Foi na localidade de Colonia Garibaldi, em Salto, à beira da Ruta 3, que o brasileiro Edinaldo Pereira dos Santos, 45 anos, arrendou 127 hectares de terras em 2021. A propriedade tem plantações de frutas, como mirtilo e pêssego, e oliveiras, na maior parte de sua área, mas que ele começou, também, a produção de cannabis medicinal em dois hectares. No entanto, em vez de produzir a erva para medicamento humano, Santos quer produzir cannabis para uso veterinário.
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Santos já iniciou conversas com pesquisadores da Embrapa (Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária), na unidade Suínos e Aves, em Concórdia (SC), e aguarda que avanços levem a uma parceria de pesquisa. Ele acredita que o canabidiol possa ser utilizado na medicina veterinária, substituindo alguns medicamentos, como os antibióticos. No final da semana passada, Santos apresentou à Embrapa um plano de trabalho para a validação do uso de CDB, primeiramente em aves, e posteriormente em suínos. E espera uma resposta.
“Os ensaios, os estudo clínicos, são para aves adultas, e somente depois as de posturas e pintinhos”, diz Santos. A parceria, na qual entra a Bio-Sano, empresa de Santos com sede em Toledo (PR), é para estudos de campo, pesquisa, validação e registro junto aos órgãos reguladores. No mundo, o uso veterinário do canabidiol em países já liberados, como os EUA, tem foco no mercado pet, embora a erva possa ser usado em animais de produção. Esse mercado global de canabidiol veterinário é estimado pela consultoria Grand View Research, com sede em São Francisco, Califórnia, em US$ 4,8 bilhões, por ano, até 2028.
No Brasil, desde 2021, está em curso o Projeto de Lei (PL) nº 369/2021, na Câmara dos Deputados e com contribuições do CFMV (Conselho Federal de Medicina Veterinária), de regras que regulamenta o uso veterinário de remédios derivados da cannabis sativa e incentiva pesquisas, estudos e a comercialização, no mercado brasileiro. Por enquanto, as leis locais sobre a cannabis permitem somente o uso medicinal humano.
Como Santos chegou na cannabis veterinária
“Vendia produtos para gado leiteiro e ovinos na região Oeste Catarinense e Rio Grande do Sul”, diz ele. “Foi aí que comecei a ver que os produtores estavam sempre preocupados com produtos que não deixassem resíduos no leite e que, por isso, seriam bem-vindos outros tipos de medicamentos .”
Santos conta que foi visitando fazendas no Rio Grande do Sul que conheceu o neem em uma delas, uma árvore de origem asiática introduzida como fitoterápico no Brasil no início dos anos 1990. O neem, triturado de folhas em pó ou seu óleo, é usado contra ectoparasitas em bovinos, como carrapatos e mosca do chifre. “A fazenda tinha um gado de muita saúde e leite de qualidade, e o dono dos animais atribuía ao neem a sanidade do rebanho”. Santos, então, começou a estudar a planta, o que ela era e como poderia fazer dela um negócio para ganhar dinheiro.
Como não tinha terras no Brasil, em 2010 ele foi plantar neen na região do Chaco, no Paraguai, em uma área que pertencia a uma cooperativa de produtores, vendendo a planta para os próprios. Vendeu neen, mas fez tudo errado, conta Santos, que só não foi preso porque os fazendeiros defenderam o que ele fazia.
Para permanecer, precisava registrar o produto no Senasa (Servicio Nacional de Saneamiento Ambiental), o equivalente ao Mapa (Ministério da Agricultura e Pecuária) no Brasil. Santos começou vendendo para pequenos fazendeiros, mas no final já vendia para médias e grandes propriedades. “Cheguei a vender para fazendas com 70 mil animais”, diz ele. “Ganhei dinheiro no Paraguai, mas o processo de regularização era caro e complicado.”
Santos conta que chegou a procurar a Universidad San Carlos, que tem cursos de veterinária, agronomia, zootecnia, na capital Assunção, mas que não houve interesse pelo neen ser uma planta desconhecida no país. Então, em 2014 ele voltou ao Brasil, mas não desistiu do neen. Bateu à porta de várias universidades, até que foi ouvido na PUC (Pontifícia Universidade Católica), de Toledo (PR). Um dos professores, Tiago Frigotto, que atuava no Hospital Veterinário da PUC, topou ensaios clínicos com planta.
Entre 2016 e 17 de novembro do ano passado, foi o tempo que Santos levou para registrar e obter a licença de seus produtos à base de neen no Brasil, depois de abrir a empresa Bio-Sano. E foi o neen, também, que o levou ao universo da cannabis e ao aprendizado do que ele agora faz no Uruguai. Entre voltar ao Brasil e o registro do seu produto, Santos não ficou parado, participando de encontros, exposições e seminários. “Tudo que se relaciona a plantas me interessa”, diz ele. E foi em um desses eventos, em Montevidéu, no Uruguai, em 2018, que se deparou com a cannabis e os desafios de manter a erva fora do ataque de pragas.