Aquela jovem, que em um primeiro momento teve a vida limitada por uma fatalidade, deu lugar à primeira médica tetraplégica do Brasil, hoje líder de multinacional. Aos 40 anos, Daniela é head de medicina ocupacional e saúde da Bayer, gigante química e farmacêutica alemã. “A limitação motora não me impede de ser uma profissional competente”, diz ela, que faz parte do seleto grupo de PCDs (pessoas com deficiência) que ocupam apenas 5% dos cargos de liderança nas grandes empresas do país.
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Paulistana de Higienópolis, bairro de classe alta em São Paulo, e de ascendência judaica, Daniela cresceu em um ambiente de clínicas e hospitais, onde seus pais trabalhavam. Pouco saiu da sua bolha até entrar na faculdade de medicina no interior do estado. “Para mim era normal todo mundo pensar igual, frequentar os mesmos lugares e ter a mesma opinião sobre tudo.”
Foi só dois anos depois do acidente que conseguiu superar o preconceito que percebeu existir dentro de si e perceber que ainda era a mesma pessoa. “Mas quando eu resolvi ir, percebi que o mundo não estava preparado para receber uma pessoa como eu”, lembra. Precisou entrar com processo para voltar à faculdade e ocupou os espaços em que queria estar apesar de ouvir que não era bem-vinda. “As pessoas esperavam que eu ficasse bem, mas na cama, aposentada, não sendo médica head de multinacional.”
Onde estão os PCDs no mundo corporativo?
Pessoas como Bortman não ocupam espaços de poder e visibilidade na sociedade. Há mais de 30 anos, desde 1991, uma lei de cotas exige que toda empresa no Brasil com 100 funcionários ou mais tenha de 2% a 5% dos seus cargos preenchidos por pessoas com deficiência. Mas a inclusão exige um caminho mais complexo, já que, segundo o IBGE, 70% dos PCDs no Brasil nem mesmo estão no mercado de trabalho. “Inclusão de fato não é lei de cotas, não é só contratar, é reter e proporcionar ambientes de trabalho seguros e saudáveis.”
Normalizar a diversidade é o caminho
Mas, para chegar a esse ponto da carreira, lançou mão de uma combinação de esforço, oportunidade e líderes que apostaram na sua competência. A Bayer, por exemplo, que hoje tem 300 PCDs entre seus funcionários, tem programas de desenvolvimento para acelerar a ascensão de grupos sub-representados.
Nunca tinha se imaginado no corporativo, antes mesmo do acidente, mas enquanto se preparava para seguir carreira em radiologia, área de diagnósticos por imagem, recebeu um convite para trabalhar na Atento, empresa de telemarketing com mais de 100 mil funcionários. “Estava dando plantão e um líder de saúde e segurança veio me conhecer e enxergou um potencial que ninguém via”, diz ela, que foi incentivada por ele a se especializar em medicina do trabalho.
Trajetória até a liderança
A médica percebeu que mesmo nesse universo ainda faltava entendimento dos profissionais para avaliar o que é ou não deficiência – já que a legislação no Brasil não é clara. Depois de estudar e viver o assunto, começou a ser convidada para palestrar em empresas e criou, em 2013 e ao lado do marido, uma consultoria de diversidade.
Ainda no início da carreira corporativa, começou a subir para posições de liderança. A primeira foi à frente da área de saúde de uma das unidades da Atento, com quatro mil funcionários. Depois, foi gestora de saúde ocupacional da Monsanto, onde começou a atuar com políticas e estratégias de saúde corporativa, antes de entrar na Bayer, em abril de 2020, no início da pandemia.
Maior case de sucesso da carreira
Na Bayer, encontrou o desafio de liderar por influência, já que não tem um time diretamente sob sua responsabilidade, diferentemente da experiência na Atento, por exemplo, onde liderava 35 médicos e outros 12 profissionais de saúde corporativos. “Era mulher, a mais nova da equipe, com deficiência, liderando profissionais que culturalmente também têm uma visão muito autônoma das práticas de trabalho.”
Seu início na Bayer foi também o maior case de sucesso da sua carreira. “Gerenciei a pandemia, sendo responsável pela continuidade do negócio e cuidando da segurança, integridade e saúde das pessoas.”
Como resultado desse rastreamento, a empresa não registrou nenhum caso de contaminação interna pela doença. “Foi uma experiência mais eficiente que qualquer MBA e pós-graduação que eu poderia ter feito.”
Ao mesmo tempo em que liderava esses projetos, Daniela participava de reuniões semanais com o time global da Bayer para estudar as novas descobertas científicas sobre o vírus, ministrava palestras para empresas e, como grande parte dos profissionais da saúde, atuava como especialista da pandemia para sua própria família. “Nunca trabalhei tanto, mas também nunca aprendi tanto e me senti tão realizada.”
Depois da pandemia, liderou as diretrizes para a retomada e coordenou as áreas de saúde e segurança do eSocial, projeto do governo para digitalizar e unificar o envio das informações fiscais, previdenciárias e trabalhistas das empresas.
A partir deste ano, Daniela faz parte de um grupo com três médicos globais da Bayer que lideram um projeto para fortalecer a cultura da empresa em relação à saúde até 2028. “A ideia é fazer com que as lideranças entendam que cuidar do bem-estar dos colaboradores é bom para o negócio também, não é perfumaria.”
A jornada de Daniela Bortman, head de medicina ocupacional e saúde da Bayer
Primeiro cargo de liderança
“Gestora de Medicina do Trabalho, em 2014, na empresa Atento do Brasil.”
Turning point da carreira
“Aconteceu logo no início da carreira, antes mesmo de ela começar. Eu estava me preparando para seguir carreira na área de Radiologia, diagnóstico por imagem. Na época, recebi um convite para atuar em uma empresa. Aceitei para experimentar e fui estudar Medicina do Trabalho. Me apaixonei e abandonei a Radiologia.”
Quem me ajudou
O que ainda quero fazer
Viver muitas experiências diferentes e aprender muito.
Causas que abraço
Diversidade, equidade e inclusão.
Formação
Médica especialista em Medicina do Trabalho