Criptomoedas, blockchain e multiverso: jogos online abraçam tecnologias como mecanismo de incentivo

30 de setembro de 2021
Getty Images

O blockchain possui SDKs (Software Development Kit), um conjunto de ferramentas que permite a criação de aplicativos e a interação entre eles

O conceito de multiverso, uma mistura de universos, já é conhecido de fãs de filmes de ficção. Recentemente, chegou também ao mundo dos jogos online, por meio do uso de blockchain. Uma das vantagens deste recurso é permitir que um jogador possa utilizar um mesmo artefato em jogos de produtoras diferentes. Mas, pelo foco de finanças, o que chama a atenção é a possibilidade de ganho financeiro ao se jogar os chamados criptogames.

Victor Hugo, de 23 anos, é um dos jogadores desses criptogames. Ele deu o primeiro passo no Axie Infinity, um videogame online baseado em NFT (Non-fungible token), ou artes digitais únicas e criptografadas, em que usuários criam equipes de axies (personagens) para duelar com outros jogadores.

Ele conta que começou a jogar com o amigo Luiz Felipe, de 24 anos. Juntos investiram R$ 11 mil para comprar a primeira equipe de personagens. “O investimento para começar [a jogar] era muito caro, então resolvi dividir uma conta com ele”, diz Hugo. Após um cinco meses jogando cerca de duas a três horas por dia, ele recebeu o retorno dos R$ 5,5 mil que havia aplicado para brincar inicialmente, e decidiu jogar sozinho, sem Felipe, já agora, em setembro. “Usamos esse montante para comprar um novo time. Cada um ficou com o seu e seguimos nossa estratégia de forma individual”.

Arquivo pessoal

O time de axies de Victor Hugo custou R$ 5,5 mil

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Foi o investimento em criptomoedas que levou Hugo a esse tipo de jogo. No começo, ele investiu no ativo por meio de corretoras. “Já aportei aproximadamente R$ 6 mil desde janeiro (quando fez o primeiro investimento) em bitcoin e ethereum”, diz, se referindo a duas criptomoedas. Ao perceber que poderia misturar os seus dois maiores hobbies, investir e jogar videogame, conta que não pensou duas vezes e baixou o Axie Inifiny.

O jogador diz que, sozinho, terá uma nova estratégia. “Agora, usarei das minhas próximas receitas, dividindo 50% em ETH [ethereum] e 50% na própria criptomoeda do jogo [a AXS], e pensando em uma valorização futura e de longo prazo.” O jogo permite que os usuários saquem o retorno financeiro a cada 15 dias.

De acordo com o site de análise de criptomoedas CoinmarketCap, entre 1º de setembro e quarta-feira, o ETH se caiu 9,45%, e estava custando ontem (29), às 14h41, horário de Brasília, US$ 2.844,48, enquanto o AXS tombou 20,62% no último mês, e está cotado no mesmo horário, a US$ 73,86.

A estratégia de gerar retorno financeiro para os jogadores faz parte de um mecanismo de incentivo, diz Tatiana Revoredo, professora do Insper. Segundo ela, a escolha por usar uma criptomoeda conhecida, como bitcoin, ou criar a própria cripto, é apenas uma escolha dos desenvolvedores para definir o modelo de negócio.” “Quanto mais jogadores usam as criptomoedas para jogar, maior a valorização da moeda digital, o que gera um melhor retorno financeiro, tanto para os desenvolvedores que cobram uma taxa nas transações financeiras, quanto para a rentabilidade dos usuários”, destaca.

O Axie Infinity, por exemplo, em 23 de setembro, mudou a taxa de criação dos monstros Axies, diminuindo o uso da cripto AXS de duas para uma. Considerando a cotação de ontem, ao invés de pagar US$ 147,72, o usuário pagará US$ 73,86 para comprar um personagem.

Ao mesmo tempo, a vantagem em usar essa tecnologia para os desenvolvedores é que os jogadores conseguem comprar e vender seus produtos em diferentes plataformas. “Antes, só conseguiam realizar compras de artefatos ou vestimentas de personagens na plataforma em que jogo está rodando”, aponta Igor Hosse, professor da Universidade Anhembi Morumbi. “Isso chama ainda mais a atenção do público.”

Por exemplo, há anúncios de monstros axies na internet por R$ 1 mil. “Essa possibilidade existe porque os personagens são NFTs e possuem um código único em que podem ser comercializados”, diz Tatiana.

Interoperabilidade

A professora do Insper informa que essa possibilidade de uso de um artefato de um jogo A em um jogo B é conhecida como “interoperabilidade”. É algo que já existia entre jogos de uma mesma distribuidora. Por exemplo, se um jogador baixar Hearthstone, da Blizzard, pode ter a chance de ganhar um cavalo para usar como meio de transporte em WOW (World of Warcraft), que também é da Blizzard.

“O blockchain, por criar uma padronização no desenvolvimento de um jogo, possibilita que usuários usem produtos em games de diferentes produtoras”, diz Tatiana. O blockchain possui SDKs (Software Development Kit), um conjunto de ferramentas que possibilita a criação de aplicativos que interajam entre si. “E é dessa forma que usuários utilizam os mesmos ícones em diversos jogos”, explica Igor Hosse, professor da Universidade Anhembi Morumbi. “Se um usuário gostar de uma espada flamejante com bons danos de ataque ou da vestimenta de um avatar, agora poderá usar esses objetos em vários jogos”, diz.

O risco existe

De acordo com a professora do Insper, porém, “se um desenvolvedor criar um jogo, mas não criar um design que estimule a participação de novos usuários, a quantidade de players pode diminuir e, consequentemente, desvalorizar a criptomoeda”.

“Eu reconheço 100% o risco e sei que literalmente do dia para a noite o investimento que eu fiz [de R$ 5,5 mil] pode acabar totalmente”, afirma Hugo. “Mas eu acredito que não vai acontecer [com o Axie Infinity]”. Entre 4 de setembro e 21 de setembro, a AXS caiu 45,20%

Apesar da sensação de especulação dentro de um jogo, o professor da Anhembi Morumbi ressalta que há mecanismos diferentes entre os criptogames e os jogos de azar. Ele cita o artigo científico “Ethereum Crypto-Games: Mechanics, Prevalence and Gambling Similarities” (Ethereum Crypto-Games: Mecânica, Prevalência e Similaridades no Jogo, em tradução livre) publicado em outubro de 2019. No texto, os estudantes da Universidade de York, na Inglaterra , afirmam que os jogos de azar são aqueles que oferecem um tipo de sorteio e, assim, impõem o risco de ganho ou perda. Além disso, envolvem o psicológico do usuário, ou seja, criam a expectativa, em algum momento, de ganho financeiro. O cliente, por sua vez, acaba colocando mais recursos, em uma expectativa constante de retorno positivo.

Já os jogos vinculados a criptomoedas são diferentes. O preço da moeda digital pode variar de acordo com a oferta e a demanda relacionadas ao ativo. Essa variação se dá por meio dos jogadores, que utilizam as criptos para realizar aquisições no jogo, e possuem uma carteira virtual, “como se fosse um software que permite realizar transações eletrônicas em uma rede de cripto, [como o blockchain ethereum]”, afirma a pesquisa.

Anti-hackers

Tatiana explica que o blockchain é um sistema extremamente difícil de ser hackeado, “porque, diferentemente de um banco em que os dados são armazenados em um único local que um hacker precisa invadir, com o blockchain é como se existissem diversos locais [de armazenamento] ao redor do mundo e, assim, o invasor precisaria ter um aparelhagem técnica muito avançada para hackear o sistema.”

Ela destaca, porém, que o risco maior é a carteira digital, lugar onde o jogador guarda suas criptos. Para a professora do Insper, as formas de se proteger são “usar um computador para jogar e outro para as atividades pessoais, certificar de que o jogo está rodando em um blockchain de confiança e que o sistema está consolidado no mercado.”

O Axie Infinity, por exemplo, utiliza as carteiras digitais Ronin Wallet e MetaMask, e o blockchain ethereum.

Hosse enxerga um futuro promissor para o mercado de video-games. “Principalmente os jogos que oferecem a venda de itens, migrar para um sistema que facilita as transações financeiras e atrai mais jogadores pode ser um bom caminho para o futuro. Vale destacar que um desenvolvedor pode criar seu jogo em plataformas diferentes e rodar apenas as transações financeiras com a tecnologia blockchain.”

A Forbes separou seis jogos que utilizam a tecnologia blockchain para funcionar e operam com diferentes criptomoedas.

Axie Infinity Criptomoeda: AXS Blockchain: ethereum Axie Infinity consiste em um jogo multiplayer em que o usuário precisa criar times de três axies (nome dos personagens) para participar de duelos, semelhante ao jogo Pokémon. O jogador consegue ganhar criptos AXS ao completar determinadas missões e jogar aproximadamente duas horas e meia por dia. “Caso você jogue além desse período, o jogo não te dá um retorno financeiro”, explica Hugo. more
CryptoKitties Criptomoeda: ether Blockchain: ethereum CryptoKitties é um jogo online em que o usuário pode comprar, vender, coletar e criar diferentes modelos de gatos virtuais. Por consistir em NFTs, todos os animais possuem características únicas, ou seja, é impossível dois usuários terem o mesmo gato. O objetivo do jogo é conseguir gatos com as características mais raras possíveis. more
Decentraland Criptomoeda: mana Blockchain: ethereum Decentraland é a representação da vida real, parecido com o jogo The Sims. Os jogadores podem interagir, criando, vendendo e comprando objetos utilizando a criptomoeda Mana. more
Sorare Criptomoeda: ether Blockchain: ethereum Sorare é um jogo de futebol online, em que os jogadores compram, vendem e trocam cartas que representam jogadores de futebol. Os usuários, como dirigentes, compõem times virtuais de cinco jogadores. As equipes são classificadas com base no desempenho de seus jogadores na vida real, semelhante ao jogo Cartola FC. more
Plant vs Undead Criptomoeda:PVU Blockchain: Binance Smart Chain Plants vs, Undead é um jogo semelhante ao famoso Plants vs. Zombies. Nele, o usuário utiliza a criptomoeda PVU para comprar itens como sementes e plantas, pois, o objetivo é conseguir destruir todos os inimigos mortos-vivos. more
My Crypto Heroes Criptomoeda: MCHC Blockchain: ethereum My Crypto Heroes é um jogo de batalha RPG em que os usuários podem encontrar itens raros e lutar contra outros jogadores. Os personagens podem ser agricultores, criadores de skins (roupas dos personagens do jogo), comerciantes e guerreiros. more

 

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