A história de Darlene Medeiros teria sido completamente diferente caso ela não tivesse, durante sua adolescência, participado de um projeto social da Secretaria Municipal de Ciência e Tecnologia do Rio de Janeiro. Desde 2010, a pasta da capital fluminense ensina habilidades de tecnologia, como programação, para jovens de comunidades carentes como forma de integrá-los na chamada “nova economia”, na qual são exigidos conhecimentos sobre sistemas de informação.
Esse projeto, o Forsoft, já teve nove edições e formou mais de 560 jovens, entre 18 e 24 anos, com as bases de tecnologia necessárias para inclusão no mercado de trabalho. A iniciativa conta com pelo menos 55 “empresas madrinhas”, que selecionam alguns dos participantes para começarem a carreira como estagiários. Darlene faz parte dos 290 alunos que foram contratados por meio do programa e conseguiram seu primeiro emprego no setor de tecnologia.
Como não tinha formação acadêmica na área, ela começou a usar a internet como fonte de aprendizado e conhecimento para entender mais sobre programação. “Isso significava ficar até mais tarde no trabalho para poder usar o computador e estudar”, afirma Darlene. Dois anos depois, em 2013, decidiu sair do seu primeiro emprego para buscar novos desafios na carreira. “Achei que era hora de buscar outra oportunidade, porém eu vivia com medo de não ser boa o suficiente para trabalhar em outros lugares.”
Darlene começou a trabalhar em uma agência naquele mesmo ano, desenvolvendo sites, mas a grande mudança foi seu ingresso no curso de sistemas de informação na UFF (Universidade Federal Fluminense), desta vez por meio de outra iniciativa, o consórcio Cederj, que visa democratizar o acesso ao ensino superior público no estado do Rio de Janeiro. Como participante do projeto, ela conseguiu utilizar sua nota no Enem (Exame Nacional do Ensino Médio) para começar o curso de graduação.
A partir daquele momento, Darlene teve oportunidade de trabalhar como desenvolvedora de software na Rede Globo, aprimorando o site da emissora. Após quatro anos por lá, surgiu a oportunidade de trabalhar na VTEX como engenheira de software sênior. No unicórnio, avaliado em US$ 1,7 bilhão, ela integrou diversos projetos para aperfeiçoar os sistemas da plataforma de digitalização do comércio. Hoje, é gerente de engenharia de software, liderando o time que cria soluções para finalização de compras, o chamado “checkout”.
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Quando põe sua carreira em retrospectiva, Darlene diz que é muito grata por todas as pessoas e oportunidades que teve em sua vida, pois cada uma delas possibilitaram que ela superasse as dificuldades. “Considerando o meu perfil, mulher pobre, não-branca e lésbica, sem dúvida eu sou muito privilegiada”, afirma. Sobre os desafios que enfrentou, a gerente de engenharia de software conta que teve de ouvir “coisas dolorosas” sobre sua sexualidade, que teve depressão por mais de um ano e precisou dormir no chão da casa de uma tia por mais de dois anos para ficar mais próxima do trabalho.
“Eu tive estrutura familiar para me apoiar quando tive depressão, não fui expulsa de casa quando assumi minha sexualidade e tinha um emprego e um lugar seguro para dormir quando estava na casa da minha tia”, diz. “Sou muito grata por todas as pessoas boas com quem interagi e todas as oportunidades que tive, que me ajudaram muito a superar as dificuldades. Sei que nem todo mundo tem a mesma sorte.”
Pensando em retribuir para a sociedade, Darlene, em conjunto com outras desenvolvedoras da VTEX, criou o Tech Women Bootcamp, uma iniciativa destinada a mulheres desenvolvedoras cisgêneros e transgêneros. “O objetivo é prepará-las para futuras vagas em engenharia de software”, diz. “A educação é o pilar de sustentação para o impacto social, e o programa já recebeu mulheres transsexuais e incentiva a participação delas para ampliar a diversidade no mercado de trabalho.”
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Para aumentar a inclusão no mundo corporativo, Darlene diz que, embora cada uma das letras da sigla LGBTQIA+ tenha desafios e vivências distintas, todas têm um desejo em comum: o reconhecimento como profissionais competentes e capazes. “Quero que todos possam ter acesso a oportunidades e ambientes acolhedores, que estimulem o seu desenvolvimento. Isso tem o poder de mudar as vidas das pessoas”, diz. Segundo ela, trabalhos e iniciativas como o Tech Women Bootcamp são uma forma prática de realizar esse acolhimento.
O ecossistema de inovação brasileiro, segundo Darlene, possui diversas startups com ambientes bons para se trabalhar. Na visão dela, esse tipo de empresa, por ser jovem e ágil, precisa construir uma cultura da qual se orgulha e, muitas vezes, volta-se para a criação de ambientes que sejam inclusivos e diversos. “A VTEX está comprometida a mudar o cenário e apoiar a luta de grupos pouco representados na comunidade LGBTQIA+”, afirma. “Além do Bootcamp, nós também somos parceiros da Transempregos, projeto de empregabilidade para pessoas transgênero, há um ano.”
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Além das iniciativas de inclusão e diversidade, a gerente de engenharia de software enxerga que a empresa na qual trabalha também quer mudar a sociedade por meio da sua tecnologia e inovação. “Queremos digitalizar o varejo e permitir experiências únicas para o consumidor. Por isso, focamos em repensar a sua jornada”, diz. Para ela, inovação é olhar para os problemas com “novos olhos”, hackear o que já existe e descobrir um novo jeito de se fazer o que já existe. “É sobre se importar acerca de um tema e pensar profundamente nele até chegar em possibilidades que ninguém considerou.”
Este perfil faz parte de um especial que aborda as vivências de pessoas da comunidade LGBTQIA+ no ecossistema de inovação brasileiro, que a Forbes Tech veiculará nas próximas semanas. Para saber mais sobre os desafios e oportunidades relacionados a este público nas empresas de tecnologia, leia a reportagem que deu início à série.
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