Sento pra tomar um café. Se estivesse em São Paulo talvez me causasse um certo desconforto o fato de estar sozinha. Provavelmente pegaria o celular para me fazer companhia. Aqui, não.
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Penso “que ótimo seria viver assim!”
Olho à minha volta: o movimento, as cores, os sons. Esta é uma cidade que respira vida, respira diversidade. Estar aqui é um prato cheio pra minha imaginação e eu poderia passar o dia todo observando o funcionamento das engrenagens dessa convenção que chamamos de sociedade.
Vejo passar um senhor extremamente bem vestido. O cabelo milimetricamente penteado, barba recém feita, um óculos que reluz de tão limpo, as meias combinando com a calça e o sapato perfeitamente limpo e engraxado. Reparo até nas unhas mais bem feitas que as minhas no momento, eu confesso.
Ele passa.
Passa também uma moça chorando ao telefone. Ninguém nem olha. Simplesmente seguem seus caminhos a passos largos sem se importar. Todos apressados demais. Talvez ela seja invisível e só eu a veja.
Passa um casal apaixonado. Será que se conheceram ontem ou se conhecem por uma vida inteira? Terão percorrido quantos caminhos diferentes antes de se encontrarem e caminharem nesse dia frio de mãos dadas?
Decido pagar a conta, pegar um ônibus e buscar as crianças na escola. Uma senhora bem idosa cai na minha frente, entre o meio fio e o ônibus. Ninguém se mexe. Vou imediatamente até ela, não porque sou especial ou melhor que alguém. Simplesmente corro até ela porque é o óbvio a se fazer. Ou pelo menos deveria ser. Pergunto se ela se machucou, e cuidadosamente a levanto. Olho em volta, percebo a impaciência do motorista e dos demais passageiros com o atraso que aquele incidente gerou, e logo imagino se alguém teria se movido para ajudá-la. Tratam com tanta naturalidade aquele fato que penso que tudo aquilo talvez seja uma pegadinha, que talvez exista uma câmera escondida ali, e que a senhora seja apenas uma excelente atriz. Mas não, ninguém ri. A senhora parece sentir dor, então percebo que infelizmente é a vida real. É uma ousadia enorme uma senhorinha cair e atrasar todos alguns minutos. O tempo é precioso e todos tem compromissos urgentes demais (eu não precisaria nem dizer, mas que fique claro: contém ironia aqui).
No caminho da escola, penso: “como pode tanta coisa se passar em um dia? E ainda não são nem meio-dia.
Chego na porta e meus filhos vêm correndo para o meu colo. Eu os abraço forte e digo o quanto os amo, não porque hoje é um dia especial mas porque é assim que faço todos os dias. Digo que os amo milhares de vezes. Beijo e abraço muito. Converso com eles olhando nos olhos e valorizo nossas conversas cheias de “por quês?”, que me ensinam tanto. Rezo para que eles conservem esse olhar questionador, puro e curioso sobre tudo.
De repente passa uma moça, que provavelmente estava a caminho de algum compromisso. Ela nos vê ali abraçados esperando o Uber. Ela para e sorri. Vem em nossa direção e se oferece para tirar uma foto. Como recusar aquela oferta? Ela não sabe, mas além de amor eu sempre verei gentileza naquela foto. E ela me lembrará que existe gente que não anda tão apressada assim.
Paula Drumond Setubal é advogada, mãe de gêmeos e produtora de conteúdo.
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