Assim, na tenra idade de 3 anos, a princesa Elizabeth foi colocada em um pônei e nunca olhou para trás. Classicamente, sua primeira montaria pessoal foi uma Shetland modesta, de juba espessa e de cor parda chamada Peggy, que George VI deu a Elizabeth quando ela tinha quatro anos. Surpreendentemente magra e em forma, Peggy teria sido o equivalente a um kart equino, rente ao chão, ágil, intrépido, mas igualmente temperado, e é por isso que Shetlands são bons primeiros cavalos para as crianças.
Leia mais: 12 celebridades que investem na produção agrícola
Quão apaixonada por cavalos ela era?
Apesar da pandemia de Covid-19 e de sua crescente fragilidade, a rainha não havia faltado a um Royal Windsor Horse Show desde seu início, em 1943. Por isso, em maio, ela novamente estava lá. Quando, por razões médicas, a rainha teve que renunciar à sua caminhada habitual, ela ainda insistia estoicamente em visitar o show, sendo conduzida e levada até seu assento, com seu lenço de cabeça colorido firmemente atado para se proteger do clima – era sua marca registrada.
A rainha foi, talvez, mais conhecida pelo público britânico de corridas, por liderar o espetacularmente formal desfile anual de carruagens landau no Royal Ascot, realizado todo mês de junho, e por colocar muitos de seus cavalos para correr nos vários desafios do evento. Durante seu reinado de 70 anos, Elizabeth faltou a apenas um Royal Ascot, na disputa de 2022, em junho passado. Mas ela colocou seu primo, o duque de Kent, como seu substituto e, segundo relatos, assistiu à etapa do Castelo de Windsor pela televisão.
Ao seu lado, durante os anos 1980 e 1990 – e bem interpretado por Joseph Kloska em The Crown – estava o inimitável socialite e líder do reino, Henry George Reginald Molyneux Herbert, o 7º Conde de Carnavon, também conhecido como “Porchey”, uma contração jocosa e até um pouco depreciativa, ao estilo Eton de “Porchester”, um dos títulos de cortesia pré-herança do conde. Além de seu brilho aristocrático, os condes Herbert/Carnavon eram donos do Castelo Highclere, mais famoso como o cenário cinematográfico monumental da série de televisão de época de Julian Fellowes, Downton Abbey. Falando sem rodeios, quando a Rainha visitou “Porchey”, em Highclere, ela já sabia o que haveria de especial.
Na vida real, não televisionada, o 7º Conde de Carnavon era de fato um amigo próximo, de longa data – e como se esforçou para ser, inteiramente platônico – amigo da rainha. Sentado na fortuna da família Herbert, de várias centenas de milhões de libras esterlinas na época em que a libra era muito mais valorizada que o dólar, ele se tornou o gerente de corridas (não remunerado) da rainha, ligando para ela quase diariamente de pistas de corrida, celeiros e vendas, fuçando incessantemente os pedigrees, incitando-a a comprar este potro ou aquele corredor. Carnavon, que morreu há 20 anos, conhecia esse mundo, e isso ajudou. Foi “Porchey” quem projetou a mudança da rainha com suas éguas para o banco genético dos equinos norte-americanos em Kentucky.
A monumental ética de trabalho da rainha como monarca – retratada em sua audiência de despedida do primeiro-ministro Boris Johnson em 6 de setembro, apenas 48 horas antes de morrer — também era uma marca em seus estudos e dedicação aos seus cavalos, especialmente nas operações de criação e corrida. No ano passado, aos 95 anos, seus médicos imploraram que ela se afastasse de sua própria equitação, pelo menos. Mas, após as comemorações do Jubileu de Platina, no início de junho, ela claramente não estava fazendo nada disso e o resultado, como os britânicos subestimaram, “foram as concessões feitas”, para que ela continuasse.
Elizabeth II não desistia de nada se pudesse evitar, nem filantropia, nem governo, nem aparições públicas, nem seu discurso de Natal, e certamente nem das corridas. Dois dias após a morte da rainha, um de seus velocistas norte-americanos, o cavalo West Newton, fez uma corrida estelar em Pimlico, em Baltimore, e com folga de uma e uma oitava milha. Claro, proprietários e treinadores não reservam seus cavalos no dia da corrida. O que quer dizer que a rainha, e seus gerentes de corrida na Grã-Bretanha e nos Estados Unidos, participaram de corridas com seus cavalos até as últimas semanas de sua vida. Isso é devoção.
Além de criar alguns belos potros com o sangue Kentucky de suas éguas, a rainha se apaixonou pela Kentucky Bluegrass, um tipo de gramínea exuberante e ondulante, encontradas em terras calcárias ao redor de Lexington, região cuja água e grama ricas em minerais são boas para os ossos de seus cavalos puro-sangue. Ela foi recebida no local com muito carinho – em 1984, a pista de Keeneland criou a Queen Elizabeth II Challenge Cup, corrida que até hoje é realizada, patrocinada pela Lane’s End Farm, fazenda de criação de cavalos puro-sangue em Versalhes, Kentucky, de propriedade do amigo da rainha, o embaixador William Farish. Ela embarcou e criou dezenas de éguas em Kentucky, onde esteve por cinco vezes, ficando algumas vezes com os Farishes para ser a primeira a acordar e sair com os cavalos, mas também sempre acompanhada pelo embaixador para reuniões com outros criadores, proprietários e cavaleiros.
Não menos importante: com um olho caracteristicamente afiado para a linha materna nos cruzamentos, ela contribuiu muito com o esporte, mas também fez valer a pena. Seus cavalos ganharam todos os clássicos britânicos: a Copa Ouro de Ascot, o Derby de Epsom, tudo, sendo também coroada no corredor da fama das corridas britânicas.
*Guy Martin é colaborador sênior da Forbes EUA e já colaborou para veículos como Esquire, Town and Country, Garden and Gun, Conde Nast Traveler, Men’s Journal, US Racing e the New Yorker