Todo mês, a chef Giselle Makinde recebe mais de três toneladas de frutas em seu depósito próximo a Dublin, na Irlanda, vindas de uma das principais distribuidoras de alimentos do país. Ali funciona a Cream of the Crop, foodtech que transforma tudo em sorvete no estilo italiano e em cubos de frutas secas cobertas de chocolate.
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O que diferencia a sorveteria está na origem matéria-prima usada. As frutas, cacau, iogurte e outros produtos que Makinde usa em sua fábrica iriam para o lixo se não fossem processados por ela. “As bananas são descartadas por não estarem dentro dos padrões exigidos por supermercados ou restaurantes, mas estão maduras e perfeitas para serem consumidas.”
Hoje a Cream of the Crop vende 5 mil litros de sorvete por mês, prevê faturar mais de 300 mil euros (R$ 1,5 milhão) até o final do ano e chegar a 500 mil euros (R$ 2,6 milhões) em 2023. “Desde a fundação, reaproveitamos 10 toneladas de alimentos”, diz Giselle. Desde a fundação da empresa em 2020, a sorveteria já utilizou dez toneladas de alimentos que iriam para o lixo. “Não somos só uma sorveteria, somos uma foodtech.”
Visto negado levou à Irlanda
Giselle Makinde chegou na Irlanda em 2018 querendo uma mudança de vida, depois de trabalhar como chef de cozinha em restaurantes brasileiros e de empreender com uma agência de viagens. “Queria viver de um jeito diferente, então resolvemos – eu e meu marido, ir para o Canadá estudar”, conta.
Com esse plano, o casal vendeu móveis, carro, alugou a casa e mudou-se com o filho para a casa de parentes enquanto faziam os últimos arranjos antes de deixar o Brasil. Na última hora, no entanto, o visto para o Canadá foi negado. “Não sabia o que fazer, perdi o chão, mas em vez de me desesperar, entrei no Google e procurei os países de língua inglesa que recebiam brasileiros”, diz a empreendedora.
Nessa busca, descobriu que a Irlanda tinha falta de chefs de cozinha e decidiu que o país seria a nova moradia da família. Em poucas semanas, ela estava embarcando para Dublin.“Decidi que iria antes do meu filho e do meu marido e conseguiria um emprego até organizar tudo para recebê-los”, conta. A família só pode se unir novamente oito meses depois.
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Vida de estudante
Aos 39 anos, Giselle passou dois meses dividindo uma residência para estudantes com outros nove jovens e conseguiu emprego em um restaurante. Um dia, ao preparar um bolo de banana para servir aos clientes, foi pedir ao fornecedor frutas mais maduras do que as que recebia normalmente. “No dia seguinte, ele me trouxe uma caixa cheia e disse que não iria me cobrar pois as bananas estavam pintadinhas demais e os restaurantes não aceitariam.”
A chef se deu conta da quantidade de alimentos de boa qualidade que vão para o lixo. “Descobri que são mais de dois bilhões de toneladas de comida descartada por ano, o que foi uma mudança de chave para mim”, diz. Percebeu também que os alimentos mais difíceis de aproveitar são as frutas, descartadas por estarem maduras demais ou com pequenos “machucados” e foi atrás de produtores e distribuidores. “Imaginei que poderia congelar essas frutas e, enquanto pensava no que fazer, usá-las em sorvetes.”
Era o início do isolamento por conta da pandemia de Covid e Giselle aproveitou a oferta de cursos online para aprender a fabricar o sorvete no estilo italiano. “Com dor de barriga, juntei nove mil euros, comprei minha primeira máquina e passei a produzir em um quartinho em casa”, diz. Logo a Cream of the Crop expandiu e ganhou fornecedores que ficam felizes em doar o que antes ia para o lixo, desde iogurte, aparas de bolo e cacau até algas marinhas.
Neste ano, Giselle mudou-se para um depósito maior, montou uma equipe de seis mulheres para ajudar com a produção e a logística e hoje vende para todo o país. “Os irlandeses estão entre os maiores consumidores de sorvete da Europa e valorizam muito o produto nacional.”
A quantidade de frutas que recebe é tão grande que ela comprou novas máquinas e lançou seu segundo produto: cubos de banana passa cobertos de chocolate. “Agora, estou estudando como usar a casca da banana, que é 40% do volume, para produzir farinha”, diz a empresária, que começa também a desenvolver embalagens retornáveis. “Quero que a empresa tenha o mínimo de desperdício possível em todas as etapas.”
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