A bagunça filantrópica de US$ 1 bilhão do ex-CEO da Google

17 de dezembro de 2023
Eric Schmidt - Foto: Susan Walsh - AP

Eric Schmidt inaugurou a Schmidt Futures com sua esposa Wendy após sair do Google

Em setembro, antes de uma reunião do Conselho de Segurança da ONU, Eric Schmidt, o bilionário ex-CEO do Google, estava agendado para discutir o envolvimento de sua empresa de filantropia, a Schmidt Futures, em uma nova parceria para direcionar ajuda corporativa a desastres humanitários, iniciativa que vinha trabalhando há quase um ano.

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O apoio da Schmidt Futures era um selo crucial de aprovação para a iniciativa: a empresa tornou-se um canal poderoso para agências governamentais, direcionando seu orçamento anual de cerca de US$ 400 milhões para questões que abrangem segurança nacional, saúde pública e pesquisa tecnológica.

A presença de Schmidt havia sido divulgada publicamente em materiais promocionais da ONU para o evento, e o embaixador albanês na ONU, Ferit Hoxha, havia informado aos repórteres antecipadamente que o bilionário estaria presente, juntamente com o CEO da Mastercard.

Entretanto, dias antes do evento, os organizadores da ONU descobriram que Schmidt não falaria, nem qualquer representante da Schmidt Futures, segundo duas pessoas familiarizadas com o assunto. Um executivo do Goldman Sachs ocupou seu lugar. O que muitos participantes não sabiam era que a Schmidt Futures planejava encerrar seu apoio ao programa, internamente chamado de “Iniciativa de Resposta a Crises”, antes mesmo de seu lançamento.

A Iniciativa de Resposta a Crises é apenas uma dos mais de 12 programas que a Schmidt Futures está revisando, desvinculando ou encerrando – incluindo parcerias de alto nível com a Casa Branca e Rhodes Trust, da Universidade de Oxford – de acordo com sete pessoas conectadas à empresa e comunicações internas obtidas pela Forbes. Essas mudanças também resultaram em demissões, de acordo com múltiplas fontes a par do assunto.

“É tudo muito constrangedor. Trabalhamos junto a chefes de estado, governos, e temos que encerrar essas iniciativas”, disse um funcionário atual da Schmidt Futures. “Em um instante tudo pode ser interrompido”.

Em comunicado, o porta-voz Matthew Hiltzik, em nome de Eric Schmidt, sua esposa Wendy e da Schmidt Futures, afirmou que a empresa “lançou mais de 100 programas e está concluindo uma revisão minuciosa de cinco anos de suas operações e impacto”. A revisão levou a “uma recente reestruturação” e “uma nova estrutura de liderança, que inclui expansão e encerramento de várias iniciativas”. Ele disse que a Schmidt Futures planeja anunciar novas iniciativas em 2024.

Hiltzik afirmou que Schmidt “nunca foi confirmado” para o evento da ONU devido a “compromissos anteriores”. Um porta-voz da Missão Albanesa na ONU, que organizou o evento do Conselho de Segurança da ONU, recusou-se a comentar.

Momento da companhia

A interrupção de seus programas e relações com agências destaca um período conturbado na Schmidt Futures, co-fundada em 2017 por Eric e sua esposa, Wendy Schmidt. Além das demissões, a Forbes também descobriu que seu CEO fundador, Eric Braverman, deixou a organização em agosto após uma investigação interna conduzida pelo escritório de família de Schmidt, Hillspire LLC.

A Forbes não conseguiu determinar a causa e o resultado da investigação. Mas em agosto, Eric e Wendy notificaram os funcionários que Braverman havia deixado a Schmidt Futures, segundo um e-mail obtido pela Forbes.

Na época, os Schmidts agradeceram publicamente a Braverman por seu tempo na organização, dizendo que financiariam a instituição de caridade que ele estava lançando, chamada Telescope. No entanto, atuais e ex-funcionários disseram à Forbes que Braverman não teve permissão para se despedir dos colegas, além de cerca de meia dúzia de funcionários se demitindo após sua saída.

Agora, os destinos de dois pilares do legado de Braverman na Schmidt Futures estão incertos.

A Quad Fellowship, uma parceria com a Casa Branca para conceder bolsas a estudantes de vários países, elogiada pelo presidente Biden por seu apoio à “próxima geração de cientistas e engenheiros que construirão o futuro”, está entre as iniciativas cortadas. A Casa Branca se recusou a comentar sobre a Quad Fellowship.

O Rise, programa global de talentos e networking para adolescentes, âncora da organização com a Rhodes Trust, – que, até o mês passado, comprometeu-se a conceder bolsas e mentoria para seus jovens beneficiários, visando “oportunidades que lhes permitam trabalhar juntos para servir aos outros ao longo de suas vidas” – está atualmente em revisão, conforme relatado por várias pessoas familiarizadas com o assunto. A Rhodes Trust não respondeu a um pedido de comentário.

“Já sabíamos há um tempo que programas seriam encerrados, mas não estava claro quais, e quem tem segurança no emprego”, disse outro funcionário atual da Schmidt Futures. “Parece que a empresa está totalmente sujeita aos caprichos de Eric e Wendy.”

Gestão de fortuna

Desde 2006, Eric e Wendy Schmidt gerenciam sua fortuna por meio de seu escritório de família, Hillspire LLC – a Forbes estima que Schmidt vale quase US$ 20 bilhões. A Schmidt Futures é registrada como uma empresa privada e financiada por meio das organizações sem fins lucrativos dos Schmidts, incluindo o Fundo de Inovação Estratégica Eric e Wendy Schmidt, uma fundação privada que recebeu US$ 358,5 milhões do casal em 2021, de acordo com a declaração de imposto deste ano. Os Schmidts comprometeram publicamente mais de US$ 2 bilhões para esforços filantrópicos, incluindo fundos em sua fundação que ainda não foram distribuídos.

Trajetória

Os Schmidts lançaram a Schmidt Futures quando Eric estava se preparando para deixar a Alphabet (controladora do Google), onde renunciou ao cargo de presidente executivo em 2018, após ter atuado como CEO por uma década até 2011. O casal escolheu Braverman, que era presidente da Hillspire na época e havia liderado anteriormente a Fundação Clinton, para administrá-la. “O maior desafio da filantropia é o tempo”, disse Wendy Schmidt quando o compromisso foi anunciado pela primeira vez. “O que aprendemos nos últimos 12 anos é que leva tempo para obter resultados.”

Sob a liderança de Braverman, o objetivo da empresa era buscar e financiar projetos ambiciosos de tecnologia, científicos e sociais. Isso incluía ‘ex/ante’, um fundo de venture capital recentemente desvinculado da Schmidt Futures, que investe em startups focadas em privacidade e segurança.

A empresa também construiria um grupo de especialistas globais por meio de iniciativas como o Rise, o programa principal do compromisso filantrópico de US$ 1 bilhão dos Schmidts em apoiar talentos ao redor do mundo. Com isso, a empresa estabeleceu laços estreitos com a Casa Branca, laços esses que foram alvo de escrutínio.

No ano passado, a equipe do Escritório de Política Científica e Tecnológica da Casa Branca reclamou de conflitos de interesse com a Schmidt Futures, conforme relatado pelo portal Político.

Enquanto a empresa crescia, Eric Schmidt dedicava menos tempo à Schmidt Futures e mais recursos à expansão de outros setores de seu império, segundo quatro pessoas familiarizadas com seu envolvimento. Ele co-escreveu um livro com Henry Kissinger, “A Era da IA”, e ocupou cargos de destaque em consultoria governamental, incluindo presidente da Comissão de Segurança Nacional em Inteligência Artificial. Ele também estava profundamente envolvido como presidente de uma aceleradora de tecnologia chamada Steel Perlot, aberta com uma mulher com quem estava namorando, a empreendedora Michelle Ritter, e onde atua como presidente (o bilionário já havia tido relacionamentos extraconjugais publicamente divulgados).

Um relatório da Forbes no mês passado demonstrou como Schmidt havia investido US$ 100 milhões com a Steel Perlot em 2021, antes de enfrentar problemas de fluxo de caixa um ano depois. Em alguns momentos, Ritter trabalhou nos escritórios da Schmidt Futures em Nova York, levando alguns funcionários a questionarem a presença da namorada de Schmidt em uma organização co-liderada por sua esposa. Em comunicado fornecido por um porta-voz, Ritter disse que “nunca teve um cargo na Schmidt Futures. Ela passou pelo escritório deles para trabalhar algumas vezes.”

No início deste ano, Schmidt assegurou aos trabalhadores que sua empresa continuaria a crescer. Em uma reunião geral no final da primavera, Braverman e Schmidt se dirigiram aos funcionários e anunciaram que a Schmidt Futures dobraria seu orçamento. No entanto, meses depois, Braverman se foi, e os programas que ele defendeu estavam na berlinda — até mesmo o Quad, uma das empreitadas filantrópicas ousadas de Schmidt.

(Traduzido por Chico Stefanelli)