Não é "apenas" uma guerra, é uma ameaça à civilização

20 de outubro de 2023
AFP/Getty Images

Enquanto buscamos encontrar vida em outro planeta, a guerra mostra que ainda nem aprendemos a respeitar a vida no nosso próprio

O mundo perdeu o brilho. Tudo se tornou pequeno, insignificante, irrelevante. O ar ficou denso. Toda a escuridão do ser humano veio à tona e agora bombas caem do céu. Toda a sujeira jogada para baixo do tapete de repente está no ar.

Diante dos fatos fica claro o quão primitivos somos. Todas as nossas camadas de conhecimento, de cultura, de civilidade de repente dão lugar a uma essência puramente primitiva. Eu sinto vergonha. Vergonha da nossa espécie que em 2023 ainda mata por crueldade. Mata por intolerância religiosa, por racismo, por homofobia, por xenofobia.

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Chegamos à Lua, mas ainda não aprendemos a tolerar as diferenças. Queremos encontrar vida em outro planeta, mas ainda não aprendemos a respeitar a vida no nosso próprio.

Relativizar o terror que vimos na última semana é além de inconsequente, perigoso. É o mesmo que pegar todas as nossas conquistas ao longo da existência humana e atirar pela janela. É dizer que tudo bem degolar bebês, queimar crianças vivas, estuprar, torturar, e matar mulheres e idosos. Exibi-los como troféus e comemorar como selvagens. É abrir mão dos valores que nos sustentam enquanto sociedade. São os pilares básicos da nossa existência, e enfraquecê-los é extremamente perigoso, pois colocam em risco toda a estrutura que sustenta a civilização, e que determinam nossas referências de certo e errado.

Não há e nunca haverá justificativa para o terrorismo. Não há justificativa para barbárie. E mais importante: não há como relativizar o valor da vida. É inegociável. É inaceitável. É imoral. É, por fim, uma falta de empatia imensa.

Pessoas não são números, não são estatísticas. São o filho, a esposa, o pai, a mãe, o avô, a avó de alguém. Fizeram planos que não se concretizaram, tinham sonhos, tinham paixões.

O extremismo é a praga do mundo. Por onde passa, deixa um rastro de dor e destruição, sem se importar a quem. Destinos são traçados pelas mãos de homens que não se importam com a vida. É a ignorância na sua mais pura forma, o ser humano no seu pior.

Me lembro perfeitamente da primeira vez que ouvi a expressão “banalidade do mal”, em uma aula de Sociologia e do quanto me marcou. Hannah Arendt, após acompanhar o julgamento de Eichmann, um dos principais oficiais nazistas, usou o termo ao descrever o comportamento dele, que o tempo todo alegava que era inocente, afinal só estava cumprindo ordens. Na ausência de senso crítico, de questionamento, de moral e ética, é possível fazer qualquer tipo de mal. Sempre existirá uma justificativa. Até para o que não pode ser justificado, mas qualquer semelhança é mera coincidência.

Tenho acordado no meio da noite angustiada. Passam imagens em looping na minha cabeça, cenas que eu gostaria de poder apagar, como se fosse possível evitar que tivessem existido. Vejo meus filhos dormindo e penso que em algum lugar uma criança, tão pura e inocente quanto eles, não teve a mesma sorte. No conforto da minha casa, com todos os meus com saúde e em segurança, não paro de pensar em quantas pessoas nesse momento passam por situações inimagináveis e desumanas.

Eu senti e sinto muito. Muito mesmo. Eu sinto por cada vida que teve seu caminho atravessado com brutalidade. Por todos, que se foram precocemente, de forma abrupta, de forma cruel. Por cada vida que essa guerra tocou e tocará. Por cada judeu que hoje sente medo e além de viver o luto, ainda tem que conviver com a falta de sensibilidade de alguns. Sinto muito por cada palestino inocente que agora paga uma conta que não é sua. Nenhuma vida é mais importante que outra, e essa é uma tragédia que ficará para sempre marcada na história. Um imenso retrocesso para o mundo.

Eu sinto dizer, mas aqui não há perdedor ou vencedor, todos perderam. Perdemos algo de valor inestimável: a humanidade.

Paula Drumond Setubal é advogada, mãe de gêmeos e produtora de conteúdo.

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