Empreendedora ajuda mulheres em quimioterapia a preservar seus cabelos

30 de dezembro de 2022
Cooler Heads

Dilligan decidiu ajudar mulheres em quimioterapia após ter uma experiência difícil e cara para tentar preservar seu cabelo durante o tratamento contra o câncer

Quando Jennifer Graff foi diagnosticada com câncer de mama aos 45 anos, em agosto, um de seus primeiros pensamentos foi direcionado à obstetra e ginecologista que a atende. Graff sabia que ela poderia trabalhar durante os 12 meses em que estaria fazendo quimioterapia, mas ela estava preocupada em como seus pacientes a veriam após um dos efeitos do tratamento – a perda de cabelo. 

“Estava preocupada que eles me veriam sem cabelo e poderiam pensar que eu estivesse doente”, diz Graff. “E questionarem: ‘como ela poderia tomar conta do meu bebê?'”

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Hoje, Graff já passou por oito rodadas de quimioterapia e ainda tem 90% do seu cabelo. É isso que acontece quando a ciência se encontra com a ousadia empreendedora. Graff está usando a touca Amma, um aparelho que resfria o couro cabeludo e que foi inventado por Kate Dilligan e sua startup Cooler Heads.

Dilligan fundou a Cooler Heads em 2018 após gastar US$ 8 mil (R$ 42 mil) para preservar seu próprio cabelo durante seu tratamento contra o câncer de mama um ano antes. Resfriamento do couro cabeludo, o que alguns pacientes descrevem como ter um pacote de gelo na cabeça, pode ajudar a evitar que a maioria ou todo o cabelo caia, um efeito comum da quimioterapia. Isso acontece porque o frio contrai as veias do couro cabeludo e evita que a química de combate ao câncer atinja os folículos do cabelo. 

Entretanto, a experiência de Dilligan em tentar preservar seu cabelo foi difícil e cara, precisando da ajuda de um serviço especializado para colocar um pacote de gelo seco na sua cabeça a cada 20 ou 30 minutos enquanto os remédios eram introduzidos no seu corpo. O processo funcionou, mas deixou a empreendedora convencida de que deveria haver uma maneira melhor de fazer isso.

A jornada de Dilligan para ajudar mulheres em quimioterapia

“Como você cria algo que é portátil, de preço acessível e que o paciente pode administrar em si mesmo, para que não dependa de outras pessoas?”, se perguntou Dilligan.

Ela gastou US$ 40 mil (R$ 211 mil) de suas próprias economias para tentar responder tal questionamento. Graduada em negócios por Stanford e uma experiente executiva na área de tecnologia, Dilligan acionou sua rede de contatos para encontrar engenheiros de design para investigar a física envolvida em um sistema de touca portátil e, assim, construir e testar um protótipo. Ela queria uma touca que fosse flexível e suficientemente apertada para ser colocada na cabeça de qualquer pessoa, além de um aparelho de resfriamento que ficasse conectado à touca e mantivesse temperaturas próximas ao congelamento mesmo após desconectado de uma fonte de energia, para que pudesse ser transportado pelo paciente.

Dilligan se uniu a uma aceleradora de tecnologia em São Diego, onde mora, e arrecadou US$ 1,4 milhão (R$ 7,4 milhões) em uma rodada de investimentos em 2019, o que a ajudou a completar o protótipo. Até dezembro de 2021, a touca Amma da Cooler Heads havia sido aprovada para comercialização pela FDA (Food and Drug Administration), a agência de vigilância de saúde dos EUA, possibilitando que Dilligan arrecadasse mais US$ 2,4 milhões (R$ 12,6 milhões) em investimentos. 

Ela lançou seu produto ao público em julho, com o objetivo de alugar as toucas diretamente aos consumidores ou de vendê-las a centros de quimioterapia, para que eles as alugassem aos pacientes. Entretanto, devido a recentes mudanças na demanda, combinadas a questões financeiras, a empreendedora está focada exclusivamente em vender suas toucas a centros de quimioterapia.

“A demanda está muito, muito forte”, apontou Dilligan ao revelar que a Cooler Heads fez mais de US$ 250 mil (R$ 1,3 milhão) nos seus primeiros dois meses no mercado.

O impacto do empreendedorismo

Julie Gralow, diretora médica e vice-presidente executiva da Sociedade Americana de Oncologia Clínica, confirma que a Cooler Heads é um produto genioso e que está entrando no mercado no momento certo. Dois dos competidores da marca, Paxman e Dignicap, que não são portáteis, foram aprovados pela FDA em 2017 e, em 2021, o apoio do seguro de saúde Medicare para que hospitais e clínicas obtivessem acesso às toucas refrigeradoras ajudou a expandir o acesso a esses produtos. “Foi só durante, talvez, os meus últimos cinco anos de profissão que a touca refrigeradora se tornou um item prático” diz Gralow, que está na oncologia há mais de três décadas.

A médica afirmou que um dos problemas dos sistemas atuais é que eles geram altos custos para os centros de quimioterapia. “Você precisa plugá-los para ter acesso ao sistema congelante e tem que colocar a touca na cabeça de 30 minutos a algumas horas antes de cada tratamento e continuar com ela certo tempo depois”, explica Gralow. Com um número limitado de cadeiras e outros pacientes com câncer precisando realizar a quimioterapia, há poucos incentivos para que os centros deixem seus pacientes ficarem no local após o término da infusão dos remédios. O aparelho da Cooler Heads resolve esse problema.

“Esse é um avanço importante”, diz Nancy Marshall, cofundadora da organização sem fins lucrativos The Rapunzel Project. Em 2010, Marshall e sua amiga Shirley Billigmeier fundaram a organização como uma maneira de educar pacientes em como acessar serviços de resfriamento do couro cabeludo após Billigmeier ter sucesso em preservar o próprio cabelo durante seu tratamento contra o câncer de mama, em 2009. “Kate é a primeira que conseguiu desenvolver um produto verdadeiramente viável e colocá-lo no mercado”, afirma Marshall, que viu outros empreendedores tentarem combater a questão da portabilidade e dos custos do aparelho.

Dilligan vende a touca Amma para os centros de quimioterapia por US$ 1,25 mil (R$ 6,6 mil), mas os custos desse aparelho para o usuário dependem da abrangência do convênio. “A cobertura de planos de saúde ao resfriamento do couro cabeludo está em todo lugar. Dizemos a todos para requisitar a cobertura e apelar após uma possível recusa, e não assumir que isso nunca vai ser aprovado”, orienta Marshall.

Dilligan argumenta que o processo de resfriamento do couro cabeludo é uma necessidade médica, mostrando estudos que indicam que muitas mulheres consideram a perda de cabelo pela quimioterapia como um aspecto traumático de tal tratamento, sendo que aproximadamente 10% delas recusariam o tratamento para evitar isso.

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Então, a questão não é sobre vaidade. Muitas mulheres dizem que isso é sobre a identidade delas. “Dilligan está trazendo dignidade e auto-estima para qualquer um que passa pela quimioterapia e que combate o câncer”, afirma Silvia Mah, uma das investidoras da Cooler Heads e sócia da investidora Stella Impact Capital. “Ela está fazendo isso de uma maneira que incentiva centros de quimioterapia a atender mais pacientes com uma maior preocupação com o cuidado”, conclui. 

Dilligan também contou que recentemente conversou com uma paciente que estava usando a touca Amma e que tinha acabado de fazer uma mastectomia. “Ela me confidenciou que o medo de perder o cabelo lhe deixava pior do que o de perder um seio”, revelou a empreendedora. 

A obstetra e ginecologista Graff e outros pacientes que usaram a touca resfriadora dizem que esse processo dá ao paciente a possibilidade de retomar um pouco o controle da situação em um período no qual quase tudo não pode ser controlado.

“Perdemos tanto, especialmente aquelas de nós que acabam fazendo uma mastectomia. É algo que acontece de maneira muito rápida”, afirma Graff. “Tendo ela mesma sido uma paciente, Kate entende quanta esperança é colocada naquele pequeno aparelho, o que ela não toma com pouca responsabilidade.”