Plantio direto: a história da lida que mudou o jeito de plantar

9 de agosto de 2022
Paulo Odilon Kurtz/Embrapa

O plantio direto desembarcou no Brasil durante a década de 1970

No momento que o mundo precisa aumentar sua produtividade agrícola para alimentar cerca de 10 bilhões de pessoas até 2050, mas também precisa tornar-se mais sustentável, o uso de tecnologias é fundamental para deixá-lo mais próximo de alcançar importantes metas de produtividade e de descarbonização do meio ambiente. Uma das tecnologias indispensáveis nesta tarefa é o plantio direto, ou SPD (sistema de plantio direto).

Com quase 80 anos de sua criação, e mais atual do que nunca, a técnica é uma das estratégias propostas no Plano ABC+ (Agricultura de Baixo Carbono), criado em 2012 e atualizado no ano passado pelo Mapa (Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento), para promover a redução das emissões dos GEEs (gases de efeito estufa). A meta é que o plantio direto alcance cerca de 75% da área plantada no país até 2030, o equivalente a cerca de 60,6 milhões de hectares (considerando a estimativa do Mapa de produção em 80,8 milhões de hectares em 2030). Mas como este método pode ajudar?

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Entenda o que é o plantio direto, sua história e importância para a agricultura: 

O que é

O plantio direto é uma técnica de manejo que tem por objetivo recompor a estrutura física do solo, o que reduz o impacto da atividade no meio ambiente. Nele, a palha e outros restos vegetais provenientes de uma cultura são mantidos no solo no cultivo seguinte, auxiliando na proteção contra a erosão. A medida também evita a perda de nutrientes e impulsiona a fertilidade do solo.

Outra característica importante do plantio direto é a semeadura em solo não revolvido, sem aração ou gradagem niveladora. Desta maneira, o solo é menos impactado pelo uso de máquinas agrícolas, como tratores e arados. Para atender esse mercado, ao longo dos anos, a indústria de máquinas agrícolas desenvolveu equipamentos específicos para o plantio. São máquinas que fazem pequenas covas com profundidades e larguras suficientes para garantir o contato da semente com o solo, evitando movimentações desnecessárias na terra.

A adoção do plantio direto também requer que o produtor realize a rotação de culturas, como milho, aveia, trigo e outras que garantem que o solo fique coberto com a palhada após o fim da colheita. A medida também reduz a chance da ocorrência de doenças, pragas e ervas daninhas.

Benefícios do plantio direto

A adoção do plantio direto traz diferentes benefícios ao negócio do produtor. Uma pesquisa da Embrapa (Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária), mostra alguns dos principais, entre eles:

  • Redução dos custos de produção e de impacto ambiental;
  • Maior facilidade de infiltração e de retenção de água no solo;
  • Redução da erosão e perda de nutrientes por arrasto para as partes mais baixas do terreno;
  • Evita o assoreamento de rios;
  • Enriquece o solo por manter matéria orgânica na superfície do solo por mais tempo;
  • Menor compactação do solo;
  • Economia de combustíveis e menor número de operações, resultando em um menor uso dos tratores e desgaste de maquinário.

O pai do plantio direto

A ideia do plantio direto nasceu em Ohio, nos Estados Unidos, na década de 1940. O agricultor Edward H. Faulkner começou a se preocupar com um “problema vital para a sobrevivência do homem neste planeta”, como cita em seu livro “Ploughman’s Folly”, publicado em 5 de julho de 1943. Ele havia percebido o desgaste que o solo sofria com a ação da agricultura. Então, decidiu estudar e testar maneiras de reduzir esse impacto.

A grande sacada de Faulkner foi questionar o uso do arado convencional, que funcionava como uma enxada sulcando o solo, e sugerir o uso do arado de disco, que corta e incorpora matéria orgânica no solo em um mesmo processo. Na época, suas ideias foram consideradas loucas e sem embasamento, sendo comparado pelo jornal The New York Times a “Don Quixote se voltando contra uma uma paisagem cheia de moinhos de vento”.

O reconhecimento de sua obra só ocorreu após a criação de diferentes produtos químicos no pós-Segunda Guerra Mundial, com o movimento que ficou conhecido como Revolução Verde, entre as décadas de 1960 e 1970, em que novas sementes, fertilizantes e práticas agrícolas permitiram o aumento da escala na agricultura. Ao mesmo tempo, pesquisadores e cientistas passaram a se debruçar sobre a ideia que se tornou no que hoje é conhecido como plantio direto.

A chegada do plantio direto no Brasil

No Brasil, o plantio direto também desembarcou na década de 1970. O produtor Herbert Arnold Bartz, de Rolândia (PR), enfrentava um problema de erosão em suas terras durante os períodos de chuvas fortes. Em busca de uma solução para sua dor, entrou em contato com o Instituto de Pesquisa e Experimentação Agropecuária Meridional,  entidade criada em Colombo (PR), pelo governo brasileiro no ano de 1968. Foi assim que ficou sabendo da existência de uma técnica batizada de “no-till”, que era a abertura de sulcos no solo para a semeadura e inclusão de fertilizantes sem o revolvimento do solo. 

Para conhecer mais sobre a técnica e os equipamentos utilizados, Bartz foi aos Estados Unidos e Inglaterra entre 1970 e 1971 para conversar com agricultores, como Harry Young Jr, que já utilizavam a técnica que viria a ser batizada no Brasil de plantio direto.

Em sua volta ao Brasil, segundo história publicada pela Febrapdp (Federação Brasileira do Sistema Plantio Direto), Bartz enfrentou problemas financeiros gerados pela perda de sua lavoura de trigo para uma geada e os custos de suas viagens. Mas isso não o impediu de testar o método. Em outubro de 1972, realizou a semeadura dos primeiros 200 hectares de soja em plantio direto.

Os pilares do sistema de Plantio Direto

Depois de sua implementação no Paraná, o plantio direto começou a se disseminar para outras regiões do Brasil e da América do Sul, dando início a um período de mudanças para a agricultura do continente. Segundo José Eloir Denardin, pesquisador da Embrapa Trigo, sediada em Passo Fundo (RS), o processo se tornou conhecido graças à “criação de grupos de troca de experiências, envolvendo produtores rurais, assistentes técnicos e pesquisadores”.

O mais notório destes grupos foi o “Clube da Minhoca”, fundado em 1979 em Ponta Grossa (RS). Foi criado pelos produtores Franke Dijkstra e Manoel Henrique “Nonô” Pereira, ambos considerados os pais da disseminação do plantio direto no Brasil, e que também passaram a adotar o plantio direto a partir de 1972. 

Com a troca de informações, o conceito trazido por Bartz foi se tornando mais sofisticado e ganhou evoluções conceituais que até hoje são divulgadas por entidades como a própria Embrapa.

O conceito SPD (Sistema de Plantio Direto) é sintetizado por três pilares. São eles:

  • Mínimo ou não revolvimento do solo;
  • Manutenção da cobertura do solo (cobertura morta);
  • Rotação de culturas – rotação, sucessão e/ou consórcio de outras culturas de espécies diferentes.

Criação da Federação Brasileira do SPD

Outro importante momento para a história do plantio direto no Brasil foi a criação da Febrapdp (Federação Brasileira do Sistema Plantio Direto). Em 23 de julho de 1992, diferentes entidades que promoviam o SPD se uniram em Cruz Alta (RS) para fundar uma entidade que as representasse em nível nacional. A decisão teve como base criar a federação a partir do histórico Clube da Minhoca.

Em 2018, ano do levantamento mais recente da entidade, a Febrapdp estimou que desde sua criação houve um incremento de 1 para 32 milhões de hectares cultivados em SPD. O sistema é utilizado nos Estados de Santa Catarina, Rio Grande do Sul, Mato Grosso do Sul, Goiás, Minas Gerais, Bahia e Mato Grosso. A entidade também ressalta que foi a adoção do método que viabilizou a expansão do calendário agrícola e a criação da safrinha, ou segunda safra de milho no Centro-Oeste.