Vinod Adani, o irmão mais velho e menos conhecido do presidente do conglomerado, é mencionado 151 vezes – mais do que qualquer outra pessoa. Isso porque Vinod Adani parece estar no centro do escândalo que envolveu seu irmão, o império da família Adani, os negócios indianos e a vida política.
Segundo o relatório de Hindenburg, Vinod “gerencia um vasto labirinto de empresas de fachada offshore” que “coletivamente moveram bilhões de dólares para companhias indianas de capital aberto e privadas, muitas vezes sem a divulgação obrigatória da natureza das partes relacionadas dos negócios”. Isso, por sua vez, ajudou o Adani Group a burlar as leis indianas que exigem que pelo menos 25% das ações negociadas em bolsa sejam de propriedade de não-insiders.
No entanto, a Forbes identificou transações não declaradas anteriormente envolvendo fundos offshore vinculados a Vinod Adani que parecem destinados a beneficiar o Adani Group. Os acordos também dão mais credibilidade às alegações de Hindenburg de alavancagem oculta e irregularidades contábeis dentro do Grupo Adani.
“Sempre pensei que fosse uma parceria”, diz Tim Buckley, diretor da empresa de análise Climate Energy Finance, com sede na Austrália, que estudou o Grupo Adani e seus planos de desenvolver uma mina de carvão na Austrália. “Gautam era o rosto público caloroso, fofinho e amigável da dupla, e Vinod, o mentor do paraíso fiscal privado, o verdadeiro mestre das marionetes.”
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Algumas das negociações de Vinod com o Grupo Adani estão à vista. No verão passado, uma das empresas de Vinod, a Endeavor Trade and Investment Ltd., serviu como veículo de aquisição do Adani Group para a compra de participações da empresa suíça Holcim nas empresas indianas de cimento Ambuja Cements Limited e ACC Limited, por US$ 10,5 bilhões (R$ 54,25 bilhões), conforme o documento público da Ambuja. O acordo transformou o Adani Group na segunda maior empresa de cimento da Índia.
Outros negócios são mais obscuros. Veja, por exemplo, a Pinnacle Trade and Investment Pte. Lte., uma empresa de Cingapura controlada indiretamente por Vinod. Em 2020, a Pinnacle celebrou um contrato de empréstimo com o VTB, banco estatal da Rússia (que os EUA sancionaram no ano passado). Em abril de 2021, a Pinnacle havia emprestado US$ 263 milhões (R$ 1,36 bilhão) e, em seguida, emprestou US$ 258 milhões (R$ 1,33 bilhão) a uma parte relacionada não identificada. Mais tarde naquele ano, a Pinnacle ofereceu dois fundos de investimento – Afro Asia Trade and Investments Limited e Worldwide Emerging Market Holding Limited – como fiadores do empréstimo, segundo os registros de Cingapura.
Vinod parece possuir o último fundo: ele é o beneficiário final da Acropolis Trade and Investments Limited, com sede em Mauritius, que por sua vez possui 100% da Worldwide Emerging Market Holding Limited, conforme os registros da bolsa de valores indiana em junho de 2020 e agosto de 2022.
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Afro Asia Trade e Worldwide não possuem nenhum outro título, segundo o site de rastreamento de investimentos Trendlyne. Isso significa que o empréstimo da Pinnacle é garantido, efetivamente, pelo valor dos fundos das ações das empresas Adani. Nenhum dos dois fundos divulgou compromisso de ações (uma das opções de empresas para obter empréstimos) em registros financeiros indianos para as quatro empresas da Adani nas quais estão investidos.
“Você está basicamente pegando dinheiro emprestado com base nos fundos investidos na Adani para emprestar a talvez outra entidade da Adani”, disse um especialista indiano em valores mobiliários que revisou as descobertas da Forbes e pediu para permanecer anônimo, devido à investigação em andamento no Conselho de Valores Mobiliários da India (SEBI) sobre o caso Adani Group. Em um processo do SEBI com a Suprema Corte indiana relatado pela Reuters, o regulador declarou que estava “investigando as alegações feitas no relatório Hindenburg, bem como a atividade do mercado imediatamente antes e depois da publicação do relatório.”
Enquanto Gautam Adani é a face pública do império Adani, Vinod mantém um perfil discreto. Uma das poucas fotos públicas de Vinod mostra ele portando uma placa, endereçada a si mesmo, exibindo uma bandeira indiana. Portador de passaporte cipriota (relativo à ilha de Chipre) e residente permanente em Cingapura, Vinod atende por vários nomes, incluindo Vinod Shantilal Shah. Sua data de nascimento permanece um mistério.
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Ainda assim, é difícil separar a fortuna pessoal de Vinod da de Gautam, e ele pode valer muito mais. Segundo dados imobiliários fornecidos pelo centro sem fins lucrativos de Washington para Estudos Avançados de Defesa, Vinod também possui dez propriedades em Dubai. Depois, há seu apartamento em Cingapura (registrado em seu nome nos arquivos da Pinnacle), no valor estimado de US$ 4 milhões (R$ 20,67 milhões). A Forbes descobriu que Vinod possui ou foi associado a pelo menos 60 entidades em paraísos fiscais offshore, incluindo Bahamas, Ilhas Virgens Britânicas, Ilhas Cayman, Chipre, Maurício, Cingapura e Emirados Árabes Unidos.
Vinod vive no exterior há pelo menos três décadas. De acordo com um editorial patrocinado no Economic Times da Índia, ele obteve um mestrado em engenharia nos Estados Unidos e, em seguida, montou uma empresa têxtil em Mumbai, em 1976. Na década de 1980, Vinod comprou uma pequena fábrica de embalagens plásticas por US$ 1.000 (R$ 5.166), usando suas economias e um empréstimo bancário, e trouxe seu irmão mais novo, Gautam, para ajudá-lo a administrar. “Começamos praticamente do zero”, disse Gautam à Forbes em 2009.
Em 1989, Vinod expandiu sua empresa para o comércio de commodities e abriu um novo escritório em Cingapura, mudando-se posteriormente para o estado insular. Em 1994, mudou-se para Dubai, onde iniciou a comercialização de açúcar, petróleo e metais, com operações em Dubai, Cingapura e Jacarta, na Indonésia.
Enquanto Vinod se expandia para Dubai, Gautam embarcava em sua própria carreira, fundando o que se tornaria o Grupo Adani em 1988, e tornando-o público em 1994. Ao longo dos anos, Vinod esteve profundamente envolvido nos negócios de seu irmão: ele ocupou vários cargos executivos nas empresas do grupo até pelo menos 2011, de acordo com o relatório Hindenburg. O filho de 44 anos de Vinod, Pranav, ainda é diretor administrativo da Adani Enterprises.
Em um escândalo de 2014 em torno do suposto superfaturamento de equipamentos de usinas elétricas do Grupo Adani, no valor de US$ 800 milhões (R$ 4,13 bilhões), Vinod foi acusado pela Diretoria de Inteligência de Receitas da Índia de ter trabalhado com funcionários do Grupo Adani para “executar a conspiração planejada de desviar divisas para o exterior.” Esse caso, inicialmente descartado, foi apelado e ainda está pendente perante as autoridades alfandegárias da Índia; o Grupo Adani negou todas as irregularidades.
“Não é incomum em grupos de empresas familiares haver um irmão mais visível e um irmão menos visível”, diz Vikramaditya Khanna, professor de direito na Universidade de Michigan e codiretor do Joint Center for Global Corporate e Financial Law and Policy, uma colaboração entre a Michigan Law e a Jindal Global Law School da Índia. “Parte disso é a personalidade. Onde alguém se sente confortável operando e quais são suas habilidades relativas? Algumas pessoas gostam de ficar ao sol, outras gostam de ficar na sombra.”
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Até 2012, a Adani Infrastructure and Developers era uma subsidiária da Adani Enterprises, de capital aberto. Mas na época dessas transações, em junho de 2012, a Adani Enterprises aparentemente vendeu a Adani Infrastructure and Developers, registrando um ganho de US$ 81,5 milhões (R$ 421 milhões) de acordo com o relatório anual de 2013 da Adani Enterprises. Quatro anos depois, a empresa reapareceu nos relatórios anuais da Adani Enterprises, desta vez como uma “empresa relacionada”.
“O fato de a Adani Infrastructure and Developers reaparecer nos balanços da maneira que apareceu levanta a questão de saber se essa foi uma venda genuína”, diz Mark Humphery-Jenner, professor associado de finanças da University of New South Wales Business School. “Os acionistas estariam preocupados, com razão, se os lucros relatados realmente refletem lucros genuínos ou se refletem uma fachada.”
Apesar da venda relatada em 2012, a Forbes descobriu que, em 2017, a família Adani ainda controlava a Adani Infrastructure and Developers por meio de outra empresa chamada Adani Properties, de propriedade de três acionistas: o SB Adani Family Trust; o filho de Gautam, Karan Adani; e Adani Commodities LLP, uma subsidiária da Adani Enterprises.
Uma explicação possível mais benigna para as transações é a política familiar. “Às vezes, você pode querer dar a um membro de sua família uma filial específica da empresa para administrar”, de acordo com Khanna, que diz que arranjos complexos entre diferentes membros da família são comuns em empresas familiares indianas.
Embora Hindenburg alegue que Vinod é um jogador central em uma fraude multibilionária, Vinod, sem dúvida, se ofenderia. Como ele – ou um de seus consultores pagos – escreveu em um de seus editoriais patrocinados em 2016: “Em tempos de mentiras e corrupção, são raras as pessoas que vivem de acordo com suas palavras e escolhem integridade e lealdade em vez de lucro e egoísmo. Vinod Shantilal Adani é um desses homens, rico em valores que herdou de sua família e praticou por conta própria.”
Texto original publicado pela Forbes USA. Traduzido por Monique Lima.