Se a pastagem faz fotossíntese, o boi ajuda a sequestrar o temível gás carbônico da atmosfera

3 de janeiro de 2022
Fabiano Marques Dourado Bastos/Embrapa

Após propaganda do Bradesco defendendo a redução do consumo de carne, pecuária deve investir no debate sobre o balanço das emissões bovinas

Nós encerramos 2021 com uma grande polêmica. A publicidade do Banco Bradesco sobre a redução do consumo de carne bovina, seguindo a Segunda Sem Carne. Para quem não acompanhou o vídeo, o Bradesco tem uma calculadora de emissões de gás carbônico que são implicadas na pecuária de corte. Mas tem um pequeno problema: boa parte dos clientes do Bradesco vive do agronegócio e boa parte desse pessoal tem pecuária de corte e um pouquinho de gado aqui ou ali; ou às vezes muito gado. Inclusive, grandes empresas do setor, como JBS, Marfrig e Minerva têm operações bancárias junto ao Bradesco.

O setor ficou bem irritado com essa publicidade e acabou abrindo um precedente para um cancelamento de contas em massa, uma revolta por parte do setor da agropecuária. Afinal de contas, “meu dinheiro é bom para o Bradesco lucrar, mas a minha atividade não é boa para a humanidade”. Então, o pessoal ficou bem chateado.

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Isso nos diz muita coisa. Em primeiro lugar, que está todo mundo interessado em lacrar bastante. E isso trouxe à tona um assunto que já tratamos sutilmente por aqui, em uma ou outra coluna, que eu acho valer à pena ser mencionado. Tem uma grande diferença, tem um raciocínio simples, na verdade, que nos traz uma grande reflexão. Se a gente considerar combustíveis fósseis, energia elétrica proveniente da queima de combustíveis fósseis, como acontece muito na Europa, ou utilização de veículos que queimam combustíveis fósseis, você vai entender que esses meios de geração de energia pegam o carbono dos combustíveis fósseis, que tem uma grande presença de CO2 em sua composição, e lançam na atmosfera. E como eles recuperam esse carbono? Eles não recuperam. Eles são simplesmente emissores.

Mas quando pensamos em pecuária, agora comparando, o boi emite metano. Esse metano biogênico lançado à atmosfera pelo animal é quebrado após 10 ou 12 anos em CO2 e água. Então, como já disse Lavoisier, nada se perde, tudo se transforma. A água volta para o seu ciclo, mas e o CO2? Ele é sequestrado pelas pastagens para que elas possam fazer a fotossíntese. Então, o boi tem um balanço. A produção pecuária não é só emissora, especialmente a brasileira, que é feita à base de pastagens, ela é sequestradora desse CO2 que está na atmosfera. Muita gente fala do metano, mas ele é quebrado em CO2 e esse, por sua vez, é absorvido por pastagens bem manejadas, que produzem muita biomassa.

 

E o que a gente vê crescer muito no Brasil são pastagens bem manejadas, que produzem muita biomassa. Tanto é que a gente tem diminuído as áreas de pastagem no Brasil e aumentado a produtividade do gado. Isso aí é uma imagem que a gente já tem muito bem desenhada na cabeça. A aplicação de tecnologia está trazendo uma produtividade maior e que economiza área. Então, temos cedido muita área de pastagem para outras coisas e, inclusive, para a regeneração de florestas. Além disso, tem gente que é tão improdutiva que não consegue nem reformar aquela área e a vegetação nativa toma conta da área novamente. É isso que a gente chama de regeneração.

O que acontece é que pastagens sequestram CO2, esse carbono fica armazenado ali, o boi vem, come e depois expele o metano que é transformado em dióxido de carbono e volta. Portanto, o boi tem um ciclo que a emissão via combustíveis fósseis não tem. Então pastagens bem manejadas podem até mesmo ajudar a sequestrar esse carbono que é emitido por combustíveis fósseis. Essa conversa não foi considerada na publicidade do Bradesco.

Com isso, precisamos tirar uma grande lição para o setor agropecuário. Primeiro, a gente precisa parar de falar de emissões e começar a falar de balanço, a pecuária tem um balanço que as emissões urbanas não possuem. Precisamos tratar isso de maneira justa para o setor, porque quando a gente abomina o setor, tem muita gente pequena; 80% dos produtores rurais, que passa por uma tragédia social. E de uma maneira injusta, pois as pastagens absorvem o CO2 para realizar a fotossíntese.

Em segundo lugar, acho que o Bradesco acabou jogando mal, ficou claro, porque não teria havido toda essa comoção. Ela só aconteceu, pois foi mal colocado. Acho que o Bradesco poderia ter chamado influenciadores que entendessem do assunto e dominem o assunto para falar coisa com coisa e, principalmente, para se dirigir ao setor agropecuário. Mas acho que falta o produtor também fazer um mea culpa e investir mais em marketing. Chamar grandes celebridades para contar a verdade, ponderadamente, para tratarmos desse assunto do CO2 e do metano com mais justiça. Afinal, tem uma tragédia social envolvida quando tratamos o setor de maneira injusta. Fica aí a nossa conversa para começar o ano com polêmica.

Lygia Pimentel é médica veterinária, economista e consultora para o mercado de commodities. Atualmente é CEO da AgriFatto. Desde 2007 atua no setor do agronegócio ocupando cargos como analista de mercado na Scot Consultoria, gerente de operação de commodities na XP Investimentos e chefe de análise de mercado de gado de corte na INTL FCStone.

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