Eram 6h30 de uma sexta-feira abafada em São Paulo. O despertador tocou três horas depois de um longo e turbulento regresso de uma viagem. Algumas horas de sono a mais teriam sido bem-vindas, mas decidi cruzar a cidade para meu compromisso inegociável daquela manhã: um evento.
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Ter priorizado este acontecimento em particular — no caso, era o Creative Mornings, encontro mensal de profissionais criativos — me fez pensar sobre os motivos que fazem as pessoas saírem de casa para ir a encontros, conferências e afins. O episódio também me lembrou que, assim como outras pessoas que conheço, fiquei mais seletiva em relação a quais eventos presenciais escolho ir. Tenho buscado experiências que vão além do mais do mesmo em subsolos de hotel.
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Tudo isso porque algumas coisas mudaram fundamentalmente desde a pandemia. Uma delas é a valorização do que é importante para nós: nossa família, amizades e, sobretudo, nosso tempo. A forma que administramos o nosso bem mais precioso impacta diretamente a decisão de ir a um evento, ou não.
Há, também, uma conversa mais ampla acontecendo sobre temas como esgotamento relacional, termo criado pela fundadora do Instituto Amuta, Marcelle Xavier. Aqui, a pessoa se sente drenada em situações sociais — e vamos lembrar que eventos corporativos, não raro, são espaços de “performance”. Então, se um evento vai subtrair (energia, por exemplo) ao invés de somar, para que colocar na agenda?
Sem contar o aspecto tecnológico dos eventos: alguns encontros herdaram a prática de transmissão ao vivo. A partir daí, é possível transcrever, resumir, criar tarefas acionáveis… Isso quando não são resumidos nas redes sociais, em pílulas do tamanho da nossa atenção. Ou seja: para ir a um evento hoje em dia, precisa valer a pena.
Por outro lado, a experiência vai ter que ser diferente e organizadores já sacaram isso. Outro estudo, da empresa de software de gestão de eventos CVENT, diz que metade dos organizadores aceita aumentar orçamentos em até 20% para dar um toque especial aos seus eventos, com experiências como curadoria e atividades paralelas.
Com tantas mudanças comportamentais a considerar, o que vai definir bons eventos no futuro, e o que comunidades têm a ver com isso?
Presencial vs. online
O Creative Mornings é um evento presencial e sem fins lucrativos criado em 2008 em Nova York por Tina Roth-Einsenberg para reunir a comunidade criativa da cidade. O encontro tem foco em discussões que provocam reflexões precedidas por um café da manhã logo cedo, e ocorre em mais de 230 cidades ao redor do mundo.
Após o encontro do mês passado, conversei com Matos e Caetano Tona (que também apoia o Creative Mornings e é um dos principais preparadores de palestrantes do Brasil, além de organizar e atuar em eventos TEDx pelo país todo) sobre as mudanças em eventos que movimentam comunidades, e o que eles acreditam ser o futuro no segmento.
Para Matos, do Creative Mornings, convencer as pessoas a confirmarem presença (e de fato comparecerem) não tem sido fácil e a tecnologia tem culpa no cartório. Após a pandemia, houve um desejo intenso de participação presencial, que foi posteriormente substituído por uma certa relutância em sair de casa devido à conveniência de participar de casa (o evento continuou a ser realizado online durante a crise sanitária).
“Atrair público em um contexto em que o conteúdo online é abundante e acessível é um desafio,” ressalta Matos.
Muitas destas conexões são orquestradas no evento pelo próprio Matos, que já atuou como gestor de comunidades em empresas como a Natura. O organizador circula o tempo todo entre os participantes e logo junta pessoas diferentes que estão em suas panelinhas, ou sem muito jeito para conversar.
“A meta é que as pessoas sintam vontade de vir, mesmo sem saber o tema ou quem irá palestrar. E que saiam mais alegres, inspiradas e num estado mental diferente do que quando entraram”, pontua.
O futuro é das comunidades
Apesar de tanto o Creative Mornings quanto o TEDx dependerem de voluntários, são diferentes em alguns aspectos: enquanto o primeiro é gratuito e ocorre mensalmente, o segundo vende ingressos e acontece anualmente. Porém, tanto Matos quanto Tona convergem em diversas ideias quanto o assunto é o futuro dos eventos – mais especificamente, o que vai atrair pessoas com uma disposição menor de reservar tempo para encontros.
Outro ponto importante é adaptar temas de alcance geral, como o universo dos games, mas também trazer temas que despertem o interesse de grupos distintos, como monogamia. “Um evento pode se tornar mais nichado quando você dá a oportunidade de as pessoas trazerem as ideias. É aí que você descobre o que elas querem saber, o que querem falar. No meio de tudo isso, podem surgir coisas improváveis”, diz Tona.
A confiança em organizadores de eventos também é um fator crucial para atrair o público e garantir a diversificação. Isso reflete outra tendência mais ampla da era digital, que é a construção de comunidades com base em valores e expectativas compartilhadas.
“[Confiança enquanto organizador] é algo bacana, mas ao mesmo tempo é uma grande responsabilidade, sobretudo em relação a sair do óbvio. No que diz respeito à curadoria, é sobre trazer pessoas que sei que são muito relevantes e que podem furar bolhas, ao invés de chamar quem já falou em milhares de eventos”, pontua Matos.
Em ambos os contextos, organizadores precisam se expor e se adaptar a novos conceitos, e traduzir estas discussões junto às suas comunidades para refletir as realidades locais, e fomentar conversas que podem resultar em cenários diferentes do hoje.
O papo com Matos e Tona, assim como minha experiência em eventos desde a retomada pós-Covid, me fez concluir que a relevância das comunidades para o futuro dos eventos se ancora nas dinâmicas contemporâneas de interação social e profissional. Também reflete uma evolução em como nos reunimos e o que buscamos nestes espaços.
Eventos que priorizam a formação e a escuta dos grupos que têm como público-alvo, são plataformas para a exploração de futuros desejáveis, porque incentivam participantes não só a absorver informações, mas a questionar e reimaginar realidades. Ao promover essas mudanças de mentalidade, encontros baseados em comunidades se tornam catalisadores de inovação, impulsionando não só a evolução pessoal de cada participante, mas também a transformação social.