Quero começar a falar deste tema contando uma história que vivi recentemente. Fui viajar com minha mulher a Ibiúna (a cerca de uma hora da cidade de São Paulo) a convite de um casal de amigos.
A casa deles até tinha TV e sinal de internet, mas nos propusemos a viver um outro tipo de experiência, de um tempo ancestral, por assim dizer, quando não havia smartphones. Estou falando dos anos 90. Para quem é jovem, viver em uma época em que não havia sinal de celular de fato é algo como ter nascido no tempo das cavernas.
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Ao invés de ficarmos presos à tela de nossos celulares, aproveitamos o tempo que tínhamos para conversar e brincar, duas das formas de comunicação mais simples e antigas que existem. Mesmo especialistas em saúde mental como eu, que têm de ficar presos aos grupos de mensagens para acompanhar casos e falar com pacientes, às vezes nos esquecemos de como é gostoso deixar a tecnologia de lado para nos concentrar naquilo que realmente importa: as relações humanas. Estávamos com amigos queridos e queríamos aproveitar esse momento.
Na hora de dormir, nos havia sido reservada por eles uma casinha de hóspedes que ficava longe da casa principal. Lá, não havia sinal nenhum de celular, nem 3G. Se eu quisesse telefonar para alguém, não teria conseguido. Tivemos outra experiência deliciosa: ouvir o barulho das aves noturnas, dos insetos embalando o nosso sono.
É incrível como temos deixado de praticar o simples. Vários pesquisadores já se debruçaram sobre a relação entre o excesso de coisas materiais e estresse e ansiedade. Descobriu-se que quanto mais a sua vida é repleta de materialidades, mais ansiosos e estressados ficamos.
Pense em todas as coisas que cercam você e que acredita não ser capaz de viver sem, especialmente as relativas às tecnologias de comunicação. Procure fazer um experimento e tirá-las por um ou dois dias da sua vida. Quando limpamos os excedentes do nosso entorno, a nossa atenção se dirige àquilo que interessa: as pessoas. Isso também traz uma sensação incrível de autonomia. As tecnologias, afinal, escravizam. É uma desintoxicação que só traz benefícios à saúde mental.
O fim de semana gostoso ainda me reservou uma surpresa. Ao me ver deixando de lado os gadgets para aproveitar só os amigos e o lugar em que estávamos, lembrei-me de como era o mundo 46 anos atrás, quando fiz uma viagem de dois meses pela América do Sul com uma namorada.
Não tínhamos nada para nos servir de “muleta”, a não ser nós mesmos. Não tínhamos nada para nos manter entretidos. Só as paisagens, a natureza, as pessoas que conhecemos em cada cidade pelas quais passamos.
Um dos lugares que me impressionou pela beleza e por tudo o que nos ofereceu foi Siete Lagos, na Argentina. Não é que o condomínio em que passei este fim de semana se chamava Sete Lagos?
Dr. Arthur Guerra é professor da Faculdade de Medicina da USP, da Faculdade de Medicina do ABC e cofundador da Caliandra Saúde Mental.
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