Crise e quebra de bancos: uma explicação simples

16 de março de 2023
DadoRuvic / Ilustração/Reuters

Arte sobre imagem do SVB: falência, apesar dos bilhões em ativos

Nos últimos dias, notícias de crises em bancos estrangeiros amplificaram no mundo todo o debate em torno da questão da alta da taxa de juros como instrumento de combate à inflação.

Dois bancos quebraram: o primeiro foi o Silicon Valley Bank, 16o. maior banco dos EUA e usado principalmente por empresas de tecnologia e startups, e, na sequência, o Signature Bank, especializado em criptomoedas, trazendo inquietação ao mercado.

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O governo dos Estados Unidos foi rápido e anunciou, através de comunicado conjunto do Departamento do Tesouro e FED (Federal Reserve System), que as instituições governamentais irão garantir os saques dos clientes destes bancos, inclusive os valores acima dos US$ 250 mil por cliente, que é garantido pelo FDIC (Federal Deposit Insurance Corp), o equivalente estadunidense do nosso FGC (Fundo Garantidor de Crédito).

O objetivo do governo norte-americano ao prover socorro financeiro às instituições é frear a corrida aos saques, que causaria ainda maiores danos, potencialmente contaminando todo o sistema financeiro.

Acontece, entretanto, que a alta dos juros nos Estados Unidos está penalizando até mesmo instituições sólidas, como é o caso do Credit Suisse, que anunciou que tomará empréstimo de US$ 54 bilhões junto ao banco central da Suíça, visando reforçar sua liquidez.

Para você ter noção da dimensão disso, a dívida da Argentina com o FMI é de US$ 44 bilhões. Ou seja, o socorro ao Credit Suisse corresponde a um crédito superior ao que o FMI concede a muitos países.

Por que é inevitável socorrer o Credit Suisse?

O Credit Suisse é um dos trinta bancos monitorados pelo IASB (International Accounting Standards board), instituição responsável pela unificação mundial das normas contábeis.

Esse monitoramento é importante porque uma crise de grandes proporções numa instituição do tamanho do Credit Suisse representa risco sistêmico à economia mundial, a exemplo do que vivemos em 2008, com a crise do subprime.

O Credit Suisse, que já há algum tempo vem passando por uma infinidade de problemas como suspeita de fraudes, trocas de comando, entre outros, causa agora novas preocupações aos mercados depois que a KPMG divulgou, em relatório, ter encontrado “fragilidade material” nos demonstrativos contábeis do banco (algo análogo ao que o pessoal da Americanas chamou, por aqui, de “inconsistência contábil”, lembra?). Some-se a isso o fato de o principal acionista do CS, o Banco Nacional Saudita, não poder aportar dinheiro por questões regulatórias, e temos um cenário bastante preocupante.

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O que vem alarmando os mercados no mundo todo é o impasse que o economista norte-americano, Nouriel Roubini, expressou em entrevista à Bloomberg TV, ao se referir ao Credit Suisse como “big to fail, but also too big to be saved” (grande para quebrar, mas também grande demais para ser salvo).

Por que essa crise bancária está ocorrendo?

Eu vou abrir mão de colocar dados e indicadores econômicos, pois isso você consegue encontrar facilmente aqui na Forbes em excelentes artigos sobre o atual cenário. Quero que você acompanhe um raciocínio simples para compreender por que a crise de grandes bancos afeta a economia e vida de todos nós. E a lógica é bem simples:

Como você sabe, existem basicamente dois tipos de investimento: renda variável e renda fixa. Na variável, os investidores tornam-se acionistas de empresas, enquanto na renda fixa, tornam-se credores de empresas e governos, uma vez que todo título de renda fixa é um tipo de empréstimo que se faz em troca do recebimento de juros.

É nos investimentos em títulos de renda fixa que pessoas físicas e jurídicas mantêm aplicadas suas reservas de emergência ou de oportunidade, e boa parte desse dinheiro investido fica alocado em títulos prefixados.

De forma bem simplificada, um título prefixado é aquele que você compra hoje por R$ 10, com a promessa de resgatar dentro de, por exemplo, um ano, pelo valor de R$ 11. Ao longo deste período, a única certeza que você tem é que, no prazo combinado, você receberá R$ 1 a mais do que aplicou, pois a instituição é obrigada a honrar seu compromisso, correto?

Enquanto isso, a taxa básica da economia pode subir ou cair, conforme a dinâmica do mercado. Portanto, se, após seis meses, a taxa de juros subir para 15% (estou usando números totalmente irreais, só para ilustrar o cálculo), para que seu título no vencimento continue valendo os R$ 11 combinados, o preço dele a valor presente precisa cair de R$ 10 para R$ 9,58, de forma que a taxa de 15% aplicada entregue exatamente o valor combinado (R$ 11) a você no fim do prazo.

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Dessa forma, ao longo do período em que seu dinheiro está investido, eventualmente você poderá ter períodos de desvalorização. No entanto, só realizará prejuízo se precisar resgatar seu dinheiro antes do prazo combinado, em um momento cujo valor nominal esteja abaixo do que você pagou.

Este é o princípio da marcação a mercado: quando a taxa de juros sobe, o valor do título cai e vice-versa, e eu quis explicar isso porque é importante no entendimento do que está ocorrendo com os bancos atualmente.

As instituições financeiras também guardam suas reservas em títulos de renda fixa, sejam eles títulos públicos ou privados, e a remuneração desses títulos é ditada pela taxa básica de juros da economia. Se muitos clientes começam a realizar saques simultaneamente – e isso vem ocorrendo porque existe uma crise de crédito, e as empresas e pessoas físicas têm sido obrigadas a sacar dinheiro investido para fazer frente a compromissos financeiros cotidianos – o banco pode precisar utilizar suas reservas para corresponder a esta demanda por recursos.

Em um momento de inflação global, quando os bancos centrais do mundo todo estão elevando taxas de juros, obviamente que o valor nominal dos títulos está mais baixo, e, se um banco precisa vender títulos para fazer dinheiro, isso significa que ele realizará prejuízo.

O que acontece no mercado quando um banco reporta prejuízo?

O mercado é avesso a incertezas, e diante da instabilidade financeira de uma instituição bancária, o que costuma ocorrer é um efeito em cascata: o banco reporta prejuízo, o mercado, temendo o pior, passa a vender as ações do banco, derrubando seu preço. Em paralelo, o número de saques aumenta, pois as pessoas temem que uma quebra as faça perder o dinheiro investido. Com isso, ocorre um descasamento contábil e o banco não consegue honrar seus compromissos e quebra.

Isso é o que a economia comportamental define como “profecia autorrealizável” e que normalmente afeta todas as variáveis econômicas, uma vez que a economia se movimenta não somente por fundamentos técnicos, mas também com base em prognósticos, e, na imensa maioria das vezes, os prognósticos envolvem o comportamento humano.

O fato é que, quando um grande contingente de pessoas adota um determinado prognóstico como certo e passa a agir de acordo com ele, uma simples expectativa começa a tomar corpo impulsionada ora por medo, ora por ganância e isso se dissemina em toda a economia, afetando empresas, instituições, inflação, câmbio, etc.

Os bancos centrais precisam conseguir ancorar expectativas

A credibilidade das políticas monetárias é um imperativo para conter a instabilidade econômica. Nesse sentido, os Bancos Centrais são os principais responsáveis por gerenciar as expectativas do mercado que, neste momento, no mundo todo, anseiam pelo início da queda das taxas de juros.

A expectativa geral é que todo o caos bancário dos últimos dias nos Estados Unidos obrigue o FED a iniciar a flexibilização da taxa de juros, reduzindo a tensão nos mercados e possibilitando a retomada da atividade econômica com menor penalização ao crédito.

Aqui no Brasil, apesar de a crise dos bancos nos Estados Unidos estar sendo vista como de baixo impacto local, a situação da economia como um todo é análoga e também temos um cenário de deterioração da atividade econômica, impulsionada especialmente pela crise no crédito.

Com isso, a expectativa dos principais analistas é que, na próxima reunião do Copom (Comitê de Política Monetária) no dia 22 de março não haja subida de juros, e que, a partir da reunião de maio, a taxa Selic já comece a reversão.

O que muda para o investidor brasileiro

Com a mudança de expectativas dos principais analistas quanto à taxa básica de juros, a tendência é que gradativamente a bolsa de valores comece a apresentar recuperação e isso influencia diretamente os seus investimentos.

Caso a taxa Selic sofra corte já a partir de maio, os setores mais penalizados pela alta dos juros, como varejo e construção, tendem a ganhar fôlego, e, com a volta do consumo, o efeito em cadeia irá favorecer o resultado de muitos segmentos.

Essa perspectiva nos leva ao raciol mais lógico para este momento do investidor: aproveitar agora as boas oportunidades em ativos que ainda encontram-se bastante descontados e que, dentro em breve, iniciarão novo período de valorização.

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Se nesse momento em que a bolsa ainda vem apresentando alta volatilidade, você está preocupado com as quedas em sua carteira, quero te alertar que não há motivo para pânico e o mais racional a fazer é manter sua disciplina de aportes. Pensa comigo: se a bolsa passar cinco anos consecutivos caindo e você seguir comprando ativos de boas empresas a preços descontados, concorda que no momento de reversão do ciclo, quando ela voltar a subir, você terá muito mais papéis em carteira, possibilitando assim ganhos expressivos?

Esse deve ser o raciocínio do investidor que está em fase de acumulação de patrimônio: comprar o máximo possível, gastando o mínimo possível. Se você ainda não consegue perceber o valor disso, é importante estudar um pouco mais a dinâmica dos mercados antes de seguir na renda variável.

Por outro lado, se você é um investidor que já constituiu um bom patrimônio e agora deseja assegurar a manutenção dele, é o momento de conhecer melhor sobre instrumentos de proteção de carteira como os derivativos.

Na fase em que estamos, usar esses mecanismos é que irá garantir a blindagem de seu capital contra os riscos de mercado, e eu falo disso diariamente no meu canal do Youtube, para que você compreenda o cenário e tome decisões que não coloquem em risco todo o trabalho que realizou até o momento.

O conhecimento continua sendo o melhor antídoto contra qualquer crise econômica, portanto, siga estudando, pois a única certeza que temos é que elas sempre existirão e quem sai das crises fortalecido é aquele que compreende as oportunidades contidas em quaisquer cenários.

Eduardo Mira é formado em telecomunicações, com pós-graduação em pedagogia empresarial e MBA em gestão de investimento. É analista CNPI, certificado CPA10 e CPA20, ex-gerente do Banco do Brasil e da corretora Modal.

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