Não se sabe ao certo qual jornalista norte-americano – Dan Rottenberg em 1980, Joseph Epstein em 1982 ou Bob Greene em 1983 – usou a expressão yuppies pela primeira vez para retratar os jovens que trabalhavam no mercado financeiro e corporativo de Nova York. Yuppie é uma abreviação para Young Urban Professional. Independentemente dos estereótipos fabricados pelo cinema, a geração de jovens executivos das cidades grandes dos EUA moldou alguns hábitos da sociedade.
Trabalhando em Wall Street, os yuppies se espalharam por várias regiões de Manhattan: Lower East Side, East Village, SoHo, TriBeCa, Midtown. E com eles chegou um novo estilo de vida, livremente hedônico, que se permitia apreciar o que pode existir de melhor.
Mas, como toda cidade, NYC também é um organismo vivo. Após o ataque às Torres Gêmeas (que eram um símbolo yuppie) e a crise econômica de 2008, o tabuleiro da Big Apple foi remexido. As sedes de muitas empresas e bancos que ficavam no Financial District (ou FiDi), em Lower Manhattan, foram transferidas para Midtown. O Brooklyn e o Harlem ganharam o gosto de turistas e potenciais moradores. E Hell’s Kitchen, pela sua posição privilegiada entre o rio Hudson e a Broadway, agora é o bairro queridinho dos artistas e pensadores nova-iorquinos.
No livro “Morte e Vida de Grandes Cidades”, de 1961, a urbanista americana Jane Jacobs já abordava o conceito de cidade como um sistema dinâmico e mutável, com espaços vivos, sugerindo que, ao longo do tempo, edifícios, ruas e vizinhanças funcionavam como organismos ativos, mudando em resposta à forma como as pessoas interagem com eles.
Nesse rearranjo urbano, o FiDi desponta como a bola da vez. O bairro se reinventou. O Charging Bull ganhou a companhia da corajosa Fearless Girl, o Battery Park foi redescoberto, o Pier 15 deu um toque praiano à região. E, como ponto alto da transformação, está o One World Trade Center, símbolo da resistência contra o terror e que tem aos seus pés a estação de metrô Oculus, mais uma obra de arte de Santiago Calatrava.
Essas novidades e a vacância nos prédios comerciais atraíram moradores. Alguns edifícios de escritórios foram transformados em residenciais, outros foram implodidos e deram lugar a conjuntos de apartamentos hipervalorizados. Um apartamento de 255 metros quadrados no icônico One Wall Street, inaugurado em 1931 como torre empresarial e transformado em residencial recentemente, pode chegar ao valor de venda de US$ 10,5 milhões, por exemplo. E certamente abriga os… yuppies renascidos do século 21.
O resultado? Serviços novos chegando à região, o delivery não é mais só para atender workaholics trabalhando até tarde da noite, ruas movimentadas aos finais de semana e turistas passando mais tempo e gastando mais dinheiro no local. Segundo o US Census de 2020, o número de moradores em Lower Manhattan aumentou 34% – é o maior crescimento em Manhattan e o quarto maior de NYC, atrás somente de Long Island, Williamsburg e Downtown Brooklyn-Dumbo-Boerum Hill.
Quando olhamos para São Paulo, vemos um bairro passando por momentos semelhantes. E não é o centro velho, onde fica a sede da Bolsa de Valores, tampouco a avenida Paulista.
O nosso FiDi é o Itaim Bibi, cravado na divisa entre as zonas oeste e sul. Na região, primeiro chegaram os bancos, depois as corretoras. E o fluxo de lançamentos residenciais passou a ser frenético na região. Entre 1994 e 2019, foram construídos 10 milhões de metros quadrados no bairro. E entre as 15 ruas mais valorizadas da cidade, três estão no Itaim Bibi: Rua Leopoldo Couto Magalhães Júnior, Rua Clodomiro Amazonas e Rua Doutor Mário Ferraz.
Os farialimers, que eu gosto de chamar de bruppies (os yuppies brasileiros), assim como os bancos e corretoras, chegaram primeiro para trabalhar e depois se mudaram para o Itaim, pois assim ficam perto de seus escritórios. O Itaim Bibi atrai moradores também por ter uma localização estratégica, rodeado pelas regiões que abrigam o meio corporativo, todas acessíveis em poucos minutos. Ao sul, Vila Olímpia e o eixo Berrini-Chucri Zaidan; ao leste, os jardins, avenida Brasil e avenida Paulista; ao norte, a continuidade da Faria Lima, o Jardim Paulistano e o Jardim Europa; e, ao sudeste, Moema e o aeroporto de Congonhas.
A transformação no bairro é nítida: nos últimos anos, o Itaim Bibi recebeu novidades que já são um marco na cidade. Edifícios com projetos arrojados como o Pátio Malzoni, que preservou a Casa Bandeirista e ainda deu para a cidade um gramado onde os executivos relaxam após o almoço, e o Faria Lima 3.500, com sua fachada inclinada que reflete a avenida. Restaurantes únicos na cidade, como o Trattoria Fasano, Nino Cucina & Vino, Ohka e Ohkinha e o Bar Espírito Santo. O Parque do Povo, inaugurado em 2008, e a ciclovia da Faria Lima, que liga o parque do Ibirapuera ao Villa-Lobos. E, mais recentemente, a Arena XP, que possui quadras para beach tennis e outros esportes que podem ser realizados ao ar livre, além de contar com restaurante, bar e área para shows e diversos eventos.
O “condado”, como é conhecido o pedaço das avenidas Faria Lima e Juscelino Kubitschek, nos mostra, assim como o Financial District, que não dá mais para separar as grandes cidades em regiões “para morar” e “para trabalhar”. E que é essa mistura que faz os hábitos virarem tendência – como mostram os coletes e jaquetas de nylon e o consumo de negroni em toda a cidade.
Marcelo Alcântara é formado em administração de empresas. Sócio-diretor da Esquema Imóveis, marca da imobiliária de alto padrão de São Paulo, e sócio fundador da Innova Gestão de Propriedades.
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