como ser de outro jeito. É aí que estão meus laços, a minha família, a minha história. É meu porto seguro. Entre os meus planos futuros está a criação do primeiro festival de bailarinos negros no Brasil, contemplando vários estilos de dança. E anote aí: vai ter sapatilhas e meias-calça da cor da pele para todo mundo. Minha ideia é revolucionar a dança de dentro para fora. Sempre penso no que que posso fazer com a dança e com a arte além do palco. Não faz sentido eu dançar, me destacar, conquistar meu espaço e não levar ninguém junto comigo.”

Donata Meirelles é consultora de estilo e atua há 30 anos no mundo da moda e do lifestyle.

Os artigos assinados são de responsabilidade exclusiva dos autores e não refletem, necessariamente, a opinião de Forbes Brasil e de seus editores.