Determine quem você quer ser (e não deixe o medo te paralisar)

2 de dezembro de 2021

Quero continuar aprendendo e evoluindo, mas com a certeza de que meu grande talento é construir pontes

“Você deve ser criativo e corajoso. Você deve tentar coisas que podem não funcionar e não deve deixar ninguém definir seus limites por causa de onde você vem. Seu único limite é sua alma”, são as palavras do Chef Gusteau, do filme Ratatouille – o melhor longa de animação já produzido em minha humilde opinião.

Era uma vez, em uma época não tão distante, em uma famosa agência de publicidade…Uma profissional de negócios (aka Lu Rodrigues) apaixonada e criativa vai, orgulhosa, contar uma ideia sua para um diretor de criação. Sem pestanejar, do alto de seu ego, ele fuzila: “você não está aqui para ter ideias”. Lembro-me da cena como se fosse hoje. Eu de pé e ele sentado, como um Don Draper moderno, mas sem o mesmo talento. Naquela atitude arrogante e inaceitável que só alguém com total falta de autoconfiança pode ter. 

Em vez de me sentir diminuída, aquele fato me serviu como combustível. Era tudo o que eu precisava para provar que qualquer um poderia, sim, ter ideias. Muitas delas. E que, veja só, criatividade não estava restrita a um departamento ou a um grupo de profissionais.

Um ano depois desse acontecimento, ganhamos um dos primeiros Leões de Mídia do Brasil no Festival de Cannes (o Oscar da Publicidade), com uma ideia que não veio do “chef” da criação. Como no filme Ratatouille, em que um rato sonha em se tornar um grande cozinheiro, colocamos na prática o lema do chef Gusteau: “Todo mundo pode cozinhar”. O que hoje pode ser algo corriqueiro em muitas empresas evoluídas onde colaboradores têm voz (e, principalmente, são ouvidos), naquela época soava como uma afronta.

 Os estudos da psicóloga e doutora da Universidade de Stanford, Carol Dweck, indicam que indivíduos com uma mentalidade construtiva (growth mindset) “têm habilidades que podem ser desenvolvidas por meio de esforço, estudo e persistência. Isso não significa que todas as pessoas são iguais e possam atingir as mesmas capacidades, mas que o potencial de cada um é desconhecido e pode ser ampliado sempre.”

Sigo me perguntando o que teria acontecido comigo, silenciada por um homem, se não fosse uma mulher branca, privilegiada, terapeutizada, e com ferramentas para transformar tamanha frustração em energia criadora. E se fosse uma mulher que não teve uma referência que a ensinou, na prática, o poder de acreditar no seu potencial? Teria conseguido chegar onde chegou ou teria estagnada ao ouvir aquela frase? Na década de 80, minha mãe, Antonia – a mulher que mais admiro no mundo – coordenou um grupo comunitário contra a permanência de um aterro sanitário na periferia da cidade de São Paulo que estava causando problemas de saúde à população local. Ficaram acampados durante 17 dias e 17 noites na entrada desse aterro para não permitir que caminhões carregados de lixo despejassem seu conteúdo no local. A vitória veio com o fechamento do aterro sanitário e, após dois anos desse ato de coragem, mais precisamente em 1987, foi elaborada uma Lei Municipal transformando aquela área em uma Unidade de Conservação de Proteção Integral. É necessário mencionar o impacto positivo dessa ação  na vida de milhares de pessoas? E o quanto essa atitude de minha mãe marcou a pessoa que sou hoje?

Por muitos anos, investi tempo demais em me criticar. Meu inglês não era tão fluente quanto o de fulano. Nunca fui a mais inteligente da sala. A forma como me comunicava não era sofisticada. Os profissionais ao meu redor pareciam mais preparados para o mundo corporativo do que eu. Quando comecei a entender que minhas fraquezas, na verdade, eram parte da minha identidade, e que eu deveria transformá-las a meu favor, comecei a gostar daquela Lu Rodrigues que falava de uma forma acessível a todas e todos. Da Dani do cafezinho ao presidente global da companhia que, aliás, costumava elogiar meu inglês por ter muita “personalidade”. Sim, da Lu, que usava muito sua intuição, mas sem deixar os dados de lado – e conseguir resultados surpreendentes. Com o tempo, aprendi a olhar para minhas fortalezas e a ser mais gentil comigo, um aprendizado que recomendo.  

No filme da Pixar, o aspirante a chef, Remy, não tinha toda a técnica necessária para criar sua elogiadíssima sopa, mas um ingrediente foi fundamental para o sucesso do prato: a paixão. Como uma das lições para se levar na bagagem, um lembrete: não tente descobrir quem você é, mas determine quem você quer ser. Afinal, a vida não é um processo de descoberta e sim de criação. Para nos aproximarmos, cada vez mais, da nossa melhor versão, daquele caminho que viemos para trilhar, onde crescemos e evoluímos.  E, em nenhum momento, devemos deixar de segui-lo por não termos todas as ferramentas ou não encontrarmos a situação ideal. Como consolo, Salvador Dalí ajuda a nos colocarmos em nosso devido lugar: “Não tenha medo da perfeição, você nunca vai alcançá-la”. 

No final das contas, Ratatouille não é um filme que fala de sucesso: o restaurante fechou (o que seria trágico na Rue de Rivoli ou na Av. Faria Lima). Ele fala de estarmos alinhados com nosso propósito. Tanto para o Remy como para o crítico gastronômico Anton Ego (olha ele aqui de novo), o propósito era proporcionar uma experiência espetacular para seus clientes. “Nem todo mundo pode ser um artista, mas artistas podem vir de qualquer lugar”, disse Anton Ego.

Encerro o ano de 2021 exausta porém mais consciente. Sigo na busca do viver o presente. Quero continuar aprendendo e evoluindo, mas com a certeza de que meu grande talento é construir pontes. Para alguns, isso não tem nenhum valor mas, para mim, é a razão de seguir em frente com muita paixão e vontade de ser uma líder melhor a cada dia.

Faço aqui um convite para que leiam, releiam e reflitam sobre o discurso inaugural de posse, em 1984, de Nelson Mandela, em que ele diz: “Nosso medo mais profundo não é que sejamos inadequados. Nosso medo mais profundo é que sejamos poderosos demais. É nossa sabedoria e nossa luz, não nossa ignorância e nossa sombra, o que mais nos apavora.” Esse discurso me orientou em uma época da vida em que não me achava merecedora de tantas conquistas e alegrias, simplesmente por viver num mundo com tanta desigualdade. Mas Mandela segue o discurso: “E, quando deixamos que essa nossa luz brilhe, inconscientemente permitimos que outras pessoas façam o mesmo.”

Desejo que, em 2022, você possa ser mais gentil com você. E deixe a sua luz brilhar.

Luciana Rodrigues é CEO e presidente da Grey Brasil e faz parte do comitê estratégico de presidentes da Amcham. 

Os artigos assinados são de responsabilidade exclusiva dos autores e não refletem, necessariamente, a opinião de Forbes Brasil e de seus editores