Proteínas e óleos à base de insetos entram de vez na ração animal

3 de janeiro de 2023
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Moscas Soldado Negro transformam em proteínas e óleos nutritivos o resíduo da indústria de alimentos

Na gelada Finlândia, país do norte da europeu que faz fronteira com a Suécia, Noruega e Rússia, há uma empresa chamada Volare, que desenvolveu uma versão mais eficiente, em termos de energia de um sistema baseado em insetos, para converter vários “fluxos secundários” (sidestreams, do inglês) de processamento de alimentos em rações para animais de estimação, pássaros, peixes, frangos e suínos. Trocando em miúdos, o que fizeram representa um avanço técnico e regulatório com grande potencial de expansão.

A maioria dos cultivos destinados à alimentação humana precisa passar por algumas etapas de classificação e processamento, antes de estarem prontos para serem consumidos diretamente ou serem utilizados como ingrediente em algo que gostamos de comer. No processo, vários “fluxos secundários” de sabor desagradável ​​ou não comestíveis são gerados. Mas a indústria de alimentos pode ganhar dividendos econômicos caso encontre usos para esses produtos, em vez de simplesmente deixá-los ir para o lixo, acredita o trio que comanda a empresa: Jarna Hyvönen, COO, Tuure Parviainen CEO e Matti Tähtinen CTO.

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Em alguns casos, uma alimentação humana diferente pode ser gerada, como no caso de transformar maçãs “não comerciais” em suco ou molho. Outra opção é capturar o potencial energético de um “fluxos secundário” colocando-o em um digestor anaeróbio e gerando gás natural renovável. Alguns “fluxos secundários” também podem ser alimentados diretamente com animais, caso em que tanto a energia quanto o potencial nutricional são capturados.

Uma opção muito interessante é utilizar o “super poder” de um inseto chamado Black Soldier Fly (BSF ou mosca-soldado-negro) para desbloquear o potencial nutricional e energético em sidestreams, mesmo que de outra forma eles não tivessem tanto valor (BSF é uma mosca originária da América do Norte e que hoje está disseminada por toda a Europa). O caso é que BSF pode, de fato, ter saído originalmente do Novo Mundo, mas elas efetivamente pegaram carona ao redor do mundo com os humanos e se tornaram “cosmopolitas”.

As moscas são inofensivas para as pessoas, mas têm uma capacidade notável de comer praticamente qualquer coisa, porque produzem pelo menos 17 enzimas digestivas diferentes. Seu estágio larval pode prosperar em muitos “fluxos secundários”, normalmente de baixo valor e, em seguida, elas podem ser processadas como farinha de proteína de alta qualidade e gorduras desejáveis.

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A equipe de gestão da Volare: Jarna Hyvönen, Tuure Parviainen e Matti Tähtinen

O sistema BSF já está sendo amplamente utilizado para fazer ração animal, mas também é uma excelente opção para alimentar peixes, porcos e galinhas. Várias tecnologias significativas, baseadas em BSF, estão se tornando rapidamente uma indústria de grande escala. Ainda assim, há um enorme potencial de expansão e até mesmo de competição com o uso de bioenergia de diversos “sidestreams”.

Atualmente, a tecnologia BSF é mais utilizada na Europa do que nos EUA. Uma de suas características é que na Europa ela é altamente regulamentada, principalmente se a intenção é usá-la para fazer ração para animais destinados ao consumo humano. Essa restrição está ligada à infeliz história da Doença da Vaca Louca ou “BSE”, que estimulou a forte influência do princípio da precaução em muitos regulamentos da UE. (A BSE foi diagnosticada pela primeira vez em 1986 na Europa, com surto epidêmico na Grã Bretanha no início dos anos 1990, onde mais de 100 mil bovinos foram sacrificados. O Brasil, de acordo com a Organização Mundial da Saúde Animal, sempre foi classificado como risco insignificante para a doença)

O processo atualmente aprovado para fazer ração animal a partir de larvas de BSF envolve uma adição substancial de água e uma boa quantidade de energia para garantir que haja uma “etapa de morte”, que não apenas cuidaria de qualquer contaminação bacteriana patogênica, mas também destruiria qualquer príon (molécula de proteína), como o que causou o mal da Vaca Louca.

Mas a Volare desenvolveu e patenteou um processo para produzir ração animal, com proteínas e lipídios de alta qualidade a partir de larvas de BSF, sem uma adição significativa de água. Por causa disso, seu processo consome substancialmente menos energia do que o método já existente e, portanto, com um custo operacional 50% menor. A Volare, no entanto, passou pelo difícil processo de convencer os reguladores da UE de que poderiam cumprir seus padrões de segurança com o novo método.

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Larvas da Mosca Soldado Negro, matéria prima para ração animal

A empresa de proteínas é dona de uma fábrica que pode processar centenas de toneladas métricas/ano de “sidestreams” e produzir proteína e óleo à base de BSF. Seus controladores estão planejando outra instalação e esperam poder processar 50 mil toneladas/ano até o final de 2024. Para isso, utilizam uma variedade de matérias-primas, incluindo casca de aveia, casca de batata e destilados da indústria cervejeira.

Atualmente, a empresa fabrica, principalmente, rações para animais de estimação e para pássaros, mas sua aprovação na UE permitirá que se expanda para o mercado de farinha de peixe na aquicultura e para as granjas de frango e suínos. Existe um grande interesse global em usar sistemas BSF para capturar o desperdício de alimentos pós consumo, mas isso seria ainda mais desafiador do ponto de vista regulatório, pois envolveria os resíduos da indústria da carne.

Ainda assim, a Volare vê espaço significativo para expansão porque quase dois terços dos “fluxos secundários” em todo o sistema de alimentos podem valer mais como produtos BSF do que para a produção de biogás. Além disso, a instalação necessária para a produção de BSF tem um custo de capital semelhante à instalação de um digestor anaeróbio, mas é mais fácil de operar. Proteínas e óleos à base de insetos estão a caminho de se tornar uma parte cada vez mais significativa do suprimento de ração animal, e se espera que essa tecnologia ajude a acelerar essa mudança.

* Steven Savage, colaborador da Forbes EUA, está envolvido com tecnologias agrícolas há mais de 40 anos. É biólogo pela Universidade de Stanford e doutor pela Universidade da Califórnia, em Davis.