A startup que quer fazer aço “verde” no Brasil com capital de Bill Gates

9 de março de 2024
Getty Images

No entanto, além de poluente, o aço também é um essencial para a vida moderna

“Se o aço fosse um país, seria o terceiro maior poluidor.”

Donald Sadoway vê a indústria siderúrgica como uma crise climática por si só, e também como um enigma. A produção de aço é responsável por cerca de 8% das emissões globais de CO2, principalmente porque envolve a queima de grandes quantidades de carvão.

No entanto, além de poluente, o aço também é um essencial para a vida moderna. Está em carros e em edifícios, em utensílios de cozinha e em equipamentos médicos, incluindo os aparelhos para acertar o sorriso dos seus filhos. Quase dois bilhões de toneladas são produzidas em todo o mundo todos os anos, no valor de US$ 1,4 bilhão (R$ 6,93 bilhões), e emitem quase o dobro dessa quantidade em CO2.

Somos viciados em aço e isso não vai mudar tão cedo. As previsões sugerem que o mercado poderá crescer 3,8% ao ano e chegar a US$ 1,9 bilhão (R$ 9,4 bilhões) até 2027. Isso torna a descarbonização essencial para o esforço global para evitar a catástrofe climática que se aproxima. Sadoway, professor aposentado do Massachusetts Institute of Technology (MIT) e cofundador da Boston Metal, acha que encontrou uma maneira de fazer isso basicamente injetando eletricidade no minério de ferro, em vez de dividi-lo por meio de uma reação química em um alto-forno. Não é necessário carvão.

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A principal inovação da Boston Metal é um ânodo, ou seja, um elétrodo por meio do qual uma carga elétrica positiva flui para um dispositivo elétrico polarizado. Basicamente é uma haste metálica que conduz eletricidade e capaz de tolerar as altas temperaturas necessárias para derreter o ferro. “Isso resolve um grande problema e revoluciona uma indústria que trabalha do mesmo jeito há milênios”, disse o CEO da Boston Metal, Tadeu Carneiro, à Forbes.

Impulsionados pelas crescentes sanções europeias sobre as emissões de CO2 e pelos incentivos americanos previstos na Lei de Redução da Inflação, siderúrgicas, startups e investidores estão à procura de formas de produzir aço menos prejudiciais ao meio ambiente e que não sejam muito mais caras.

A eletrólise do Boston Metal é uma maneira de fazer isso; outras empresas desenvolveram um processo baseado em hidrogênio verde. “Temos a tecnologia para revolucionar a indústria siderúrgica”, disse Jon Gordon, vice-diretor do programa de aço verde da organização sem fins lucrativos Calstart, sobre a variedade de esforços de aço verde. “Agora é apenas um problema de implementação.”

A mudança também requer uma grande mudança no pensamento de uma indústria antiga. O notoriamente poluente processo de fabricação de aço não mudou muito em mil anos. Desde 1950, a produção mundial de aço aumentou de 189 milhões de toneladas por ano para quase 2 bilhões. As emissões de CO2 dispararam paralelamente, atingindo hoje cerca de 4 bilhões de toneladas por ano – cerca de quatro vezes mais do que a indústria da aviação.

Para reduzir os gases do efeito estufa, a Boston Metal levantou mais de US$ 350 milhões (R$ 1,7 bilhão) de investidores que incluem a gigante siderúrgica ArcelorMittal (R$ 336 bilhões em vendas no mundo) e a startup Breakthrough Energy Ventures, financiada por Bill Gates e que vale cerca de US$ 860 milhões (R$ 4,27 bilhões) em uma avaliação recente do banco de dados de capital de risco PitchBook.

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A Boston Metal já tem uma planta piloto em sua sede em Woburn, Massachusetts, ao norte de Boston, e esta semana está programada a inauguração de uma fábrica em grande escala no município mineiro de Coronel Xavier Chaves, perto de São João del-Rei. A planta no Brasil vai produzir ligas caras de ferro com baixo teor de carbono e materiais mais baratos. A ideia é estabelecer rapidamente uma fonte sólida de receita que dê à Boston Metal espaço para comercializar seu aço verde.

Carneiro diz esperar que a operação brasileira atinja US$ 400 milhões (R$ 1,98 bilhão) em receita, com US$ 100 milhões (R$ 495 milhões) em lucro operacional, até 2026 – mesmo ano em que espera que seu aço verde seja viável comercialmente.

O processo da Boston Metal utiliza um ânodo condutor de eletricidade para fundir o minério de ferro e separa o metal puro sem resíduos nocivos. Isso permite que as siderúrgicas produzam aço livre de carbono, desde que utilizem uma fonte de energia limpa, como a energia hidrelétrica. O processo também permite produzir aço a partir de minérios de baixo teor de ferro, em vez de depender dos escassos minérios de alto teor. Essa é outra vantagem importante em termos de custo e disponibilidade em comparação com os demais métodos de produção de aço verde, segundo a empresa.

Quanto isso custará na comparação com o aço tradicional é a grande incógnita. O aço é uma commodity. Cada centavo retirado do custo conta e a construção de novas usinas siderúrgicas custa uma fortuna. De acordo com os cálculos da companhia, o custo do aço verde vai de igualar ao do aço tradicional quando a produção estiver entre 1 milhão e 2 milhões de toneladas por ano, desde que os preços da eletricidade estejam em torno de US$ 30 (R$ 148,50) por megawatt-hora. “Se você não acredita que a eletricidade será verde, confiável e barata no futuro, esqueça. Mas então é preciso esquecer um monte de outras coisas, não apenas o aço verde”, diz Carneiro.

Irina Gorbounova, chefe do XCarb Innovation Fund da ArcelorMittal, um dos investidores da Boston Metal, admite que o aço verde será caro durante algum tempo. “Ainda há o que Bill Gates chama de prêmio verde”, diz ela. Na Europa, por exemplo, o aço à base de hidrogênio verde custaria pelo menos 40% mais do que o aço produzido num alto-forno tradicional, disse ela. “Não é uma barreira intransponível, mas as tecnologias precisam de se desenvolver e amadurecer”, disse ela. “Não é uma solução mágica.”

Sadoway acha que não precisará de uma solução mágica. Ele disse à Forbes que, desde que as fábricas tenham acesso a “eletricidade com preços adequados”, sua tecnologia vai funcionar. “Queremos produzir um metal melhor a um preço mais baixo, sem subsídios”, disse ele. “Um prêmio significa que você falhou. Sua tecnologia não está pronta para o mercado.”

Professor aposentado de química no MIT, Sadoway há muito é fascinado pelo aço. Ele estava experimentando tecnologias siderúrgicas alternativas em meados da década de 1980, quando ninguém prestava atenção nos custos ambientais terríveis dos altos-fornos a carvão. “Todo mundo me disse que eu era louco por pensar na produção eletrolítica de aço”, diz Sadoway, 73 anos, que hoje dirige uma fábrica chamada Sadoway Labs com financiamento do ex-CEO do Google, Eric Schmidt. “O carbono era abundante e barato, e ninguém se importava com as emissões de CO2, então porque é que eu era tão burro e me preocupava com isso?”

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O grande avanço de Sadoway veio por volta de 2000, vindo de uma fonte improvável: a NASA. A agência espacial procurava uma maneira de produzir oxigênio na Lua usando minério de ferro, que é abundante na superfície lunar. Sadoway conseguiu usar uma versão inicial do processo que agora usa para fazer aço para extrair oxigênio e não parou de pesquisar. A NASA acabou optando por uma tecnologia diferente. “Completamente estúpida na minha opinião”, diz ele.

A tecnologia da Boston Metal, baseada na pesquisa de Sadoway, é chamada de “eletrólise de óxido fundido”. Em termos simples, funciona assim: um dos ânodos é imerso em uma solução eletrolítica contendo minério de ferro. A eletricidade passa pelo ânodo, que aquece a solução a 1.600 graus Celsius, o ponto de fusão do ferro.

A chave do processo é que o ânodo inventado por Sadoway e sua equipe pode suportar esse calor. Isso permite abandonar os altos-fornos, que emitem cria cerca de duas toneladas de CO2 para cada tonelada de aço produzida. A Boston Metal não emite carbono, desde que tenha acesso a energia limpa.

Essa deveria ser uma proposta atraente para a indústria, especialmente para siderúrgicas como U.S. Steel, ArcelorMittal e Nippon Steel, que se comprometeram a se tornar neutras em carbono até 2050. “A única coisa de que não duvidamos é da demanda”, disse Carneiro. 64, que anteriormente foi CEO da gigante brasileira de metais CBMM.

Porém, prometer atingir essas metas é uma coisa. Atingi-las é outra, bem diferente. As siderúrgicas que quiserem eliminar as emissões de gases de efeito de estufa até 2050 terão de apagar seus altos-fornos em meados da década de 2030, disse ele. “Se você quer mesmo ser neutro em carbono até 2050, essa é a consequência”, disse ele, observando que a Boston Metal já tem interesse de grandes empresas siderúrgicas, incluindo a ArcelorMittal, que é um investidor estratégico. Carneiro diz acreditar que acordos de licenciamento com produtores de aço que desejam fazer uma mudança ajudarão a companhia a ganhar escala.