Devido ao feriado do Dia da Soberania Nacional, os mercados argentinos não funcionaram nesta segunda-feira. No entanto, Wall Street operou normalmente. E os títulos americanos (American Depositary Receipts) das ações da petrolífera estatal YPF estavam subindo cerca de 41% por volta de 17h, devido a expectativas de que Milei faça avançar o processo de privatização da companhia. Outras ações do setor privado, , subiram um pouco menos. A da empresa de mineração e construção Tenaris teve alta de 1,7%.
O candidato foi eleito na onda da insatisfação dos argentinos com a situação atual. O país enfrenta uma inflação de 143% nos 12 meses até outubro, segundo dados oficiais – que não estão isentos de desconfiança pelos economistas. Segundo o Banco Mundial, o desemprego está em 6,5%. E as estimativas são de que a prolongada crise econômica deixou 18 milhões de argentinos, cerca de 40% da população, vivendo abaixo da linha de pobreza.
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Impacto no Brasil
Em agosto deste ano, ele disse em entrevista que acredita ser necessário “eliminar” o Mercosul. “É uma união aduaneira defeituosa que prejudica os argentinos de bem. É um comércio administrado por estados para favorecer empresários”, afirmou. Também criticou a China, que vem realizando investimentos pesados na Argentina nos últimos anos, prometendo um alinhamento automático com Israel e Estados Unidos.
Essas propostas podem afetar o Brasil. As duas economias são profundamente conectadas. A Argentina é o terceiro maior parceiro comercial do País, atrás apenas da China e dos Estados Unidos. Em 2022, segundo o Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços (MDIC), o Brasil exportou US$ 15,3 bilhões (4,5% das exportações brasileiras) e importou US$ 13,09 bilhões, com um superávit de US$ 2,21 bilhões.
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A conclusão dos especialistas é que, dependendo da maneira como forem aplicadas, as propostas de Milei podem causar um choque de curto prazo na demanda, desarticulando a corrente de comércio entre Brasil e Argentina. Segundo Étore Sanchez, analista da Ativa Investimentos, “não podemos esquecer que na economia soluções muito imediatistas geralmente cobram preço no futuro. As iniciativas do moderado Macri foram contidas pelo congresso, fadando o governo ao fracasso e trazendo Cristina Kirchner de volta a casa rosada, ainda que como vice”.
Cansaço com a política
A vitória de Milei é uma aposta dos argentinos, exaustos da política tradicional. O país vem se arrastando de crise em crise desde o início do milênio. O pior momento ocorreu em dezembro de 2001, quando a Argentina teve cinco presidentes em apenas 11 dias. Naquele momento, o governo promoveu um calote, o “corralito”, que atingiu até os empréstimos dos bancos.
Isso abriu as portas para o falecido Néstor Kirchner (1950-2010), da ala mais populista do peronismo, chegar ao poder. Ele foi sucedido por sua esposa Cristina, que em 2015 foi sucedida pelo liberal Maurício Macri, que governou de 2015 a 2019. Ele obteve um pacote de ajuda do Fundo Monetário Internacional (FMI) de US$ 58 bilhões em 2018. No entanto, o dinheiro não resolveu o problema.
Apesar das mudanças partidárias, a política argentina é uma constante. Qualquer tentativa de austeridade por parte do governo é sistematicamente derrubada pelo Congresso, dominado pelos partidos de origem peronista. O custo para a sociedade é elevado. A economia não cresce, o empobrecimento da população aumenta e os serviços públicos se deterioram.
Anarcocapitalismo
Formado em economia, Milei sempre se alinhou com as propostas de economia de mercado. No entanto, sua plataforma política é anarcocapitalista, uma corrente de pensamento econômico que busca minimizar o papel do Estado na economia, ou, como ele mesmo diz, criar um “não-Estado”.
Sua vinculação a essas teorias é relativamente recente. Nos primeiros anos de sua carreira como estudante de economia e também durante seus mestrados, ele se considerava um liberal clássico e era um economista matemático. Foi somente em 2014 que Milei aderiu ao libertarianismo, corrente mais radical da Escola Austríaca, fundada por Friedrich Hayek (1899-1992).
Milei quer promover uma “competição” entre moedas, extinguindo o peso e dolarizando a economia, como Carlos Menem fez em 1991, com a ajuda do ministro Domingo Cavallo. Outra proposta é descentralizar o sistema educacional, dando vouchers aos pais para que possam escolher para que escola enviar os seus filhos.
Base política frágil
Os analistas políticos argentinos avaliam que as propostas de Milei podem enfrentar uma resistência muito grande, tanto dos políticos quanto da população. O setor público argentino é grande. Responde por cerca de 18% dos empregos. Além disso, o peronismo ainda tem um forte apoio de sindicatos e lideranças estudantis, que costumam organizar protestos maciços.
A vida parlamentar do presidente eleito também não promete ser fácil. Sua coligação partidária, A Liberdade Avança, fundada há apenas dois anos, terá 38 deputados, ou 14,7% de numa câmara de 257 membros e oito senadores, 11,1% de um total de 72.
Milei sugeriu na campanha que convocaria plebiscitos se o Congresso não quisesse aprovar reformas consideradas fundamentais. No entanto, a Constituição argentina prevê que as essas consultas populares têm de ser aprovadas pelo Congresso. E ele pode ser vítima de seus próprios planos. “Pode ser do interesse do peronismo ou da eventual oposição a Milei que ele realize o saneamento das contas e pague o custo político de fazer isso”, diz Berensztein.