Coisas que eu não entendo: ASMR (ou os barulhos feitos para engajar)

10 de março de 2024

Alguém rasgando um papel de presente ou mastigando batatas fritas nunca funcionou como engajamento para mim

Meus filhos estão hoje com 4 anos. Outro dia, coloquei um vídeo no YouTube enquanto esperávamos ser chamados para uma consulta. O dedinho rápido clicou em um vídeo em que uma pessoa abria alguns brinquedos. Mais precisamente umas dez caixas. Fora os fatores óbvios que tornam o vídeo péssimo, estimulando o desejo de consumo nas crianças, me pareceu inocente.

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Trazendo isso pro nosso contexto, provavelmente seria esse o famoso “unboxing” que vemos diariamente pelas redes sociais. Pararia por aí, mas ao fundo do vídeo eu escutava uns barulhos, da caixa se rasgando, a mão tirando e arrastando os brinquedos, uns “wow”, “uau”, algo assim. Achei bobo, eles ficaram encantados.

De novo: eles tem 4 anos. Guardem essa informação.

Pausa nesse episódio, voltei alguns bons anos na memória, me lembrei do dia em que prestei a prova da OAB. Com dez minutos de prova, eu ali começando a redigir uma Ação Direta de Inconstitucionalidade, o moço do meu lado decide abrir uma batata Ruffles. Eu pensava: “amigo, a prova acabou de começar. Não deu tempo nem de ter fome.” Eu escutava o saco abrir, a mão entrar, a batata ser resgatada, a mão sair, a batata sendo mastigada e deglutida.

Quando o saco se foi, quase chorei de alegria, mas era só o começo. Da Ruffles veio um pacote de MM’s, do saco de MM’s, surgiu um biscoito de polvilho, seguido por uma latinha de Coca-Cola, com direito a um Doritos na sequência. Um potinho de Tictacs. Não. Tinha. Fim. Eu já não sabia realmente se o indivíduo estava ali para comer ou fazer a prova que provavelmente determinaria o futuro profissional dele. Também não sabia como poderia caber tanta comida em uma pessoa só em um intervalo tão curto de tempo.

Voltando ao caso, deu tudo certo: minha OAB segue aqui, ativa.

De vez em quando olho pra ela e lembro que venci o cara dos infinitos snacks. Anos depois os sons desagradáveis emitidos pelo cara dos snacks barulhentos ganha um nome chique: ASMR. “Autonomous Sensory Meridian Response” ou Resposta Sensorial Meridiana Autônoma, em tradução livre. Digo mais: ele não apenas tem um nome como é a maior tendência viralizada nas redes sociais hoje. Abre caixa, puxa papel, rasga embalagem, amassa papel. Balança penduricalhos. Sussuros. Gritinhos. Unhas batendo. Todos os dias passam incessantemente pelo meu feed.

Supostamente geram algum tipo de prazer (em quem, meu Deus?). Lembro do moço, do Direito Constitucional, da minha total incompreensão pelo hype do barulho. Da moda descartável com looks milionários feita para engajar. Não culpo quem produz, até porque aqui já sabemos que o mercado da influência é um mercado feito pra faturar como qualquer outro, e tudo que se torna um sucesso chega lá porque existe público para tal. E surpresa: não são crianças de quatro anos.

Talvez seja um trauma meu, talvez eu seja Millenial demais pra ter um olhar “Gen Z” a respeito, talvez eu seja só chata mesmo. Talvez a gente tenha perdido o senso crítico em algum lugar, e talvez esteja dentro de um saquinho de chips. Assim como nosso cérebro.