O "ifood" do porco

24 de setembro de 2021
Everton Antoniolli

André Santin quer fazer dos produtores de suínos de seu município um caso de sucesso

A distância entre o minúsculo município paranaense de Barracão – de pouco mais de 10.000 habitantes na fronteira tríplice com o estado de Santa Catarina e a Argentina – é de quase mil quilômetros até São Paulo. Há seis meses, Barracão e São Paulo estão ligadas por um projeto que começa a ganhar forma com a Santan, startup sediada na capital paulista e que funciona como uma espécie de “ifood” do porco.

É simples de entender: os animais criados por produtores locais são abatidos, embalados e transportados a algumas grandes cidades para serem vendidos a restaurantes e ao consumo doméstico. Mas termina aí a simplicidade. Uma fina engenharia social está colocando de pé uma comunidade de produtores que estavam desistindo da atividade, ou muito desanimados com os rendimentos da criação, e conectando-os a uma logística refinada e uma estrutura gastronômica para marquetear o porco criado solto, da forma tradicional que os antigos faziam. Para dar visibilidade imediata à produção, 5.000 porcos serão abatidos e ofertados no mercado paulistano no final do ano.

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O pivô dessa história é o rebelde André Santin, 49 anos, e que nasceu em Barracão. “Eu tenho a crença de que pode dar certo porque nosso produto não existe na cidade grande”, diz Santin. “Porco caipira, fresco, com procedência e de um grupo de pequenos produtores.” Santin batizou o projeto de Santan, o que remete a trejeitos da moderna cozinha francesa, mas o que de fato se come é fruto de uma tradição alimentar que vêm sendo resgatada em projetos dentro do conceito de cozinha afetiva e que está ganhando a empatia dos consumidores. A diferença da Santan é que a startup verticalizou e integrou totalmente a cadeia do alimento. São 100 produtores no projeto, dos quais 20 já estão entregando cerca de 100 animais semanalmente ao abate.

A verticalização e vontade de que todos ganhem, no fim das contas, é o final de uma longa construção que vai além do investimento já realizado até agora, da ordem de R$ 27 milhões. Santin é filho de produtor gaúcho que já foi caixeiro viajante e açougueiro, até se estabelecer em Barracão porque não tinha nem dinheiro e nem para onde ir. A mãe era merendeira na escola da cidade. Aos 15 anos foi a vez de Santin largar a família e partir em busca de um diploma, o que acabou não acontecendo porque não terminou nenhuma faculdade que começou. Mas ganhou cancha para um jogo que até agora vem dando resultado: ele é um agregador de talentos. Santin aprendeu a negociar nos anos de movimento estudantil a partir de 1989. Na biografia estão os cargos de presidente da União Paranaense de Estudantes e da União Brasileira de Estudante, a então poderosa UNE, tendo nas mãos uma carteirinha que pode dar calafrio em muita gente: ele era filiado ao Partido Comunista do Brasil, o Partidão.

Everton Antoniolli.

A carne vem de animais criados apenas com milho e complementos, como abóbora e mandioca

Longe da política da juventude, foi somente a partir dos anos 2000 que Santin começou a ganhar algum dinheiro com captação de créditos judiciais, principalmente entre 2009 e 2018, quando uma leva de processos da época do presidente Fernando Collor foi encerrada. “Ganhava pingado aqui e ali, mas aí eu ganhei muito dinheiro com a finalização dos processos”, diz Santin. “E me perguntava o que eu poderia fazer.” A volta para casa, mas agora fazendo diferença na vida dos conterrâneos parecia algo bem plausível.

Hoje, a Santan tem uma equipe de cerca de 20 funcionários, entre engenheiros, veterinários, técnicos e administradores que estão dando forma à verticalização. São eles que visitam os produtores, mostram como podem participar e o que é preciso fazer. Barracão é uma cidade de produtores muito pequenos, com a maior parte sem estruturas sofisticadas e longe de terem recursos para investimentos necessários às grandes integrações. “É impossível falar em contrato de entrega, mas é perfeitamente possível criar laços de confiança”, diz André Rocha, 38 anos, veterinário do projeto. “E a confiança é o que o produtor anota na caderneta dele, faz acordo com a gente, diz quanto animais estão sendo preparados e como podemos ficar juntos.”

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Alvori Alves voltou a planejar a expansão da criação de porcos e quer fazer escala

Wellington Molinetti, 28 anos e também veterinário, afirma que a ideia é “deixar o produtor confortável para trabalhar e depois ajudá-lo a fazer o negócio”. Mas há regras: o porco precisa ser criado solto, em piquetes; as porcas ficam em baias apenas na parição para proteger os leitões; não é permitido ração à base de soja e somente pode ser fornecido aos animais milho, mandioca, abóbora ou outro grão, como trigo por exemplo.

O cuidado compensa. A Santan paga pelo quilo vivo do animal três vezes mais em relação ao mercado local. Atualmente, o quilo vivo na região é de cerca de R$ 6,50, com o abate aos 80 quilos de carcaça. A startup paga, também, por benefícios, caso algum produtor precise de ajuda. “Investimento em estrutura só começa a ser pago pelo produtor depois que ele entregar o terceiro lote de porcos”, diz Molinetti.

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Animais são criados em piquetes, com ração à base de milho e cultivos como mandioca e abóbora

Alvori Alves, 65 anos, criador de porcos há cerca de 30 anos, e que estava quase saindo da atividade, é um dos produtores que está investindo no negócio. Ele tem estrutura em duas áreas para a criação, uma de 21,5 hectares onde podem ser alojados de 200 a 400 porcos, por ano, mais 12,5 hectares que também tem trigo para silagem, além de uma terceira área de 20 hectares para soja e milho. “Nunca gostei de criar os animais em baias fechadas e estava ficando cada vez mais difícil vender, porque não tenho escala e nenhuma empresa grande pega 8 ou 10 animais por vez. Mas no projeto novo a venda é garantida”, diz ele. Atualmente, Alves tem 10 matrizes e se planeja para comprar outras fêmeas, caso contrário terá de engordar leitões de terceiros porque o plano é vender mais porcos.

Outro produtor que está de planos novos é Ivan Carlos Pezzato, de 33 anos, dono de 25 hectares, dos quais em 10 hectares ele planta milho. Pezzato já havia levado para a cidade a esposa e os três filhos. Para que ele também se mudasse, faltava apenas vender a terra onde nasceu. “A terra é minha herança, estava indo embora empurrado”, diz. Um ano antes, a família havia perdido a casa do sítio em um incêndio. “Ah, mas agora a ideia é expandir, colocar mais gente para trabalhar”, afirma. “Quero ficar focado na parceria para vender mais porcos.” O produtor tem 30 fêmeas na reprodução e engorda 500 porcos por ano, além de tirar leite de 10 vacas em lactação que rende entre 2.000 e 4.000 litros de leite por mês.

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Ivan_Carlos_Pezzato já havia levado a família para a cidade, mas retornou ao campo

“Nós vamos fazer a parte mais fácil, porque o produto nome é o porco”, diz Santin. “Vamos pegar esses animais, que são espetaculares, embalar de forma prática e atraente, e entregar na mão de grandes cozinheiros.” Para atrair esse público, Santin fechou também uma parceria com o frigorífico São José, que opera na cidade e processa os animais em uma linha de abate separada dos demais. “Nós gostamos desta parceria, porque é um trabalho diferenciado”, afirma o agrônomo Marcelo Valiati, 27 anos, herdeiro e atual diretor do frigorífico. Ele conta sobre os desafios da agroindústria na preparação dos animais. Por exemplo, um porco de pele com manchas, como são os caipiras, precisam de mais atenção para não estragar o couro no abate, por exemplo. “E também porque o animal criado solto não é mais um leitão, os cerdos são mais duros, é preciso atenção para manter a qualidade.”

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Animais vêm de sistemas tradicionais, com olhos no bem-estar, como uma boa lama para se hidratar

Para que a carne de porco brilhe na cozinha, os investimentos de Santin contemplaram a compra de duas propriedades em Barracão, uma de 240 hectares onde também vai criar porcos e outra de 80 hectares na qual ele está construindo um centro de treinamento gastronômico. Isso porque a ideia é começar com os porcos, mostrar as inúmeras possibilidade de pratos elaborados, mas também estender o projeto a outros alimentos. Para isso, o grupo de produtores em volta da Santan, e que se comunicam por whatsapp para mostrar a produção, está ganhando um aplicativo que poderá ser acessado por qualquer pessoa. “Um consumidor em São Paulo ou Curitiba, onde também teremos um entreposto, pode entrar no aplicativo, escolher a propriedade e o produto, e nós entregamos”, diz Santin.

Os veterinários Molinetti e Rocha acreditam que com o tempo será possível pensar em um projeto de Indicação Geográfica para os produtos de Barracão e de seu entorno. E não apenas para o porco. “Há muita produção de excelência na região, que está escondida, mas que tem valor e demanda”, diz Molinetti. “É possível organizar as cadeias de produção e colocar cada vez mais os produtores em um mercado que valoriza o trabalho artesanal.” Um exemplo é o casal de produtores Jocemar Stroher, 29 anos, e a mulher Elizabette, 28 anos, herdeiros de terceira geração de uma propriedade de 28 hectares.

Eles são produtores de leite, com cerca de 1.500 litros por dia entregues à cooperativa Terraviva, mas foi de Elizabette a insistência para que diversificassem a propriedade que hoje, além dos suínos, tem frango e pato no projeto da Santan. “As galinhas são todas para a Santan”, diz Jocemar. “É uma oportunidade, uma atividade nova que estamos começando e que vai crescer”, diz Elizabette. Molinetti acredita que será possível produzir 400 patos até o final do ano, mas o potencial é para 1.200 animais. De galinhas serão 10.000. “A propriedade também vai trabalhar com raças puras porque o plano é vender matrizes”, diz ele.

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Gerci Gaides produz manteiga e está pegando carona na venda de porco

Outro produtor nessa toada da diversificação é Gerci Gaides, o Gê, de 60 anos. Dono de um pequeno laticínio com SIF (Serviço de Inspeção Federal), Gê produz leite em saquinho, iogurte e manteiga a partir de 12.000 litros de leite por dia. O produto que irá para a Santan é a manteiga, hoje vendida na região em bolas de três quilos, por R$ 22 por quilo. A Santan já começou a vender o produto, em pacotes de 200 gramas, por R$ 50 o quilo.

“A manteiga não é da Santan, é do Gê”, diz André Santin. “O que nós estamos fazendo é mostrar que ele existe.” Gê não tem dúvida de que a parceria pode dar certo. “É muito bom quando tem alguém do seu lado”, diz ele. “Há 20 anos mexo com leite, há 10 tenho o laticínio, mas agora é um novo começo.” A produção mensal, hoje, é de cerca de 80 quilos de manteiga por mês. Mas Gê vai investir em equipamentos, entre eles mais um pasteurizador, saindo de 1.200 litros de leite por hora, para até 5.000 litros. “Nós vamos vender muita manteiga, junto com os porcos”, afirma.

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