Como as mulheres estão revitalizando a tradicional e masculina produção de saquê no Japão

13 de julho de 2020
Getty Images

Historicamente, a produção de saquê era feita exclusivamente por homens

Miho Imada é a proprietária e a mestre cervejeira da Imada Brewery em Hiroshima, fundada em 1868.

Movimentos de direitos humanos estão ocorrendo em todo o mundo para corrigir as disparidades raciais. No Japão, onde as questões raciais são muito menos óbvias do que em muitos outros países, a desigualdade de gênero é um assunto sério há muitos anos.

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A indústria japonesa de saquê é um exemplo clássico. Historicamente, a produção de saquê era feita exclusivamente por trabalhadores do sexo masculino por razões obscuras, como proteger as mulheres do trabalho intenso e de certas superstições.

No entanto, mais mulheres estão agora desempenhando um papel essencial na produção da bebida. Algumas delas também comprovaram sua excelência.

Miho Imada da Imada Shuzo Honten, em Hiroshima, é uma delas. Ela é a terceira geração de toji (mestre produtora do saquê). Antes de Imada se tornar uma toji, a empresa sempre terceirizava a posição –ela faz parte da quinta geração que administra a companhia de 152 anos.

Embora Imada tenha nascido e crescido na empresa de propriedade familiar, não queria estar no setor de saquê. Ela fez faculdade em Tóquio e entrou na arte tradicional japonesa de teatro Nô.

Quando viu a produção doméstica de saquês declinando rapidamente, decidiu voltar para casa para ajudar os negócios da família aos 33 anos. Começou a estudar produção de saquê com toji residente em 1994 e o sucedeu em 2000. Seu pai deixou a empresa em 2018, e ela assumiu também o cargo de diretora-administrativa.

Agora, seu saquê recebeu vários elogios nos palcos domésticos e global, incluindo o Japan Sake Awards 2016, o International Wine Challenge 2017 no Reino Unido e o Kura Master 2017 na França.

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Sua mentalidade inovadora e métodos não convencionais de fabricação de saquê são as chaves para seu sucesso. Por exemplo, ela decidiu reviver uma espécie local e extinta de arroz chamada hattanso, em vez de usar um popular arroz de saquê, como o yamadanishiki. “É crucial expressar as raízes da região para obter grandes resultados”, diz Imada. Ela passou mais de dez anos aprendendo como cultivar e preparar o arroz como saquê.

O hattanso é extremamente difícil de cultivar, pois fica muito mais alto que outras plantas de arroz, o que o torna suscetível a tufões. Exige trabalho extra para gerenciar também a água e os fertilizantes. Mas seu caráter distintivo vale a pena: rico em umami, tem aroma delicado de maçã e cítrico e um final intenso, ainda que efêmero.

Felizmente, ela encontrou agricultores para trabalhar com ela. “É arriscado para eles cultivar esse arroz complicado e de baixo rendimento. Mas eles acreditam em seu potencial como nós. A natureza desafiadora do hattanso está nos unindo e tornando o saquê melhor”, diz Imada.

E como ela tem lidado com as questões de gênero? “Desde que entrei para os negócios da família, minha mente estava totalmente ocupada em aprender a fazer saquê e proteger a empresa, sem pensar muito em meu gênero. Nunca senti nenhuma desvantagem de ser mulher neste setor. Pelo contrário, algumas pessoas podem ter me apoiado em parte porque sou uma minoria. Além disso, recebemos muita cobertura da mídia por causa do meu gênero.”

O saquê de Imada está agora disponível em mais de 20 estados nos EUA. Monica Samuels é diretora de saquê e destilados da Vine Connections, que importa o produto de Imada, e também é uma samurai de saquê, um título respeitoso concedido pela Associação de Produtores de Saquê do Japão. “É inspirador que Miho priorize sua paixão por seu trabalho em detrimento de qualquer outra coisa em sua vida. É muito diferente de como a sociedade japonesa espera que as mulheres pensem em suas vidas, ainda hoje”, diz Samuels. “Às vezes, sinto que Miho deseja que as pessoas se interessem mais do que apenas ser mulher nos negócios, mas acho que ela não percebe o quanto ela é um modelo para as mulheres que estão tentando perseguir sua carreira, sem sentir que precisam corresponder às expectativas da sociedade.”

Imada diz: “Quando me formei na faculdade, há mais de 30 anos, a grande maioria dos convidados em eventos de degustação de saquê eram homens. Agora, sempre há mais mulheres nessas ocasiões. Os produtores de saquê estão reagindo à mudança no mercado e começamos a ver estilos de saquê mais diversos, que atraem o público feminino. Mas nós precisamos fazer mais. Eu acho que envolver mais mulheres no lado da produção energizará bastante o setor.”

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De acordo com Shuso Imada, gerente-geral do JSS Information Center em Tóquio, que é o braço de marketing da Associação de Fabricantes de Saquê e Shochu do Japão, atualmente existem cerca de 20 toji de sexo feminino. ”Ter mais mulheres na produção de saquê pode suavizar a imagem da indústria tradicional de saquê de ser exclusiva. Além disso, os trabalhadores do sexo masculino vão ser inspirados por trabalhadoras talentosas e inovadoras”, diz ele.

A produção de saquê atingiu o pico em 1973 e seu consumo diminuiu drasticamente desde então, especialmente entre as gerações mais jovens. O número de fabricantes de saquê era cerca de 4.000, mas agora é de 1.200. A escassez de mão-de-obra também é um problema sério para o setor, porque os métodos tradicionais de produção, essenciais para obter boa qualidade, são altamente sazonais, extremamente trabalhosos e demoram muito. E a indústria também está enfrentando o mercado de bebidas alcoólicas, cada vez mais competitivo, que inclui vinhos nacionais e importados e cervejas artesanais. Em outras palavras, não há escolha para o setor, é preciso ter as mulheres como força de trabalho.

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