Javier Milei quer acabar com o Mercosul. Será uma bênção disfarçada?

22 de novembro de 2023

O acordo "representará um incremento do PIB brasileiro de US$ 87,5 bilhões em 15 anos, podendo chegar a US$ 125 bilhões

Reprodução

Bandeira do Mercosul: regras do bloco precisam de uma atualização

Javier Milei, presidente eleito da Argentina, não economizou declarações bombásticas e frases de efeito durante a campanha. Algumas delas trataram do Mercosul, definido por Milei como “uma união aduaneira defeituosa” e “um comércio administrado por estados para favorecer empresários”. Apesar de o governo previsto para começar no dia 10 de dezembro ainda ser uma incógnita, é bastante provável que Milei tente alterar as regras do mercado comum. Se essa hipótese se confirmar, será um problema para o Brasil?

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Segundo os analistas ouvidos pela Forbes, é mais fácil falar do que fazer. “Não acho que a Argentina sairá do Mercosul”, diz Luan Alves, analista-chefe da gestora de recursos VG Research. “Existe a expectativa de um acordo melhor do bloco com a União Europeia (UE), e, sem isso, a Argentina ficaria extremamente dependente da China.” Lembrando que o país asiático também foi alvo da retórica de Milei durante a campanha.

Segundo Walter Franco Lopes, professor do Ibmec/SP, tudo indica que o presidente eleito da Argentina vai alterar a política de comércio exterior do país para conseguir colocar em prática sua proposta de dolarizar a economia. “Ele vai buscar fechar acordos que tragam rapidamente moeda forte para a Argentina”, diz Lopes. No entanto, ainda que Javier Milei coloque suas declarações em prática e altere drasticamente as normas do Mercosul, isso poderia ser uma bênção disfarçada para a economia brasileira.

Modelo anos 1990

Os economistas já provaram empiricamente que estabelecer blocos comerciais é bom para as economias. Ao facilitar o comércio de bens e serviços entre países, esses blocos melhoram os negócios e estimulam o crescimento de todos os participantes.

O Mercosul surgiu em 1991, inspirado na União Europeia (UE). Seu principal pilar é a Tarifa Externa Comum (TEC). “É uma tarifa aduaneira que os sócios impõem a todos os países que não fazem parte do bloco”, diz Alexandre Pires, professor de Relações Internacionais do IBMEC.

Sua primeira influência foi benéfica. “Ele facilitou a retirada de barreiras tarifárias e complementariedade econômica, o que trouxe relevância econômica para a Argentina e para o Brasil”, diz Diogo Catão, CEO da desenvolvedora de startups Dome Ventures. No entanto, não foi um caminho fácil.

A começar pela instabilidade econômica nos dois países. A Argentina vem caminhando de crise em crise desde a dolarização, também em 1991. E desde o início dos anos 1990 a economia brasileira conviveu com três moedas, um confisco de aplicações financeiras e alguns choques para tentar estabilizar uma inflação incontrolável, algo que só seria conseguido a duras penas em 1994.

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Esse cenário, a complexidade burocrática das negociações e a dificuldade em alcançar consensos, além de um rivalidade histórica e desconfianças de parte a parte, tudo isso impediu que o Mercosul avançasse como avançou a UE, que conseguiu implantar uma moeda comum, o euro, em 1999.

Esses problemas não melhoraram com o tempo e o modelo dá sinais de fadiga faz tempo. “Supostamente, o Mercosul protege os membros do bloco, mas ele dificulta e torna difícil aos países fazer acordos bilaterais”, diz Pires. “Seria mais interessante para o Brasil que o Mercosul tivesse um padrão mais tradicional de área de livre comércio, como o Nafta, que integra Estados Unidos, México e Canadá.” Não por acaso, o Uruguai está negociando um acordo bilateral com a China. “Se ele fizer isso, implode o Mercosul”, avalia o professor.

Nas duas últimas décadas, a tendência dominante do comércio internacional é o fechamento de acordos bilaterais. Eles são considerados mais ágeis e fáceis de costurar do que as tratativas entre blocos. O acordo entre Mercosul e União Europeia está patinando há anos, e não é por falta de vontade latino-americana. Porém, o setor agrícola europeu é politicamente organizado e vem sendo bem-sucedido em proteger seus mercados do agronegócio brasileiro, só para citar um exemplo.

E se o Mercosul acabar?

O que ocorreria no caso – que ainda não consta dos cenários dos analistas– de uma retirada da Argentina do bloco, à imagem e semelhança do Brexit de 2016, que separou drasticamente o Reino Unido da UE? “Isso se refletiria imediatamente nas exportações brasileiras”, diz Catão. “O País perderia a preferência comercial e suas exportações seriam menos competitivas.” Para além da corrente de comércio, o fim do bloco vai a prejudicar a solução de desafios comuns aos países da América do Sul e reduziria a cooperação econômica geral.”

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Já Alves avalia que esse problema não seria tão grande. “A participação da Argentina no nosso PIB não é tão relevante como já foi”, diz ele. Duas décadas de sucessivas crises econômicas reduziram drasticamente o poder de compra dos argentinos, que há alguns anos tinham uma renda média superior à brasileira.

Também poderia haver algumas vantagens para o Brasil. Todos os especialistas ouvidos pela Forbes são unânimes em afirmar que uma ruptura ou mudança drástica do bloco facilitaria ao País fechar acordos bilaterais com países importantes, como China e Estados Unidos, e eventualmente negociar um acordo próprio com a UE. “É importante que o Mercosul se modernize e se organize melhor, desenvolva novas práticas e não fique preso a políticas que isolem os países-membros do resto do mundo”, diz Lopes, do Ibmec.

Segundo ele, o Brasil tem inúmeros produtos e serviços para exportar e pode oferecer um mercado espetacular ao negociar acordos, de forma tão vantajosa quanto teria no Mercosul. “O Brasil não pode perder a dinâmica da sua potencialidade para manter a aliança do Cone Sul a qualquer preço.”