Nascido em família de donos de engenho de cana de açúcar em Gravatá, Silveira de criança se acostumou com o jeito do povo da região se referir a ele: “especialista em coisas inúteis”. Um dia descobriu um cemitério de cajacatingas e começou aí sua mania de “colecionar” partes de troncos e raízes da árvore, levado por questões que só o coração e arte explicam. Não tinha ideia que mais tarde esta madeira rubra, perfumada, típica da Mata Atlântica, de nome tupi-guarani, também chamada caierana, cajá-catinga ou canjerana, seria central na trajetória artística que trilharia a partir de meados dos anos 80.
LEIA TAMBÉM: Desafios poéticos e radicais de Amelia Toledo
Como o próprio Silveira define: “É criar beleza do improvável”. A série ‘Aéreas’ de esculturas suspensas, flutuantes, presas ao teto por fios, transmitem a leveza de um traço fugaz que dança no ar. Outra série suspensa é a ‘Pêndulo’, composta de grandes cabaças penduradas por um fio, mas quando a cabaça é apoiada no chão, o artista consegue ver nela um caráter de instrumento musical e batizou esta versão de ‘Sonora’. Na série ‘De natureza viva’ as peças mostram rendilhados de incisões florais na pele da madeira à maneira de uma delicada tatuagem.
Em ‘Manuais de Liêdo’ o caminho é outro. Após trabalhar cada peça, Silveira pede ajuda ao fogo utilizando letras de ferro quente para gravar frases na superfície da cajacatinga polida, que assim renasce como suporte para uma discussão sobre o trabalho artesanal versus o intelectual. Na série ‘Peles’, o acaso foi determinante. Essas peças estavam jogadas em um canto do ateliê, não se encaixavam de maneira nenhuma até que, pouco a pouco, elas mesmas se encontraram umas nas outras, resultando, por fim, em conjuntos articulados harmoniosos.
Encerro com a visão poética desse artista de fenomenal brasilidade: “(…) você mostra-se frágil, mas não sem alma. É o seu tronco oco, aparentemente sem utilidade, que vai dar vida às minhas primeiras experiências tridimensionais. Cajacatinga, você já não é árvore. Você é arte!”
Com colaboração de Cynthia Garcia, historiadora de arte cynthigarciabr@gmail.com
Nara Roesler fundou a Galeria Nara Roesler em 1989. Com a sociedade de seus filhos Alexandre e Daniel, a galeria em São Paulo, uma das mais expressivas do mercado, ampliou a atuação inaugurando no Rio de Janeiro, em 2014, e no ano seguinte em Nova York.
info@nararoesler.art
http://www.nararoesler.com.br/
Os artigos assinados são de responsabilidade exclusiva dos autores e não refletem, necessariamente, a opinião de Forbes Brasil e de seus editores.