Organizações de “proteínas alternativas” viram alvo no escândalo da FTX

19 de janeiro de 2023
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Por causa de doações, escândalo da FTX, chega ao setor de proteínas alternativas

A recente queda do queridinho do Vale do Silício, Sam Bankman Fried, junto com o colapso financeiro de sua empresa de câmbio cripto FTX, está iluminando a atividade filantrópica do fundador que caiu em desgraça, enquanto se levanta questões éticas sobre os destinatários de suas doações contaminadas.

Bankman-Fried, fundador da FTX, foi um proponente do “altruísmo eficaz”, uma pseudo filosofia pouco conhecida semelhante ao utilitarismo que tomou conta de uma parte significativa do mundo vegano/bem-estar animal/“alt protein” nos últimos anos (nos EUA).

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Por exemplo, o Center for Effective Vegan Advocacy (organismo que defende a causa vegana) diz que está comprometido com os princípios do “altruísmo eficaz”, o que parece bastante egoísta; afinal, quem trabalha em favor da “defesa vegana ineficaz”? Você também pode encontrar conteúdos clássicos como o “The Strongest Argument for Veganism” (Um forte argumento para o veganismo), de acordo com a Effective Altruism Foundation, como se as ideias ali tivessem acabado de ser descobertas.

Os doadores podem enviar valores para um coletivo chamado “EA Funds” (EA = altruísmo efetivo) para beneficiar causas de bem-estar animal, incluindo o Good Food Institute (GFI, o braço sem fins lucrativos da indústria de carne cultivada em células, também conhecida como “alt-protein”), juntamente com outros defensores da carne biotecnológica (carne cultivada ou sintética), como a Modern Agriculture Foundation.

O Open Philanthropy Project (organização de filantropia aberta também iniciada por um fundador de tecnologia) é uma fonte massiva de financiamento de altruísmo eficaz, incluindo “bem-estar de animais de fazenda” e “alternativas para produtos de origem animal”, e é um dos principais financiadores da GFI, mais recentemente com US$ 10 milhões (R$ 51,6 milhões na cotação atual).

O movimento vegano parece, de modo embaraçado, ligado ao altruísmo eficaz.  Nele, então Sam Bankman-Fried. Como parte de sua promessa de doar grandes porções de sua riqueza a serviço do altruísmo eficaz, ele desviou milhões de dólares de sua agora falida empresa FTX.

JEENAH MOON/BLOOMBERG

Sam Bankman Fried, fundador da FTX

Um dos destinatários da generosidade de Bankman-Fried foi o GFI (Good Food Institute), que recebeu US$ 250.000 (R$ 1,3 bilhão) em 2021, como parte do “FTX Climate Program”. A mídia nos EUA menciona duas doações, que a GFI confirmou (à esta reportagem) ter recebido da FTX Foundation, mas se recusou a divulgar o valor da segunda doação em 2022, explicando por e-mail que eles “não podem divulgar informações do doador (ou valor da doação) sem o seu consentimento explícito”. Isso parece estranho porque, já que a FTX Foundation está extinta, então quem daria consentimento?

O doador da FTX elogia a GFI em um site que ainda está ativo: ‍“A GFI atua como um centro geral para acelerar a adoção de alternativas animais por meio de pesquisas, propostas de políticas, iniciativas comunitárias e defesa da concorrência justa por meio de políticas.”

Como parte do recente processo de falência da FTX, agora estão sendo levantadas questões legais sobre destinatários sem fins lucrativos que devem devolver todas as doações, visto que a fonte desses presentes provavelmente faz parte dos bilhões de dólares perdidos pelos clientes. Afinal, o dinheiro não era do Bankman-Fried para doar; era para entrar em cripto.

Algumas organizações sem fins lucrativos já estão tomando medidas proativas para fazer a coisa certa. A FTX (sob nova administração) foi abordada por vários destinatários das doações que desejam devolver o dinheiro. A empresa está incentivando outros a fazerem o mesmo; os que não o fizerem poderão ser processados ​​no tribunal de falências e obrigados a devolver o dinheiro, com juros.

De acordo com uma conta, o Alignment Research Center anunciou que devolverá sua doação de US$ 1,25 milhão (R$ 6,45 milhões) da Fundação FTX. Eles observaram corretamente que o dinheiro “moralmente (se não legalmente) pertence aos clientes ou credores da FTX”. Da mesma forma, a ProPublica, a mídia sem fins lucrativos, disse que devolveria os US$ 1,6 milhão (R$ 8,26 milhões) que recebeu da fundação familiar de Bankman-Fried.

Em contraste, a GFI até agora não se ofereceu para devolver o dinheiro que recebeu de suas duas doações, explicando que os fundos já foram gastos e que a GFI provavelmente não é legalmente obrigada a devolver os ganhos ilícitos de qualquer maneira.

Sheila Voss, vice-presidente de comunicações da GFI, esclareceu essa declaração anterior, dizendo por e-mail: “Dadas as investigações em andamento, no ano passado, o conselho da GFI reservou uma quantia equivalente às doações recebidas da FTX, enquanto monitoramos os desenvolvimentos legais”.

Mesmo que a GFI e outras organizações sem fins lucrativos não sejam obrigadas a devolver o dinheiro legalmente, certamente o são moralmente. Também faz sentido financeiro fazer isso. Por que esperar até que um tribunal ordene que você pague tudo de volta com juros?

E os orçamentos são sempre maleáveis, especialmente para uma organização do tamanho da GFI. De acordo com a Animal Charity Evaluators, que investiga as organizações de bem-estar animal, a receita da GFI superou US$ 40 milhões (R$ 206,4 milhões) em 2021, o mesmo ano da doação de US$ 250.000. E a organização está projetando uma receita surpreendente de US$ 50 milhões para 2023. (Esses números são várias vezes o orçamento da maioria das outras organizações de bem-estar animal e outras organizações sem fins lucrativos que fazem trabalhos semelhantes.)

O Open Philanthropy Project (já tendo repassado milhões de dólares à GFI) agora está se oferecendo para compensar as perdas dos destinatários do FTX “Future Fund”. A GFI deve ter muitos outros doadores a quem recorrer, além da filantropia aberta, para compensar qualquer déficit.

Organizações sem fins lucrativos, como a GFI, devem devolver todo o dinheiro à FTX, pelo menos para se distanciar e distanciar suas missões das múltiplas acusações criminais das quais Bankman-Fried é acusado:

  • fraude eletrônica
  • conspiração para cometer fraude eletrônica
  • conspiração para cometer fraude de commodities
  • conspiração para cometer fraude de valores mobiliários
  • conspiração para cometer lavagem de dinheiro
  • conspiração para fraudar a Comissão Eleitoral Federal
  • cometer violações de financiamento de campanha.

Como explicou a Procuradoria dos EUA: “As acusações surgem de um suposto esquema abrangente do réu para apropriar-se indevidamente de bilhões de dólares de fundos de clientes depositados na FTX, a bolsa internacional de criptomoedas fundada pelo réu, e enganar investidores e credores ”.

O procurador dos EUA também observou: “este não foi um caso de má administração ou supervisão deficiente, mas de fraude intencional, pura e simplesmente”. Por que segurar o dinheiro doado por alguém tão distante de quaisquer princípios éticos?

É irônico que a GFI, uma organização tão preocupada em salvar o mundo dos danos causados ​​pela mudança climática na produção convencional de carne, pareça não ter nenhum problema moral em manter o dinheiro que pertenceu a outras pessoas que não o doador, um homem que agora enfrenta tempo de prisão federal.

Todos os destinatários do dinheiro contaminado de Bankman-Fried devem se distanciar imediatamente desse escândalo, devolvendo quaisquer ganhos ilícitos, ou então correr o risco de ter sua própria bússola ética questionada.

* Michele Simon é colaboradora da Forbes EUA, mestre em saúde pública pela Yale University e graduada em direito pela University of California.