O governo quer tributar fundos exclusivos. Vai funcionar?

6 de setembro de 2023

Apresentada no dia 28 de agosto, a proposta do governo de alterar o regime tributário dos fundos exclusivos – conhecidos como fundos dos super ricos – pode ser ineficaz para melhorar o equilíbrio fiscal. Essa é a avaliação dos especialistas ouvidos pela Forbes sobre a tributação desses investimentos.

O Planalto apresentou a Medida Provisória (MP) de nº 1.184/2023 no fim de agosto. O texto altera o cálculo de imposto dos fundos exclusivos. Esses investimentos são indicados para quem possui patrimônios superiores a R$ 10 milhões. Os fundos têm um só cotista (pessoa física ou família) e desfrutam de uma vantagem tributária.

Quem investe em fundos de varejo paga imposto duas vezes por ano, quer resgate seu dinheiro ou não. É o chamado “come-cotas”, que reduz o patrimônio do investidor. Já quem investe em fundos exclusivos só é tributado no resgate, o que diminui a mordida do Leão em prazos mais longos.

O raciocínio é simples: ao ser tributado apenas no resgate, o dinheiro do investidor tem mais tempo para se multiplicar. A MP quer igualar os mecanismos de tributação, cobrando de 15% a 20% sobre os rendimentos duas vezes por ano. Ao tornar os mecanismos semelhantes, o governo estaria, teoricamente, retirando uma vantagem do investidor com muito dinheiro. E a justificativa é que esse aumento de imposto vai compensar o aumento da faixa de isenção do Imposto de Renda para contribuintes que recebem até R$ 2.640 mensais.

Problemas com a MP

Os especialistas, porém, apontam alguns problemas com a MP enviada ao Congresso. O primeiro deles é que a avaliação usada pelo governo para justificar a tributação parte de uma premissa incorreta. Segundo a Agência Brasil, órgão de comunicação oficial do governo, quando a MP foi anunciada, as estimativas do Planalto eram de que cerca de 2,5 mil brasileiros investiriam R$ 756,8 bilhões nesses fundos.

No entanto, um levantamento realizado pela plataforma de investimentos TradeMap mostra que esse cálculo inclui fundos exclusivos específicos, os fundos previdenciários. Os clientes da previdência privada aberta investem em um plano oferecido em geral por uma seguradora, e a seguradora investe no fundo. Daí o fundo parece ser exclusivo. No entanto, ele é formado pelo patrimônio de vários investidores, que já pagam impostos quando resgatam suas aplicações previdenciárias.

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Pelos cálculos da TradeMap, se forem retirados os fundos de previdência, o número de carteiras cai de 2,5 mil para 1,65 mil, uma queda de 34%. E o patrimônio encolhe mais ainda, recuando de R$ 756,8 bilhões para cerca de R$ 250 bilhões, uma baixa de 67%.

Outro problema é que os especialistas veem com ceticismo a perspectiva de um aumento sustentável da arrecadação.  Ao anunciar a MP, o governo informou esperar arrecadar R$ 24 bilhões por ano entre 2023 e 2026. Porém, uma das características das pessoas com recursos suficientes para manter fundos exclusivos é o acesso a aplicações financeiras internacionais. “Esses investidores podem transferir seus investimentos para outros fundos ou mesmo mandar o dinheiro para fora do Brasil”, diz Rodrigo Maito, especialista em Direito Tributário. “Na MP, o governo federal apresentou cálculos que não são transparentes e cujas premissas não são verdadeiras”, completa.

Taxar lucros que não existem

A imposição de tributação semestral pode trazer prejuízos desnecessários para o investidor. Os fundos exclusivos são uma ferramenta eficiente – e perfeitamente legal – de reduzir os impostos a pagar. Os fundos de varejo investem em ativos líquidos: ações ou títulos da dívida pública. Os fundos exclusivos podem investir em empresas de capital fechado, imóveis e até mesmo obras de arte. Além de mais eficiência fiscal, essa estrutura facilita a sucessão familiar.

No entanto, esses ativos podem ser pouco líquidos. Assim, o investidor poderia ter de vender um imóvel para pagar os impostos. “A tributação iria incidir sobre um rendimento que ainda não foi realizado”, diz Claudio Juchem, administrador de empresas e professor da FIA Business School. “Isso pode levar a perdas financeiras, especialmente se o valor do investimento estiver abaixo do montante que serviu como base para a tributação pelo sistema come-cotas”, completa.

Segundo Juchem, o governo utiliza essa narrativa apenas para tentar equilibrar as contas públicas por meio do aumento da arrecadação, sem avançar no corte de despesas. Em julho, o Governo Central (Previdência, Banco Central e Tesouro Nacional) teve um déficit primário de R$ 32,478 bilhões. Para comparar, em julho de 2022 o superávit havia sido de R$ 19,961 bilhões. O resultado deste ano piorou devido ao aumento de 31% nas despesas em da redução de 5,3% nas receitas.

Embora teoricamente a taxação dos fundos super ricos possa contribuir positivamente para a economia, na prática, os especialistas não acreditam que funcione de forma eficaz. Maito ressalta que “essa arrecadação poderia melhorar as contas da União e contribuir para investimentos em infraestrutura e outros itens essenciais”. Porém, diz ele, “as medidas positivas também dependem de outras iniciativas do governo, que não necessariamente se concretizarão”.