O Brasil já estava entre os países com maior índice de ansiedade mesmo antes da pandemia, segundo a Organização Mundial de Saúde, quando a Covid-19 chegou para piorar o cenário: um estudo da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ) apontou um crescimento de 50% nos quadros de depressão e 80% nos casos de ansiedade nos últimos seis meses.
Os efeitos do isolamento e a adoção em larga escala do home office combinada a pressão da rotina no ambiente doméstico tiveram consequências para o trabalho: 62% dos profissionais estão mais ansiosos e estressados com o trabalho do que estavam antes, segundo um estudo do LinkedIn com 2 mil profissionais, realizado em abril.
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Esta situação trouxe oportunidades para a Vittude, empresa de terapia online liderada por Tatiana Pimenta. O número de clientes corporativos da startup saltou de 20 para mais de 80 desde março, e o número de vidas beneficiadas pelos contratos com empresas é dez vezes maior do que antes da crise. Para dar conta do aumento na procura, a equipe, que antes era de 13 pessoas, passou dos 50 colaboradores.
Uma pesquisa do jornal “The Lancet” sugere que o impacto na saúde mental causado pelo SARS ou MERS – dois tipos de coronavírus parecidos com o que causa a Covid-19 – duram ao menos três anos após a recuperação física do paciente. Nessa linha, Tatiana prevê que a demanda por serviços de terapia online deve continuar por anos, mesmo depois que a crise atual for superada. Segundo a fundadora, isso se deve a dificuldades relacionadas ao luto de milhares de mortes pelo novo coronavírus, além de fatores como o aumento do consumo de álcool, obesidade decorrente da compulsão alimentar e o transtorno obsessivo compulsivo desencadeado pela compulsão com a higienização das mãos.
Atentas a estas tendências e a evidências de que a saúde mental de seus colaboradores está relacionada à performance, empresas têm buscado investir em programas de saúde mental e bem-estar. Segundo um estudo da consultoria PwC, com mais de 1.400 pessoas, demonstrou que funcionários felizes são três vezes mais criativos, 31% mais produtivos e chegam a vender 37% mais que seus pares menos felizes. Este mesmo estudo estabeleceu uma correlação entre saúde mental e a eficácia das equipes e a qualidade das relações com os clientes, além de sucesso organizacional em geral.
A Forbes conversou com a CEO da Vittude sobre saúde mental na pandemia e as impressões da fundadora sobre a procura em serviços de terapia online. Confira, a seguir, os melhores momentos da conversa:
Forbes Brasil: Por que a crise da Covid-19 tem impactado o estado de saúde mental das pessoas de forma tão severa?
Tatiana Pimenta: Já se passaram quase sete meses desde que a OMS declarou que o mundo estava diante de uma pandemia de coronavírus. Até esta data nenhum ser humano vivo na atualidade havia experimentado uma crise sanitária de tamanha proporção. Diversos países anunciaram um lockdown, enquanto outros achavam que era somente uma “gripezinha”. Estes últimos, no entanto, viram os números de contágio e mortes escalarem rapidamente.
Junto com o início do alvoroço da Covid-19, uma epidemia silenciosa começava a dar seus sinais. Diante de um cenário incerto, o medo, a angústia, a impotência e diversos outros sentimentos se fazem presentes na vida de boa parte das pessoas do planeta.
Não era somente com o coronavírus que precisaríamos nos preocupar. Seria preciso desenvolver muita flexibilidade emocional para evitar a avalanche de doenças mentais que se aproximava.
FB: Quais serão os desdobramentos da pandemia para a saúde mental no longo prazo?
TP: O “efeito Covid” vai impactar diretamente pessoas, negócios e a nova realidade do mercado de trabalho. A busca por terapia online continuará crescendo, acompanhando a demanda e uma maior abertura da sociedade para debater amplamente questões antes varridas para debaixo do tapete.
Há anos a OMS alerta para uma perda trilionária ocasionada pela falta de cuidados com a saúde mental dos colaboradores. O Fórum Econômico Mundial chegou a declarar que não tratar doenças como ansiedade e depressão custavam à economia global US$ 1 trilhão anualmente.
Mas foi preciso uma pandemia surgir para que muitos se dessem conta da importância dessa discussão. Não restam mais dúvidas de que a temática da saúde mental ganhou prioridade na pauta não apenas dos veículos de comunicação, mas também das famílias e das empresas de modo geral.
Cuidados assistenciais sempre foram mais caros que a atenção primária, mas foi a Covid que conseguiu trazer à tona a urgência do investimento em cuidado preventivo.
FB: O aumento nas buscas por terapia pode ser um indício de que há menos resistência em relação a este tipo de serviço?
TP: De todas as pesquisas, números e publicações sobre o tema, o que me deixa esperançosa por um futuro melhor é perceber que as buscas por termos como terapia online seguem crescendo.
Esse fato, por si só, demonstra que estamos caminhando para um contexto de menor preconceito. Nunca consegui entender porque tantas pessoas investem dinheiro em dietas, academias, procedimentos estéticos e esquecem da peça mais importante do corpo: o cérebro.
Nossa mente é responsável por uma série de funções cognitivas e executivas como aprendizagem, memória, atenção, concentração, foco, criatividade e tantas outras coisas. Sem uma mente saudável o corpo padece. Um organismo submetido ao estresse crônico, por exemplo, apresenta todo tipo de fadiga, das emocionais às físicas, como dor de cabeça, gastrite, problemas de pele e até doenças autoimunes.
Nosso corpo e mente são máquinas como quaisquer outras. Precisam de parada, manutenção preventiva e cuidado. É preciso lubrificar, trocar o óleo, parar para a revisão periódica assim como fazemos com os carros. Quando não fazemos isso, literalmente “bugamos”.
Se é que podemos olhar esta pandemia com uma perspectiva positiva, com certeza eu diria que essa disparada nas buscas por terapia online é uma delas. Além de ser uma pequena amostra de que o tabu aos poucos vai sendo derrubado, também demonstra que o cuidado ficou mais acessível com a transformação digital.
Angelica Mari é jornalista especializada em inovação há 18 anos, com uma década de experiência em redações no Reino Unido e Estados Unidos. Colabora em inglês e português para publicações incluindo a FORBES (Estados Unidos e Brasil), BBC e outros.
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