Os ganhadores da edição 2022 foram anunciados no dia 1º de março. Em maio, a família Tápparo recebeu a reportagem da Forbes Brasil no alambique de onde saem as bebidas para contar como chegaram ao topo do pódio mundial e os planos em andamento para triplicar os negócios.
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O texto original prossegue: “A cachaça vem crescendo em popularidade nos Estados Unidos. De acordo com a consultoria de mercado de bebidas IWSR, as vendas de cachaça nos EUA aumentaram de 6 mil caixas de 9 litros em 2005 para cerca de 60 mil caixas em 2021. O Engenho Dom Tápparo, que existe desde a década de 1970, arrebatou todos os prêmios master na categoria cachaça com Cachaça Duas Madeiras Extra Premium, 38% ABV; Cachaça Carvalho Americana 10 Anos, 38% ABV; e Cachaça Cabaré, 38% ABV.” ABV (alcohol by volume) é a sigla para teor alcoólico.
A Dom Tápparo mantém 3 milhões de litros de cachaça em barris descansando em caves, estocados em tonéis de madeira que vão das nativas amburana, jequitibá e amendoim aos carvalhos europeus e americanos, enquanto fazem experiências em busca de novos aromas, com madeiras de bálsamo, sassafrás, jaqueira e eucalipto.
As transformações pelas quais o engenho vem passando fazem parte de um movimento de valorização da bebida em todo o país, iniciado em 2001, quando o termo “cachaça” passou a denominar legalmente suas características: “aguardente de cana-de-açúcar produzida no Brasil com graduação alcoólica de 38% a 48%, obtida pela destilação do mosto fermentado do caldo de cana-de-açúcar”. Antes, tudo era pinga, caninha, marvada, canjebrina, limpa-goela – e outros 400 apelidos espirituosos.
O movimento que separa a cachaça da aguardente comum ganhou tração na última década, à medida que novas gerações passaram a enxergar esse mercado premium como um imenso potencial de negócios, como ocorre com os bons uísques, runs, tequilas e demais destilados produzidos no mundo. No Brasil, há 955 estabelecimentos registrados como produtores de cachaça, segundo o levantamento “A Cachaça no Brasil – Dados de Registro de Cachaças e Aguardentes”, publicado no ano passado pelo Ministério da Agricultura e Pecuária (Mapa).
Ousadia e tradição
No Engenho Dom Tápparo, foram as ousadias de Bruno, 40 anos, de Giovanni, 38, e do caçula Breno, 33, netos do fundador, que transformaram o pequeno negócio não apenas na marca top do Global Spirits Masters, mas em um nome de relevância nacional e que também já exporta para países como EUA, Inglaterra, Bélgica e França.
A nova geração Tápparo se diz disposta a encarar esse desafio. “Nós nascemos no meio do engenho”, conta Bruno. O alambique, uma propriedade à beira da rodovia, tem cerca de 90 hectares de área contínua e mais 10 hectares a alguns quilômetros, onde é cultivada toda a cana-de-açúcar para o processamento das bebidas. Chega a receber até 5 mil pessoas por mês em períodos de férias, de passagem ou a passeio. O engenho é um local de encontro desde que foi fundado por José Tápparo, em 1978, ano em que produziu 4.500 litros de aguardente.
As memórias do seu José não estão restritas a um pequeno museu instalado na casa onde viveu – elas ainda fazem parte da estrutura das caves: a Celeste, que foi construída por ele e batizada com o nome original da bebida, é uma estrutura de grossa alvenaria, úmida pela água de bicas, escura, baixa e repleta de barris de pequena litragem.
Em 1996, o engenho – que começou a ganhar escala a partir de 1990 – produziu a sua primeira cachaça. “A primeira foi uma peça-chave na nossa história”, afirma. Nessa época, enquanto Ademilson cuidava do engenho, sua mulher, Agueda, hoje com 62 anos, administrava uma loja de bebidas e frios em São José do Rio Preto, centro de região de quase 500 mil habitantes e município praticamente pregado em Mirassol. Tudo o que o engenho produzia era vendido nesses dois lugares. Hoje, a marca Dom Tápparo tem 20 lojas próprias no Paraná, Mato Grosso, Goiás, Rio de Janeiro, Minas Gerais, Distrito Federal e São Paulo. “Era preciso confiar nos meninos, quando começaram a mostrar nossa cachaça em todo lugar”, diz a mãe.
Bruno, Giovanni e Breno têm papéis definidos, mas agem em bloco. Giovanni, que sonhava em ser jogador de futebol, está há dez anos totalmente dedicado ao engenho, para o qual prospecta novas frentes de negócio. Bruno, cabeça comercial e financeira do negócio familiar, começou mais cedo: em 1990 ele já trabalhava com a mãe. Breno, que é tecnólogo em cana-de-açúcar e que já passou por usinas da região, também começou no engenho há uma década.
Ele é o diretor técnico responsável pela padronização e adequação dos produtos, incluindo os licores e coquetéis à base de cachaça que começaram a ser produzidos em 1990, de sabores como menta, cacau, cereja, jenipapo, amora e jabuticaba, entre outras frutas. “Começamos tudo bem artesanal, e é isso que a família preserva nas suas cachaças”, diz Breno. “Nosso avô já falava: tem de vender qualidade”, completa Bruno.
Transportados para Mirassol, eles começaram a ser montados conforme a demanda da estocagem. Ainda há 25 para serem montados. O engenho tem barris que vão de 200 a 75 mil litros. O total estocado em carvalho europeu é de 1,2 milhão de litros. “Esses barris chegaram ao Brasil transportando malte, o que confere notas de caramelo e mel à cachaça, e que remetem ao uisque”, diz Breno. Em carvalho americano há 1.500 barris onde estão estocados 500 mil litros de cachaça. “Esse tipo de madeira remete a notas de coco e baunilha, por exemplo.” O restante de 1,3 milhão de litros estão divididos entre as madeiras nativas, como amburana – que imprime notas adocicadas e florais à bebida –, além dos barris para testes em busca de novos aromas.
Golfe, helicópteros, estratégia e sorte
Para os irmãos, os lances de sorte da Dom Tápparo estão ligados à vontade de tirar a cachaça de seu círculo regional, o que por sua vez demandou uma dose bem servida de criatividade.
Um desses lances foi consequência da vida de atleta de Giovanni. Por influência dos amigos, ele começou a jogar golfe em 2013, esporte que ainda pratica. No ano seguinte, ficou sabendo de um campeonato na capital, no Clube de Campo de São Paulo, às margens da represa Guarapiranga, uma área de 1,2 milhão de metros quadrados, com 18 buracos. O clube é sede dos principais torneios do calendário anual da Confederação Brasileira de Golfe. “Todo mundo chegou de helicóptero – menos nós, com nossa cachaça embaixo do braço”, recorda Giovanni.
Mentiras e verdades
A empresa cresceu no boca a boca até o dia que o cantor sertanejo Leonardo experimentou a Dom Tápparo, em 2015. “Foi o divisor de águas da nossa geração”, diz Bruno. Naquele ano, os irmãos acertaram uma parceria com os organizadores de um show que o cantor faria em São José do Rio Preto. A ideia era colocar uma garrafa com o melhor produto do engenho em cada uma das 200 mesas.
“De repente começamos a ouvir o Leonardo dizer, no palco, que estava ganhando R$ 50 mil para falar que a nossa cachaça era muito boa. Mas nós não pagamos um centavo, não tínhamos essa verba para publicidade. E todas as cachaças que distribuímos não davam os R$ 16 mil que custariam as duas mesas que pedimos em troca para assistirmos ao show”, lembra Giovanni.
Fato é que, a partir daí, a cachaça que era vendida somente na região, batizada de Cabaré – nome da turnê do cantor – passou a ser um produto nacional. “Nós vendíamos um palete dela por mês e passamos a vender um por dia”, conta Bruno. Um palete tem 400 garrafas. Hoje, uma garrafa de 700 ml da Cabaré Extra Premium, envelhecida por 15 anos e uma das ganhadoras do The Global Spirits Masters, custa, em média, R$ 300.
Cliente misterioso e sociedade bilionária
Se o cantor Leonardo mentiu sobre o cachê, falou a verdade quando diz achar a cachaça boa. Tanto que se tornou sócio da Dom Tápparo para a marca Cabaré, uma inesperada e poderosa parceria que envolve também o empresário Walter Faria, dono da Cervejaria Petrópolis, grupo de origem na região serrana do Rio, comprado em 1998. É o grupo que hoje distribui as bebidas.
Faria, bilionário no ranking global da Forbes e dono de um patrimônio de US$ 3,3 bilhões (R$ 17 bilhões), fez parte de sua fortuna a partir do município de Fernandópolis, a 100 quilômetros de Mirassol. Desde 2002, ele era cliente do engenho sem que os irmãos soubessem, daqueles que passam pela rodovia e compram algumas garrafas.
Giovanni conta que, certa vez, o funcionário da loja do engenho disse que um cliente queria comprar nada menos que 60 garrafões de cachaça – pedido recusado em nome da desconfiança. “Depois conseguimos descobrir quem era aquele cliente olhando a nota das compras que ele tinha conseguido fazer. E levamos para ele, em mãos, um barril de 200 litros de cachaça – de presente, claro”, lembra Giovanni.
Reportagem originalmente publicada na edição 97 da Forbes Brasil, de junho de 2022.
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