CEO da Prudential conta como foi de leiga em seguros à maior líder no Brasil

26 de outubro de 2023

Em um cenário em que as mulheres representam 31% dos executivos das seguradoras do país, a CEO Patricia Freitas defende “oportunidades iguais, mas considerando as diferenças”

Fazer uma transição de carreira bem-sucedida não exige, necessariamente, entender profundamente o novo mercado. Patricia Freitas, CEO da seguradora Prudential desde janeiro, começou a carreira como programadora, se desenvolveu no setor de tecnologia e, mais de 20 anos depois, mudou a rota em 2015, quando assumiu uma vice-presidência da empresa atual.

Sob a sua gestão, a Prudential do Brasil teve o melhor faturamento em 25 anos de história no primeiro semestre deste ano. Considerando Seguro de Pessoas, registrou R$ 2,6 bilhões de faturamento – um crescimento de 20% em relação ao mesmo período de 2022, enquanto o mercado cresceu 8,2% no acumulado de janeiro a agosto. “Isso foi construído a várias mãos. Mas eu não não sou um agente externo, já participava da estratégia da companhia e do que a gente vinha construindo.”

A executiva não começou do zero: trouxe o que já havia acumulado em mais de 20 anos no corporativo, em empresas do porte de IBM e Microsoft, foi atrás da técnica que esse mercado exige e os resultados vieram. “Mudar completamente de segmento me tirou da minha zona de conforto.”

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Nesse primeiro ano à frente da empresa – e dos mais de 800 funcionários, a executiva tem dado continuidade às estratégias, mas trazendo seu toque de liderança. “Gosto de ficar fora do escritório, me conectar com o mercado, ter interlocução com as outras seguradoras, sejam competidoras ou não do mercado de vida”, diz a CEO, que está levando o time de 10 C-Levels da companhia para visitar os corretores franqueados, que têm contato direto com os clientes.

Soft skills fizeram a diferença na transição

Recém-chegada na empresa e sem conhecer o mercado, Patricia foi estudar e buscou formas de se destacar. Fez MBA em seguros, teve o apoio de executivos que vieram da matriz, nos EUA, e desde o início estabeleceu onde queria chegar. “Fiz uma apresentação estratégica com 15 dias de companhia.”

Depois de fazer uma projeção do crescimento da empresa, seu foco era este: “O que eu preciso representar para ser uma área que contribui com a empresa? Fiz essa conta e coloquei o número como objetivo.”

Além de tocar a área de parcerias e lançar um projeto com o Mercado Pago, por exemplo, assumiu projetos de outras áreas desfalcadas com a saída de executivos, um deles durante a pandemia. “Eu estava ali como executiva, não importava o que a empresa precisasse. E tudo isso contou para o momento de decidir a sucessão.”

A executiva estava prestes a aceitar uma proposta para ser CEO de uma empresa de tecnologia quando a Prudential chamou para a vaga. “Nem achava que ia ser aprovada”, conta. Mas reconhece que o que pesou foram suas soft skills, competências comportamentais que valem para qualquer carreira, como pensamento estratégico, liderança, colaboração, ambição e boa comunicação.

Atitude e protagonismo

Em um momento de transição, ou em qualquer outro na carreira, o mais importante, segundo Patricia, é ter atitude. “É uma habilidade que ou você tem naturalmente ou você desenvolve.”

No seu caso, é a primeira opção. Aos 18 anos, no seu primeiro emprego, chamou o sócio da empresa em que trabalhava – antiga DBA, de desenvolvimento de sistemas – para dizer que queria uma função mais significativa. “E aí comecei a chorar porque estava nervosa e ainda não tinha maturidade”, lembra ela, que no dia seguinte já estava programando. A atitude impressionou os sócios e fez com que, mais tarde, na segunda passagem pela empresa, ela assumisse sua primeira posição de gerência, aos 25 anos. “Quando eu saí, tinha 80% dos funcionários reportando para mim.”

E ela emprestou isso para entrar no mercado de seguros. O maior desafio, segundo a executiva, não foi o tema em si, mas não conhecer ninguém. “Com atitude protagonista, mas também com a devida humildade de quem está chegando, comecei a me envolver com o mercado, ir aos eventos e trocar com as pessoas.”

Esse protagonismo vem da infância. Cresceu com cinco irmãos e já com a noção de que teria que se esforçar para subir na vida. “Minha mãe pensava que eu ia achar um marido rico e esse seria meu futuro. Mas eu sempre me esforçava, trabalhando e estudando, para ser a melhor aluna e ganhar bolsa para estudar nas melhores escolas.”

Com 16 anos, começou a cursar ciência da computação na Universidade Federal Fluminense, em uma sala 90% masculina. Optou por essa faculdade porque era ótima em exatas e, também, porque no final da década de 1980 essa prometia ser a “profissão do futuro”, segundo a CEO, e era até mais concorrida que medicina. “A tecnologia estava começando a ser aquela coisa que todo mundo olhava.”

O olhar da mulher na liderança

Desde que entrou na Prudential, Patricia incentivou o movimento por uma maior presença feminina em um setor que, assim como o de tecnologia, é historicamente masculino – ao menos no topo.

As mulheres são maioria entre os profissionais de seguros no Brasil – representam 55% do total de profissionais e 57% dos cargos menos qualificados –, mas são apenas 31% dos executivos das seguradoras, segundo estudo da Escola de Negócios e Seguros de 2022. Na Prudential, as mulheres também representam 55% de todos os funcionários e, na liderança, ocupam 45% dos cargos – a meta é chegar a 50% em 2024. “Quanto mais mulheres em posições de liderança, melhor para o mercado”, diz ela, que se organiza com outras profissionais do setor em eventos e grupos.

A executiva foi uma das criadoras do comitê de diversidade da empresa, em 2017, ao lado de Tereza Moreno, ex-CFO da Prudential, trazendo temas de gênero e raça.

Patricia chegou a posições de alta liderança na indústria de tecnologia, circulou por grandes empresas, mas só entendeu os vieses inconscientes que afetam as carreiras femininas e muitas vezes impedem as mulheres de avançar há poucos anos, quando estudou o tema mais a fundo. “Sempre dizia que não tinha passado por dificuldades por ser mulher. Mas olhando para trás, vi que fui menos respeitada, ouvida e precisei me provar mais, mas nunca deixei de falar, talvez porque nem notava esse preconceito.”

Ou porque cruzou com grandes líderes mulheres na sua trajetória, no início, na IBM, e também antes de ir para a Prudential, na Microsoft. Hoje, aos 52 anos, como CEO e mãe de dois meninos, traz um olhar de equidade. “Precisamos dar oportunidades iguais, mas considerando as diferenças.”

A trajetória de Patricia Freitas, CEO da Prudential

Primeiro cargo de liderança

“Minha primeira posição de liderança foi aos 25 anos, na DBA, quando assumi a gerência de Mercado e Integração de sistemas. Cheguei a ter 600 funcionários se reportando a mim ao longo dos sete anos em que estive lá, período muito importante e determinante para o meu futuro profissional”.

Turning point da carreira

“Estava em um processo para ocupar o cargo de CEO de uma empresa de tecnologia e, simultaneamente, fui convidada para participar da seleção para a vaga de vice-presidente de Parcerias Estratégicas na Prudential do Brasil. Era uma empresa da qual já era cliente e conhecia alguns profissionais. Tomei a decisão de seguir com os dois processos, com a devida ciência de ambas as empresas. Recebi a proposta dessa empresa de tecnologia me convidando para tocar o Brasil. Naquele momento, eu estava encantada com a possibilidade de mudar completamente de segmento e me desafiar. A Prudential me tiraria da zona de conforto, me daria a oportunidade de trabalhar em algo que eu não conhecia e desenvolver um novo negócio partindo do zero. Recebi a proposta da empresa de tecnologia e a Prudential me apresentou também uma proposta no dia seguinte. E assim começou minha história com a Prudential e o setor de seguros, que transformou minha carreira”.

Quem me ajudou

“Contei com grande apoio de profissionais que já estavam na companhia. Fui recebida por um grupo executivo que já conhecia bastante o segmento e um presidente com total domínio do negócio. Estudei bastante, me aproximei das equipes, comecei a me envolver com o mercado e comparecer a eventos com a devida humildade de quem estava aprendendo. A própria matriz me ensinou muito. Tive dois mentores que vieram dos Estados Unidos para me ajudar no modelo Prudential de Parcerias, que já era bem estruturado em outros países. Em outras empresas, como IBM e Microsoft, também tive a oportunidade de trabalhar com grandes lideranças femininas que me ensinaram e inspiraram muito”.

Causas que abraço

“Sou uma entusiasta do protagonismo feminino, seja no mercado de trabalho, seja na vida pessoal. As mulheres precisam se apoiar e ter sororidade. Não quero que uma mulher nunca mais seja julgada por ocupar uma posição somente porque é uma mulher. Queremos conquistar pelas nossas competências e não pelo nosso gênero. Me orgulho de ter participado da criação do Comitê de Diversidade da Prudential e dizer que temos hoje temos 55% de mulheres no quadro total de colaboradores e 43% na liderança, com metas para aumentar essa participação. Sou uma grande incentivadora das mulheres para que elas sejam mais representativas, não apenas no mercado segurador, mas em todos os ambientes”.

O que ainda quero fazer

“Continuar sempre aprendendo, trabalhando com desafios importantes, conhecendo pessoas e motivando times a grandes conquistas. Dar oportunidades de carreira a profissionais que tenham atitude e queiram lutar e se desenvolver. Seguros conseguimos ensinar, atitude não! Gostaria, no futuro, de olhar para trás e ter a certeza de que tudo que fiz foi com propósito, respeito e integridade. E que apoiei novos profissionais e líderes a serem protagonistas de suas histórias”.

Formação

Bacharelado em Ciência da Computação – Universidade Federal Fluminense (UFF)
MBA em Administração de empresas – Instituto Brasileiro de Mercado de Capitais (IBMEC)

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