O rapaz tinha 24 anos, um diploma de administrador e um trunfo para negociar as cartas na mesa: quatro anos como funcionário da multinacional americana Cargill, empresa de alimentos que opera em mais de 70 países. O pai e os tios só tinham duas opções: transformar a massa falida em uma empresa ou vender os ativos. Decidiram pela primeira e aceitaram uma condição proposta por Fernando Queiroz: a de não ser empregado da família, mas dono de parte do negócio. “O início do Minerva Foods começou comigo também. O Minerva não existia antes de a gente formar o grupo”, diz ele.
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Os números mais recentes da companhia, apresentados no início de novembro, revelam uma receita de R$ 5,4 bilhões no terceiro trimestre deste ano e um acumulado de R$ 19,7 bilhões nos últimos 12 meses, um patamar recorde nas finanças da empresa que tem como maior acionista o Salic, fundo soberano da Arábia Saudita, com 33,8% das ações. Listada na B3, em novembro a companhia valia R$ 5,53 bilhões.
Os números refletem o que Queiroz desejava desde o início: transformar a Minerva Foods, a partir do Brasil, na maior exportadora de carne bovina da América do Sul, ao expandir os negócios para o Uruguai, Argentina, Paraguai, Colômbia e Chile. Desde 2018, a operação nesses países está sob a guarda da subsidiária Athena Foods, com sede em Santiago, no Chile. A capacidade de abate instalada é de 14,5 mil bovinos por dia a partir de 22 unidades, das quais 14 são frigoríficos e as demais, processadoras de carne e centros de distribuição. Da receita total da Minerva em 2019, a Athena Foods respondeu por R$ 7,3 bilhões, o equivalente a 41,9%.
Juntando as operações brasileiras, com 11 unidades de abate em São Paulo, Tocantins, Minas Gerais, Mato Grosso, Goiás e Rondônia, tem capacidade para abater 26,4 mil bovinos por dia. Está no grupo das maiores operações globais de proteína animal, junto com as também brasileiras JBS e Marfrig.
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A gigante brasileira vende carne bovina para mais de uma centena de países. Do total de animais abatidos, cerca de 70% são exportados. Na Europa e Ásia estão os principais destinos, além dos EUA, um mercado que se abriu ao Brasil mais intensamente neste ano. Entre janeiro e outubro, o país comprou do Brasil 16,8 mil toneladas de carne in natura, por US$ 80,2 milhões, ante apenas 9 toneladas in natura em todo o ano passado. “Nós já temos experiência com os Estado Unidos, porque exportamos a partir do Uruguai e Argentina há bastante tempo”, afirma Queiroz, que conta com uma estrutura de vendas montada em Chicago. “Os Estados Unidos são, sem dúvida, um grande destino para o tipo de produto que temos no Brasil, e vão se consolidar também como um dos grandes destinos das exportações da América do Sul.”
Os EUA são o maior produtor global de carne bovina, mas também são o maior consumidor. No ano passado, em equivalente carcaça foram 12,3 milhões de toneladas e 12,2 milhões de toneladas, respectivamente, principalmente para hambúrgueres. A produção global de carne bovina está em cerca de 61,3 milhões de toneladas, de acordo com o Departamento de Agricultura dos EUA (USDA). A previsão é de que nos próximos dez anos sejam 76 milhões de toneladas.
Com o investimento, o objetivo é ter um canal direto de distribuição de carne na China. “É um mercado que vale a pena descer na cadeia de valor”, afirma o empresário. “Portanto, todas as oportunidades a gente vai analisar, porque isso traz uma capilaridade maior, traz informação e traz uma constância de mercado melhor do que seguir vendendo e colocando nossa carne no porto de destino.” A Minerva abastece a China a partir do Brasil, do Uruguai e da Argentina, com vendas da ordem de US$ 800 milhões anuais.
O canal direto na China é também um espaço de aprendizado para Queiroz e seus executivos. “Estar naquele país serviu para termos uma previsibilidade maior do que fazer quando a Covid chegasse em outros países em que atuamos”, diz ele, citando dois aprendizados principais. O primeiro sobre o lockdown – que privilegia o varejo (porque as pessoas passam a se alimentar em casa) e penaliza o food service. Antecipando cenários, a empresa conseguiu mexer rapidamente nos canais de distribuição. O segundo aprendizado, e que está em andamento, tem sido decifrar um mercado extremamente segmentado em diferentes regiões, classes sociais e hábitos de consumo. “Mapear tudo isso tem sido de grande valor para sabermos o que fazer em cada uma das regiões da China, com cada um dos canais”, afirma. “Além disso, o país tem grande valor estratégico na nossa operação por ser um mercado que está crescendo e se transformando, e estar bem posicionado nessas transformações é fundamental para nós.”
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Brasil que dá certo
Num ano em que nada foi fácil por causa da pandemia de Covid-19, Queiroz adotou o pragmatismo como marca. “Nós vivemos cada vez mais em um ambiente que tem volatilidades e, portanto, é preciso foco, união de ideias e troca de experiências”, diz ele. “Muitas vezes, o conhecimento está efetivamente dentro de casa.”
E “dentro de casa” ele conta com o zootecnista Fabiano Tito Rosa, diretor de compra de gado da Minerva. No dia 24 de novembro, Rosa apresentou os dados do Programa de Eficiência de Carcaça (PEC), um projeto para medir a qualidade da carne produzida pelos pecuaristas brasileiros que entregam produtos em suas unidades. Foram abatidos 238 mil animais, provenientes de 500 propriedades. “São animais que podem, perfeitamente, atender mercados como a Cota Hilton e as marcas de carne premium”, afirma o especialista. “Hoje, a carne do Brasil já não é só volume.” O Brasil produz 10 milhões de toneladas de carne em equivalente carcaça e é o maior exportador global. A previsão para este ano é embarcar 2,4 milhões de toneladas e no próximo, 2,6 milhões.
Com seu jeito calmo e pausado de falar, o CEO fala sobre o que está por vir: “Nosso plano de diversificação foi cumprido com excelência. O Brasil e a América do Sul estão, cada vez mais, inseridos no mercado internacional. Arbitrando com os preços de outros países produtores, como Austrália e Estados Unidos, na média a América do Sul ganha. E é isso que vamos fazer: levar nosso produto o mais perto possível dos consumidores.” E conclui: “Independentemente de como será a gestão da empresa nos anos que virão, criamos uma base sólida para o futuro”.
Reportagem publicada na edição 82, lançada em dezembro de 2020
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