Vamos começar alinhando conceitos. De forma bastante simplificada, as criptomoedas são moedas digitais globais, que viabilizam transações sem o intermédio de instituições financeiras. Estas transações são registradas e armazenadas em bancos de dados descentralizados chamados “Blockchains”. Todo este processo é considerado altamente seguro em função da existência de um tipo de registro ou código criptografado (hash) criado para cada transação, que não permitiria adulteração ou fraude no processo.
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Nesta breve descrição já temos alguns elementos que favoreceriam o uso das criptomoedas como alternativa ao pagamento salarial convencional, como o fato de a moeda ser global, facilitar o pagamento de profissionais morando fora do país, além da segurança e confidencialidade dos dados transacionados.
(Poderíamos também inclui dentre as vantagens o fato de não haver impacto da inflação nestas moedas, mas dado que o cenário econômico mundial acaba interferindo no valor de sua cotação e que as empresas continuarão sofrendo pressão por correção salarial em função do custo de vida “na vida real”, então não me parece que seja possível assegurar um efeito prático positivo aqui).
Os Estados Unidos estão mais adiantados nestas discussões, mas ainda assim esta prática é bastante insipiente e está tipicamente associada a empresas de tecnologia, de blockchain, de ativos digitais ou outras em que tanto liderança quanto os times corporativos validem este tipo de moeda e entendam suas características.
Pagamento mensal e premiações
O pagamento de salário mensal tende a ser mais desafiador, podendo ser necessário manter parte do valor em reais para atendimento das questões trabalhistas (uma vez que a CLT exige ao menos 30% da remuneração sendo paga em dinheiro), ou mesmo ser considerado mais aplicável para profissionais prestadores de serviço (PJs). Em ambos os casos, seria recomendável um contrato de mútuo acordo assinado previamente em que o profissional registrasse sua anuência quanto aos riscos de flutuação no valor da moeda pós pagamento.
Já quando utilizadas para o pagamento de remuneração variável, as criptomoedas podem ter características simulares às de planos de outorgas de ações, sendo entregues mediante condições de permanência ou de performance e tendo como vantagem a não diluição o capital social.
Vamos só adicionar alguns novos elementos a esta equação:
- Há limitações ao uso desta moeda tanto na legislação Brasileira (CLT) quanto na americana (FLSA – Fair Labor Standards Act). Nos dois países, a legislação prevê o pagamento em moeda corrente, sendo então necessário contar com uma boa assessoria jurídica neste processo;
- As criptomoedas estão sujeitas a grande volatilidade (*). O mesmo pode ocorrer com o valor das ações outorgadas pelas empresas aos seus funcionários, mas neste caso a variação do preço de mercado tem correlação com o resultado do negócio. Já as criptomoedas carregam um risco intrínseco, sobre o qual nenhum profissional e nem mesmo a empresa podem interferir;
- Variações cambiais negativas logo após o pagamento, levando o profissional a perdas financeiras frente ao valor pago pela empresa, podem ser interpretadas como redução salarial (o que não é permitido na nossa legislação);
- O recolhimento dos encargos trabalhistas e o pagamento de impostos pelos profissionais são ainda aplicáveis, mas neste caso, somados ao risco da variação cambial a partir do pagamento (além da tributação por ganho de capital, caso haja).
Tanto no pagamento mensal quanto nas premiações com prazos maiores, o valor é estabelecido em moeda local e convertido no momento do pagamento, o que demanda planejamento de caixa por parte da empresa. Não seria então o mesmo de pagar em R$ e deixar o profissional investir no que quiser, sem risco para a empresa?
Minha inclinação inicial seria pensar na utilização deste tipo de moeda para facilitar a contratação de profissionais em posições críticas em áreas de Tecnologia, cujo mercado competidor de talentos transcenda as fronteiras nacionais. Só não deixem de considerar também o custo da execução e os riscos associados antes de mergulharem de cabeça nesta que ainda pode ser considerada uma novidade dentre as ferramentas de remuneração.
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(*) Variação do Bitcoin (criptomoeda)
-11,23% nos últimos 6 meses
-17,57% nos últimos 12 meses
+5.995,48% nos últimos 5 anos
Fernanda Abilel é professora na FGV e sócia-fundadora da How2Pay, consultoria focada no desenho de estratégias de remuneração.
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