Rumo Futuro: os perigos do calor extremo - e como a inovação pode ajudar

29 de janeiro de 2024

O calor extremo é um lembrete potente da nossa interdependência e da necessidade de colaboração em escala nacional e global.

São três da tarde em Piracicaba, cidade do interior de São Paulo onde morei por alguns anos. Conhecida por ter “um sol para cada um”, a cidade normalmente não tem muitas pessoas andando pelas ruas neste horário, com exceção de quem realmente precisa. A população vai criando estratégias para driblar o astro-rei. Mas nos últimos verões, as coisas têm mudado significativamente.

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“Cada ano fica mais quente, e nos dois últimos anos tem sido insuportável. Como moro em uma casa sem muita ventilação próxima a um rio e à noite tem muitos pernilongos, preciso escolher entre me expor aos insetos ou derreter dentro de casa”, diz a recepcionista Renata Abreu. Ela mora em dois cômodos num bairro periférico da cidade com a mãe idosa, que tem problemas circulatórios e sofre com as altas temperaturas. As duas se viram como podem, com um ventilador que funciona aos trancos e barrancos, e toalhas umedecidas para lidar com o calor intenso.

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Renata até gostaria de comprar um ar-condicionado, mas o valor do aparelho está fora do seu orçamento atual. “Um aumento na conta de luz, que já é alta, também me preocupa”, confessa. A situação ilustra o racismo ambiental – ou seja, a forma em que populações negras e pobres são as que mais tem sofrido as consequências do aumento consistente da temperatura, que afeta a maior parte do país.

O ano passado foi o mais quente da história, causado por mudanças climáticas provocadas por humanos e acentuadas pelo evento natural do El Niño, que provoca o aquecimento anormal das águas do oceano Pacífico. Aliás, 2023 teve temperaturas 1.48 graus mais altas do que a média anterior ao consumo de combustíveis fósseis em larga escala, segundo o Met Office, agência meteorológica do Reino Unido. No Brasil, temperaturas ultrapassaram os 35 graus com sensação térmica de mais de 50 graus no Rio de Janeiro há cerca de um mês. Áreas do Nordeste que anteriormente eram classificadas como semiáridas, hoje são comparáveis a desertos.

Estamos tentando viver normalmente em meio a temperaturas anormais. Mas, até quando conseguiremos? E como a tecnologia pode ajudar a enfrentar esta situação?

Nossa tolerância ao calor está no limite

No final do ano passado, estive em uma grande conferência de inovação em Londres, onde a crise climática foi a pauta principal das discussões. Entre as sessões, a que mais me chamou a atenção foi a do climatologista e especialista em eventos climáticos extremos, Tom Matthews. Ele trouxe um panorama que ilustrou a capacidade do ser humano de se manter resiliente em um cenário de temperaturas extremas, e possíveis formas de sobrevivência nesse cenário.

Nós, seres humanos, temos um incrível superpoder que nos diferencia no mundo animal: a capacidade de suar, que permite a regulação da nossa temperatura corporal de forma eficaz. Mas apesar disso, Matthews apontou que as mudanças climáticas atuais apresentam um risco sem precedentes, evidenciados no aumento no número de mortes causadas por calor extremo na Europa e em países como a Rússia, com doenças cardiovasculares aumentando o risco nestes períodos.

Além disso, a fisiologia humana tem um limite para a tolerância ao calor, que varia de acordo com a umidade do ar, explicou Matthews. Com baixa umidade, podemos tolerar temperaturas mais altas, mas a crescente umidade do ar diminui nossa tolerância ao calor, pontuou o climatologista, alertando que a humanidade está chegando muito perto do seu limite.

Com as projeções atuais de aquecimento global, Matthews previu que lugares em países emergentes – como Lagos, na Nigéria, Karachi, na Índia e Shanghai, na China – podem chegar em breve a ondas de calor que excedem o limite de tolerância humano.

Inovações para enfrentar o aumento em temperaturas

Entre as sugestões de Matthews para se adaptar a atual situação está o uso de tecnologia para uma previsão do tempo mais eficiente e sistemas de aviso com antecedência para proteger populações em áreas vulneráveis. Melhorar a capacidade de prever e comunicar riscos é primordial. Aqui no Brasil, o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE) está trabalhando em um projeto de R$ 200 milhões para atualizar sua estrutura de supercomputação e aumentar essa capacidade preditiva.

Outra ideia do climatologista faz alusão ao emprego de tecnologias ancestrais. Ele sugere resgatar métodos tradicionais de construção – desde as antigas abóbadas núbias egípcias até construções de terra batida – que podem mitigar os efeitos do calor de forma mais eficiente, especialmente em regiões em desenvolvimento. A disseminação de abrigos de calor, algo similar ao que certos países usam para se proteger de furacões, também está entre as estratégias sugeridas.

Além disso, o especialista sugere usar equipamentos de ar-condicionado que sejam alimentados por fontes renováveis de energia, para não piorar o problema da mudança climática. No entanto, ele não comentou sobre a como esta alternativa, especialmente em países fora do grupo de economias desenvolvidas, pode ser um tanto utópica.

A infraestrutura de energia de um país também precisa ser resiliente o suficiente para lidar com a crescente demanda e outros eventos climáticos extremos. Esse é um ponto mencionado na palestra que os milhões de famílias brasileiras que ficaram sem energia por dias por conta das chuvas intensas das últimas semanas, conhecem bem.

O fechamento da palestra de Matthews, que resume bem o cenário quando falamos do papel da inovação em temperaturas cada vez mais altas e para onde vamos, é que nenhuma destas estratégias funciona bem sem um olhar para o coletivo. De fato, a tecnologia é pouco eficiente sem a união de esforços entre diferentes setores da sociedade – governos, empresas, cidadãos – para transformar estas ferramentas em soluções verdadeiramente efetivas e inclusivas.

O calor extremo é um lembrete potente da nossa interdependência e da necessidade de colaboração em escala nacional e global. É importante lembrar que essa narrativa não é somente sobre a sobrevivência (e conforto) individual, mas sim sobre a construção coletiva de soluções sustentáveis, imprescindível para enfrentar um dos problemas mais urgentes dos dias atuais.

A Rumo Futuro discute os movimentos e ideias de pessoas que protagonizam a inovação e o pensar de futuros no Brasil e além. Para sugerir histórias e dar seu feedback, entre em contato.

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