Missão Europa e a diplomacia para uma justiça climática

5 de agosto de 2022
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Rio Amazonas é um símbolo da biodiversidade e mostra o Brasil como protagonista da diplomacia climática

Uma guerra no leste europeu, provocando atrasos na implementação de medidas de combate à emergência climática, sinalizando crise de insegurança alimentar e energética, são ingredientes que colocam em xeque a visão de globalização tão difundida em tempos de paz. Este foi o cenário que encontramos no velho continente, por ocasião de nossa missão diplomática, liderada pelo IMAC (Instituto Mato-grossense da Carne), com a participação e engajamento de seus formadores: governo de Mato Grosso (Sedec), Acrimat (Associação de Criadores de MT) e o Sindifrigo (Sindicato das Indústrias de Frigoríficos MT), que aconteceu na segunda quinzena de junho deste ano. O desafio foi estabelecer um diálogo justo e realista com interlocutores europeus sobre a nova legislação que pretende garantir, ao eleitor/consumidor europeu, alimentos livres de desmatamento.

Com o objetivo de sermos respeitados como iguais, como cidadãos do mesmo mundo, tentamos demonstrar que ações unilaterais e colonialistas que privilegiem europeus em detrimento de países mais pobres e em desenvolvimento, como “boicote” ou “exclusão”, devem dar lugar à construção de diálogos legítimos e cooperação, dentro do novo paradigma que se estabelece. Uma missão para contextualizar a existência de uma ambiciosa legislação ambiental, representada pelo Código Florestal brasileiro, explicar a diferença entre desmatamento legal e ilegal, e entender a resistência europeia em pagar pelos serviços ambientais prestados em nosso território ainda rico em biodiversidade.

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Durante a missão, promovemos uma ação coordenada ao longo de 10 dias, quando conversamos com representantes da Alemanha, Holanda, Dinamarca, Espanha e Portugal, além de representantes do Parlamento Europeu e Comissão Europeia. Amparados por dados, procuramos demonstrar que a iniciativa dos europeus não deveria ser levada adiante sem o real respeito e valor à legislação e biodiversidade brasileira, sob risco de se promover polarização e insegurança ao produtor rural e uma grave exclusão de pequenos produtores da cadeia da carne no país.

Separar o joio do trigo

Nas reuniões, explicamos que assim como eles, também estamos preocupados com o clima, concordando que as relações diplomáticas e comerciais entre países devem sempre levar em conta questões ligadas à biodiversidade, modelos de produção sustentável baixo carbono e rastreabilidade. Mas não concordamos com a estratégia adotada pelo bloco, caso insistam em classificar a maior biodiversidade do planeta (Brasil) como de “maior risco” que outros países produtores que já destruíram sua biodiversidade, além de não diferenciarem o desmatamento legal do ilegal. Desta forma estarão promovendo concorrência desleal, beneficiando nossos maiores competidores no mercado de alimentos global, que não conservaram seus biomas nem criaram uma legislação ambiental semelhante a nossa. Não faz sentido anistiar os desmatadores do passado e punir os que conservaram até hoje!

Além disso, o aumento da população mundial, o maior poder aquisitivo dos asiáticos, a “Guerra” e as mudanças climáticas materializadas na “onda de calor” que assola Europa e EUA pressiona os países produtores de alimentos além dos limites naturais. Nossos maiores concorrentes não serão capazes de suprir as demandas globais por alimentos e irão fomentar o pragmatismo onde a pressão pela segurança alimentar sobrepujará a pressão pela conservação.

Promotores de serviços ambientais na agenda

Por isso explicamos que, para perpetuar a conservação, o correto seria cooperarem para ajudar o Brasil a se tornar um país rico, desenvolvido e mantendo boa parte da sua biodiversidade conservada. Precisamos de financiamentos e apoio a projetos que agilizem a regularização ambiental das propriedades de Mato Grosso, de assistência técnica para estimular uma produção mais sustentável melhorando o balanço líquido de emissões de GEE (gases de efeito estufa) por arroba de carne produzida, estimulando iniciativas como a redução da idade de abate, recuperação de pastagens com baixa produtividade, integração de culturas (ILPF) e implementação de boas práticas.

Em Mato Grosso, atuando em sintonia com as demais entidades estaduais do setor, estamos dedicados a uma agenda positiva e conciliadora e queremos o apoio da Europa em ações similares, que possam ser executadas em parceria com associações e parceiros do terceiro setor que conquistaram a confiança da cadeia produtiva, em especial nossos parceiros Earth Inovation Institute, IPAM (Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia) e Instituto Ação Verde.

Em oposição ao modelo global que prevaleceu até agora de devastação da biodiversidade, industrialização emissora de GHG (GreenHouse Gas) e protecionismo dos países “ricos”, o Brasil destina à conservação aproximadamente 66% do seu território com toda sua rica biodiversidade e, segundo a ANEEL, mais de 80% da energia elétrica produzida no país é renovável. Em Mato Grosso, estamos empenhados na adoção de modelos sustentáveis de produção “carbono neutro” e destinamos aproximadamente 62% do território do Estado à conservação, segundo a Embrapa (Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária).

Por isso, a importância de estarem bem definidas as regras do jogo para todos os países. O moderno Código Florestal Brasileiro, resultado de mais de uma década de discussões e aprovado no Congresso Nacional, já garante conservação e é provavelmente o maior programa de conservação do mundo, inovador por terceirizá-la para o setor privado. Daí que ele não pode ser simplesmente ignorado ou boicotado, por uma exigência europeia pelo “desmatamento zero”. Nossa demanda é por justiça climática, onde Europa, EUA, China e outros países que se desenvolveram emitindo e devastando, agora paguem pelos serviços ambientais prestados por nações que ainda detém essa riqueza escassa, para assim conservá-la de forma justa e pragmática.

Problemas distintos exigem soluções distintas

Dois problemas distintos exigem duas soluções distintas: o Código garante, por si só, boa parte da conservação. Estudos recentes indicam que a maioria esmagadora da área desmatada na Amazônia e no Cerrado, nos últimos anos, está relacionada a atividades ilegais, sem autorização dos órgãos ambientais federais e estaduais. Para o desmatamento ilegal, devem adotar a estratégia de pressionar nossos governos federal e estaduais pela implementação total do Código Florestal e pelo combate sem trégua ao que for ilegal.

Já a redução da pequena parcela do desmatamento que ocorre dentro da legalidade nas propriedades rurais, deverá ser obtida através de negociações que respeitem nossa soberania e legislação, a partir de incentivos financeiros, fortalecendo o mercado de Créditos de Carbono e PSA (pagamento pelos serviços ambientais), formalizado na última COP (Conferência das Nações Unidas sobre Mudança do Clima), colocando as forças do mercado financeiro mundial a serviço do combate às mudanças do clima e dando fim a um calote ambiental histórico dos países “desenvolvidos”.

Da forma como foi proposta, a lei europeia está atendendo apenas os anseios do consumidor/eleitor europeu, aliviando sua culpa pelo consumo de alimentos envolvidos com desmatamento, sem levar em conta que o modelo de desenvolvimento insustentável nasceu na própria Europa, colonizando, desmatando, escravizando, industrializando com combustíveis fósseis (revolução industrial), entre outras ações. Não adianta lavarem as mãos e fingirem que não são parte do problema.

Olhar os pequenos e integrá-los

Além da injustiça à nossa biodiversidade, também fez parte relevante da Missão Europa, alertar os legisladores europeus para o risco de sua nova legislação atingir os mais vulneráveis, criando uma categoria subalterna de produtores rurais. Hoje, 100% da carne exportada pelo estado de Mato Grosso já passa por rígido sistema de monitoramento pelas indústrias, que buscam agora uma solução para a rastreabilidade do gado desde o nascimento, desde sua fazenda de origem quando eram bezerros (os chamados “indiretos”). Mas em muitos casos, esses bezerros são criados em pequenas propriedades ou assentamentos, onde falta apoio financeiro, regularização ambiental e assistência técnica para produzirem melhor e de forma mais sustentável.

Ao exigir o impossível, o desmatamento zero, estarão promovendo a marginalização do pequeno produtor, causando mais pressão pela abertura de novas áreas e o pequeno produtor de bezerros poderá ser empurrado para fora do mercado formal tendo maiores desafios financeiros. Uma vez no vermelho, este produtor não conseguirá se manter verde e poderá enxergar no desmatamento uma fonte de renda imediata, uma vez que esteja fora do alcance do monitoramento da cadeia formal. Estamos falando, agora, de justiça social, tema que os europeus conhecem bem, uma vez que subsidiam boa parte de seus pequenos produtores.

Ao analisarmos os primeiros resultados da nossa Missão Europa, o balanço é positivo. Estabelecemos contato, exercitamos diplomacia climática, colocando na mesa de negociações nossos posicionamentos, assumindo os nossos problemas internos e mostrando o quanto estamos engajados em solucioná-los. Sobre o risco de exclusão de pequenos produtores, sentimos um acolhimento mais ativo e no documento do dia 28 de junho, posterior a nossa missão, observa-se claramente a preocupação com o pequeno produtor, ressaltando a necessidade de cooperação e apoio da União e Estados-membros.

Tentamos deixar claro que podemos decidir por não exercer nosso direito de desmatar a parcela que a lei nos permite, mas para isso é preciso o reconhecimento e a monetização desses ativos de nossa biodiversidade. E por isso precisamos dos recursos e parceria da Europa, e não de boicote, não de calote ambiental e não de exclusão de vulneráveis. Precisamos de justiça e de diplomacia climática e social de verdade, porque estamos todos no mesmo planeta.

* Caio Penido é pecuarista na região da Serra do Roncador, em Mato Grosso. É mentor da Liga do Araguaia, movimento que nasceu em 2015 visando a adoção de práticas sustentáveis e que neste ano se tornou o Instituto Agroambiental Araguaia. Também é presidente do IMAC (Instituto Mato-grossense da Carne) e vice-presidente do GTPS (Grupo de Trabalho da Pecuária Sustentável).

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