Caixa cheio e projetos a todo vapor fortalecem empresas de carbono

14 de junho de 2022
Foto: Sakorn Sukkasemsakorn/ Getty Images

Mercado de carbono neutro cresceu nos últimos anos.

O mercado de carbono existe há 30 anos, mas foi nesta última década que uma profusão de negócios surgiu e as operações de créditos de carbono tomaram a forma que vemos atualmente: desde grandes corporações buscando neutralizar suas operações até pessoas físicas querendo soluções para suas próprias emissões.

Os créditos de carbono são uma unidade de referência certificada por auditorias independentes, que comprovam que um projeto sustentável evitou a emissão ou removeu da atmosfera uma tonelada de CO2 (dióxido de carbono). A compra e venda desses créditos existe desde meados da década de 1990.

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Especialistas envolvidos no meio afirmam ser difícil apontar qual foi o ponto de virada que causou o aumento do interesse nesse mercado, mas citam o acesso às informações na internet e as mudanças climáticas mais palpáveis (fortes ondas de frio e de calor em diversos países, enchentes, furacões e tempestades mais frequentes) como um bom palpite.

“Hoje, empresas são pressionadas por todos os lados, de acionistas a consumidores, para tomarem responsabilidade sobre suas operações que prejudicam o clima do planeta. Parece que o mundo acordou e se deu conta de que teremos problemas sérios se nada for feito a respeito”, diz Janaína Dallan, presidente da Aliança Brasil em Soluções Baseadas na Natureza e fundadora da Carbonext.

Seja por pressão dos investidores ou por interesse próprio, o fato é que muitas empresas começaram a buscar alternativas para seus negócios serem mais sustentáveis. Um dos caminhos passa pela mitigação da emissão de CO2 acompanhada pela neutralização da produção remanescente.

Nesse ponto entra a atividade do mercado de carbono. Dividido entre mercado voluntário e mercado regulado, este último é uma iniciativa liderada por países que desenvolveram instrumentos e políticas próprias para a redução de suas emissões. Já o mercado voluntário é gerido pelo setor privado.

Criado após o protocolo de Kyoto, o mercado voluntário tem por princípio as chamadas Reduções Voluntárias de Emissões (VERs, em inglês), que são metas de carbono neutro criadas pelas companhias para suas compensações. Em 2020, os mercados voluntários de carbono geraram uma redução de cerca de 100 milhões de toneladas de CO2 da atmosfera e movimentaram cerca de US$ 300 milhões (R$ 1,53 bilhão).

Com o crescimento do interesse das empresas, da sociedade civil e da pressão internacional sobre o assunto, a expectativa é que o volume de redução do carbono por esse mercado chegue a 2 bilhões de toneladas de CO2 até 2030, com investimentos na ordem de US$ 30 bilhões (R$ 150 bilhões).

Para atender essa demanda, algumas empresas que já trabalhavam com projetos de mitigação das mudanças climáticas se reinventaram, enquanto outras estão surgindo.

Repaginada completa

Janaína Dallan já trabalhava com projetos para geração de créditos de carbono quando esse mercado surgiu, no início dos anos 2000. Depois de passar por consultorias internacionais e adquirir experiência na área, em 2010 ela voltou para o Brasil e fundou a Carbonext.

O objetivo era desenvolver projetos próprios de preservação e recuperação da Amazônia por meio da venda dos créditos. No início, Dallan teve que lutar pela sobrevivência da própria empresa também. “Os créditos valiam centavos de dólares naquele começo, muitos projetos ficaram congelados porque não se pagavam e tive que sobreviver com um ou outro que se sustentava”, conta.

Até que em 2019, Luciano Corrêa da Fonseca, irmão de Dallan, viu potencial no negócio e se juntou a ela na liderança da Carbonext. Com experiência no mercado financeiro e estruturação de empresas, Fonseca reorganizou a casa, criou setores estratégicos e aproveitou o momento de ebulição do tema.

Por meio de uma rodada série A, a empresa ainda captou US$ 5 milhões (R$ 25 milhões) no ano passado para escalar os projetos.

Outras companhias já estruturadas na área também passaram por reformulações e investimentos nos últimos anos. A Biofílica, de 2008, surgiu no mesmo momento de mercado que a Carbonext e também demorou a deslanchar.

Janaína Dallan e Luciano Fonseca, da Carbonext.

“Havia muita expectativa em torno do tema, mas isso não se materializou na realidade financeira. A gente conseguia gerar créditos, mas não tinha comprador, as empresas na ponta não se interessavam pelo assunto ainda”, diz Plínio Ribeiro, fundador e CEO da Biofílica.

Nesse meio tempo, a empresa participou de processos acadêmicos e regulatórios para estruturar metodologias de auditoria dos projetos, padrões de certificações, regulamentos para criação de selos, entre outras atividades para estruturar o mercado de carbono brasileiro.

Demorou para a Biofílica conseguir colocar projetos maiores de pé, mas seus maiores clientes sempre foram os estrangeiros, principalmente da Europa. Com isso, depois do Acordo de Paris, celebrado em 2015, o negócio melhorou.

Em 2021, a Biofílica vendeu 54% do seu capital social para a Ambipar (AMBP3). Segundo Ribeiro, essa nova sociedade foi fundamental para aumentar o potencial de desenvolvimento de projetos da empresa. A expectativa é por quintuplicar as áreas sob gestão e elevar para 10 milhões a quantidade de carbono sequestrado ou mitigado pela Biofílica.

Projetos em ação

Se em 2010 os créditos valiam centavos de dólares, como conta Dallan, em 2020, o preço de um crédito de carbono já estava na casa de US$ 3 (R$ 15). Ao longo de 2021, os ativos se valorizaram e chegaram em 2022 próximos aos US$ 12 (R$ 61) — uma disparada de quatro vezes em cerca de dois anos.

Pioneiras no desenvolvimento de projetos no Brasil, Corbonext e Biofílica surfaram a onda dessa valorização. Hoje, cada uma trabalha com cerca de 2 milhões de hectares de áreas preservadas, com foco em projetos de conservação REDD+ (Redução de Emissões provenientes de Desmatamento e Degradação Florestal), principalmente em regiões da floresta Amazônica.

“Não é qualquer área florestal que serve para um projeto de conservação. Os locais que gerimos são pontos de risco de desmatamento, próximos de rios ou rodovias que facilitam o acesso. Existem áreas longínquas da mata que não se enquadram nesse critério e por isso não fazem sentido para um projeto que visa preservar”, diz Fonseca.

Segundo ele, atualmente, cerca de 150 milhões de hectares da Amazônia estão sob ameaça de desmatamento. É essa região que ambas as empresas visam proteger por meio de parcerias com os donos das áreas..

O desenvolvimento de um projeto pela Carbonext começa com um acordo com o dono da área, que cede o território por um prazo de dez anos em troca de metade do valor obtido com os créditos de carbono. Então é feito o cálculo de quanto pode ser preservado daquele espaço e qual o melhor projeto a ser desenvolvido na região.

“Existem metodologias de referência para a escolha do projeto, que precisa ser encaminhado para aos auditores e ao órgão regulador para garantir que está tudo dentro das regras”, diz Fonseca. A Carbonext acompanha cada projeto por meio de uma central 24 horas que vigia as regiões através de satélites.

Cada hectare em que se evitou o desmatamento corresponde a uma quantidade de crédito de carbono produzido pela preservação da floresta, é assim que a Biofílica e a Carbonext contabilizam os créditos de cada projeto.

A preservação da floresta também passa pelo desenvolvimento das comunidades naquele local. Por isso, as empresas também trabalham o fomento de uma atividade econômica para a população, como a extração de açaí, castanha do Pará, látex, entre outras possibilidades que permitam o crescimento sustentável.

Foto: Divulgação/ Biofílica Ambipar

Plínio Ribeiro, fundador da Biofílica.

Possibilidades à vista

Além dos projetos de conservação REDD+, o aumento no valor do crédito de carbono no mercado internacional trouxe novas possibilidades para o mercado. Uma delas são soluções baseadas na natureza, como o foco em restauração das florestas (ARR), novos modelos de agricultura (ALM) e restauração dos ecossistemas marinhos (Blue Carbon).

Henrique Pereira, co-fundador da WayCarbon, explica que são projetos mais caros e que precisam ter algum lucro relacionado para que os donos de áreas em risco troquem os ganhos de um negócio que polui por um que preserva e gera créditos de carbono.

“A base do problema e da solução está no preço do carbono. Projetos de reflorestamento custam muito caro, com o preço do crédito lá em cima fica mais fácil competir por áreas que estão sendo usadas para plantar soja, por exemplo”, diz Pereira.

Fundada em 2006, a WayCarbon é especializada no desenvolvimento de projetos sustentáveis para indústrias, e tem iniciativas como troca de frotas, de energia para adesão de modelos eólicos e solares, e de planos de conservação de áreas de mangue e florestais.

Atualmente, o foco da empresa mudou para projetos no setor do agronegócio após a compra da WayCarbon pelo banco Santander Brasil (SANB11). “Reforçamos nossa posição de caixa. Com isso, nosso objetivo é focar o mercado de carbono no solo, com soluções para manejo de pastagem, produção de biogás, tecnologia com metano e hidrogênio verde, de maneira difusa”, afirma Pereira.

Por meio do programa Amigos do Clima, que calcula, projeta e neutraliza as emissões de uma empresa, a Waycarbon já compensou 7,95 milhões de toneladas de CO2.

Hoje, a Amazônia ocupa 60% do território nacional, mas gera menos de 10% do PIB do País. Com a valorização dos créditos de carbono e aumento no número de projetos, a expectativa da WayCarbon é de que o Brasil lidere e alcance até 37,5% da demanda global do mercado voluntário até 2030.

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