A bilionária que quer competir com Musk na indústria aeroespacial

29 de março de 2023
Tim Pannell/Forbes USA

A bilionária Eren Ozmen tem patrimônio líquido de US$ 1,3 bilhão cada

Mesmo no mundo aeroespacial de imenso orçamento, US$ 650 milhões é muito dinheiro. É aproximadamente o preço de seis Boeings 737 ou sete caças F-35. É também o valor que a Nasa e a empresa Sierra Nevada Corp. gastaram desenvolvendo o Dream Chaser, uma espaçonave reutilizável projetada para levar astronautas à órbita.

A Sierra Nevada, com sede em Nevada, é totalmente de propriedade de Eren Ozmen e seu marido, Fatih – eles investiram US$ 300 milhões no projeto. A Nasa desembolsou os outros US$ 350 milhões. O primeiro voo livre do Dream Chaser foi em outubro de 2013, quando foi lançado de helicóptero a 12,5 mil pés de altura. Entretanto, o trem de pouso apresentou defeito e o veículo derrapou para fora da pista ao pousar. Um ano depois, a Nasa rejeitou o avião espacial da Sierra Nevada e concedeu os contratos multibilionários à Boeing e à SpaceX.

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O Dream Chaser original, que se parece com um mini ônibus espacial com asas voltadas para cima, agora é uma decoração de saguão extremamente cara para a unidade da Sierra Nevada em Louisville, no Colorado. Mas isso não fez os Ozmens desistirem do sonho de ingressar na corrida espacial. Poucos meses depois de ser rejeitada pela Nasa, a empresa fez uma oferta em outro contrato para transportar carga – incluindo comida, água e experimentos científicos – de e para a Estação Espacial Internacional. Desta vez fechou o contrato. A Sierra Nevada e seus concorrentes Orbital ATK e SpaceX dividirão um contrato no valor de até US$ 14 bilhões – o valor exato dependerá de vários fatores, incluindo as missões bem-sucedidas. A nova nave de carga não tripuladae ainda não construída também será chamada Dream Chaser.

Os Ozmens, com patrimônio líquido de US$ 1,3 bilhão cada, fazem parte de uma tendência crescente de bilionários investindo no espaço, preenchendo o vazio deixado pela Nasa quando abandonou o desenvolvimento do ônibus espacial após o desastre do Columbia em 2003. [Nota de tradução: neste desastre, o ônibus espacial, com tripulação de sete astronautas, desintegrou enquanto reentrava na atmosfera, apenas 16 minutos antes de tocar o solo.]

A SpaceX, de Elon Musk, e a Virgin Galactic, de Richard Branson, são os empreendimentos mais conhecidos do ramo, mas todos, Planetary Resources (Larry Page), Relativity Space (Mark Cuban), Blue Origin (Jeff Bezos) e Stratolaunch (Paul Allen) estão no jogo. A maioria deles são projetos movidos pelas paixões de seus proprietários, mas o retorno financeiro também é potencialmente bom. Até 2017, a Nasa pagou US$ 17,8 bilhões ao ramo de transporte espacial privado, US$ 8,5 bilhões para tripulação e US$ 9,3 bilhões para carga.

“Estamos fazendo isso porque temos motivação, buscamos inovação e vemos uma oportunidade (e necessidade) de os EUA continuarem seu papel de liderança nesta importante indústria”, disse Eren Ozmen, que ocupa o 19º lugar na lista das mulheres self-made mais ricas dos EUA.

Até agora, poucos tinham ouvido falar do casal Ozmen ou da Sierra Nevada. Os Ozmens são imigrantes turcos que migraram para os EUA para fazer pós-graduação no início dos anos 1980. Adquiriram a Sierra Nevada, a pequena empresa de defesa onde trabalhavam por menos de US$ 5 milhões em 1994, usando sua casa como garantia de pagamento. Eren tem uma participação de 51% e Fatih 49%. Desde 1998, eles fizeram várias aquisições financiadas com o fluxo de caixa de seus contratos com o exército, comprando 19 empresas aeroespaciais e de defesa.

Hoje, a Sierra Nevada é a maior empreiteira que trabalha para o governo de propriedade feminina, com vendas de US$ 1,6 bilhão em 2017 e quase 4 mil funcionários em 33 unidades. 80% de sua receita vem do governo dos EUA, principalmente da Força Aérea, para quem vende seus aviões militares, drones, dispositivos anti-explosivos e tecnologias de navegação.

O espaço é um grande ponto de partida para a Sierra Nevada, que está gastando muito no Dream Chaser e trabalhando duro para superar sua reputação de azarão. “O espaço é mais do que um negócio para nós”, diz Fatih. “Quando éramos crianças, do outro lado do mundo, vimos o humano pousar na lua em uma TV em preto e branco. Isso nos dava arrepios. Foi tão inspirador.”

“Olhe para os Estados Unidos e o que as mulheres podem fazer aqui, em comparação com o resto do mundo. É por isso que sentimos que temos um legado a deixar”, afirma Eren.

Diferenciais da Sierra Nevada na indústria aeroespacial

Há muitas razões para a Nasa ter fechado o contrato com a Sierra Nevada. A empresa nunca construiu uma espaçonave funcional, mas poucas empresas já conseguiram isso – além de ela já ter enviado muitos componentes, como baterias, dobradiças e anéis deslizantes, ao espaço em mais de 450 missões. Depois, há o design do Dream Chaser. Com um quarto do comprimento de um ônibus espacial, ele promete ser a única espaçonave capaz de pousar em pistas comerciais e depois voar novamente (até 15 vezes) até a estação espacial.

Sua capacidade de adentrar suavemente a Terra garante que cargas científicas preciosas, como cristais de proteínas, plantas e camundongos, não sejam arremessadas e comprometidas na reentrada. Essa é uma vantagem que a Sierra Nevada tem sobre a maioria das outras empresas, cujas cápsulas retornam à Terra se chocando com o oceano. Hoje, a única maneira de os EUA trazerem carga de volta do espaço é por meio do SpaceX Dragon de Musk. “Na realidade, é por isso que a Nasa nos colocou neste programa, porque podemos transportar a ciência e ninguém mais pode”, diz John Roth, vice-presidente da divisão espacial da empresa.

A história de Eren Ozmen

Eren Ozmen cresceu em Diyarbakir, na Turquia, uma cidade movimentada às margens do rio Tigre. Ela era uma leitora voraz e uma estudante séria. Seus pais, que eram enfermeiros, valorizavam a educação e encorajavam suas quatro filhas a se concentrarem nos trabalhos escolares. Como estudante da Universidade de Ancara, ela trabalhou em tempo integral em um banco enquanto estudava jornalismo e relações públicas – e passava seu pouco tempo livre estudando inglês.

Em 1980, quando estava terminando sua graduação, ela conheceu Fatih Ozmen, seu atual marido. Campeão nacional de ciclismo, ele havia acabado de se formar em engenharia elétrica na Universidade de Ancara e planejava fazer mestrado na UNR (Universidade de Nevada, em Reno). Em 1981, Eren também foi para os EUA, matriculando-se em um programa de inglês na UC Berkeley. Ela voltou a entrar em contato com Fatih e, por sugestão dele, se inscreveu no programa de MBA da UNR. Depois que ela chegou ao campus, os dois jovens turcos se tornaram melhores amigos.

A dupla logo fez um acordo: Eren, um cozinheiro talentoso, faria refeições caseiras para Fatih em troca de uma ajuda muito necessária em sua aula de estatística. Eles se tornaram companheiros de quarto. Os dois diziam que nunca pensaram em namorar.

Eren sabia que ela tinha que tirar notas altas se quisesse um emprego na América. Ela também estava quebrada e tinha vários empregos de meio período no campus, vendendo baklava caseira em uma padaria e trabalhando na limpeza do prédio de uma empresa local chamada Sierra Nevada Corp.

Depois de conquistar seu MBA em 1985, Eren conseguiu um emprego como gerente de relatórios financeiros em uma empresa de sprinklers de médio porte em Carson City, Nevada, ao sul de Reno. Ela chegou e descobriu que os relatórios financeiros levavam semanas para serem gerados manualmente. Ela havia usado computadores na escola e sabia que automatizar o processo reduziria o tempo em horas. Ela perguntou ao chefe se eles poderiam comprar um computador, mas a compra cara foi vetada. Então, Eren pegou seu primeiro contracheque, comprou um computador e o levou para o trabalho. Ela começou a produzir relatórios financeiros em horas – como havia previsto, foi promovida na hora.

A trajetória de Eren na Sierra Nevada

Em 1988, a empresa de sprinklers foi vendida e Eren foi demitida. Fatih, que agora era seu marido, trabalhava em Sierra Nevada desde 1981, primeiro como estagiário e depois como engenheiro. Ele disse a ela que ainda faziam relatórios financeiros à mão. Ela trouxe seu PC e automatizou seus sistemas.

Logo depois de começar, Eren estava sentada em sua mesa tarde da noite e descobriu que a Sierra Nevada estava prestes a fechar. A pequena empresa de defesa, que fabricava sistemas para ajudar os aviões a pousar em porta-aviões, havia assumido que suas despesas gerais e administrativas representavam 10% das receitas, mas ela calculou que eram 30%. Nesse ritmo, o negócio não poderia continuar operando por mais de alguns meses.

Ela procurou o chefe para dar as más notícias, que não quis ouvi-la. Então, ela foi direto aos donos da empresa, que ficaram frustrados. O banco não lhes emprestava mais dinheiro. Por sugestão de Eren, a companhia interrompeu a folha de pagamento por três meses até que o próximo contrato que seria fechado entrasse em vigor. Os funcionários tiveram que pedir dinheiro emprestado para pagar as contas. “Foi como estar no Titanic. Estávamos esperando por um contrato, mas não sabíamos se iríamos conseguir ou não”, diz Eren.

Um contrato acabou sendo fechado, mas a Sierra Nevada ainda estava vivendo no limite dois anos depois, quando Eren, que estava grávida de oito meses e meio de seu primeiro filho, recebeu uma ligação. A agência de auditoria do governo examinou a contabilidade da empresa e declarou-a falida e, portanto, inadequada para fechar seu último contrato. Eren ligou para o auditor e disse que ele havia cometido um erro de matemática. O auditor logo respondeu que ela estava certa e que precisava aprimorar suas habilidades contábeis, mas que o relatório já estava fora de suas mãos. Bem nesse momento Eren entrou em trabalho de parto. Menos de uma semana depois, ela estava de volta ao escritório com seu recém-nascido.

A empresa continuou aos trancos e barrancos até 1994, quando os Ozmens a compraram. Eren estava cansada de trabalhar para uma empresa liderada por engenheiros que estava vivendo de crise em crise e percebeu que ela e o marido poderiam fazer um trabalho melhor administrando o lugar.

Demorou cinco anos para a empresa se estabilizar, com a bilionária mantendo um controle rígido dos custos. “Posso dizer que não era uma empresa que gastava muito, nem rodava. Tudo era analisado”, diz Tom Galligani, que trabalhou na empresa na década de 1990. Eren trabalhou por um tempo como CFO da empresa e hoje é sua presidente. Fatih se tornou CEO, se concentrando em criar relacionamentos com agências governamentais e desenvolver novos produtos. Ele também começou a procurar empresas para serem compradas.

Eren não nega o risco de as coisas darem errado. Entretanto, ela destaca o orgulho de ajudar os EUA a restabelecer sua liderança no espaço. Ela acha que a Sierra Nevada e outras empresas privadas podem ajudar o governo a recuperar o atraso na indústria. “Estamos buscando o que pode tornar o espaço em um local mais acessível”, diz a bilionária. “São as empresas que irão trazer essas ideias criativas e ajudarão o país a alcançar esse objetivo”.

* Lauren Debter é repórter da Forbes USA. Ela escreve sobre varejo e bilionários.

(Traduzido por Gabriela Guido)